quinta-feira, 7 de julho de 2011

Produtor agrícola de desertos


Contra a exportação de soja

 Mouzar Benedito.

“O Brasil é um país abençoado por Deus. Não tem vulcões, não tem terremotos, não tem furacões, não tem desertos…”

Quantas vezes ouvi isso na minha infância! Realmente o Brasil é um país privilegiado.
Uma piada dos tempos da ditadura, quando muita gente via só defeitos em tudo que se referia ao Brasil e aos brasileiros, dizia que quando Deus criava o mundo começou a distribuir coisas boas e coisas ruins pelos continentes e países, foi pondo vulcões no Chile, na Itália, na Indonésia, na América Central… Deserto na África, na Arábia, na Mongólia… Clima gelado no norte da Europa, da América do Norte… E assim foi indo. No Brasil, foi colocando as mais belas praias, as maiores florestas, rios maravilhosos, clima ótimo…

Um anjo comentou em tom de protesto:

― Mas, Deus, por que o Senhor colocou tantas coisas ruins nos outros países e no Brasil só coloca coisas boas? Por que tanto privilégio para um país?

Deus teria falado pra ele:
― Você vai ver o povinho que eu vou pôr lá!

Era uma piada contada por gente de direita, esse pessoal que se envergonha de ser brasileiro, inveja gringos, mas pegava até em gente de esquerda, pois era um tempo de baixíssima autoestima entre nós, além de ter aquela coisa: “Esse povo que não reage contra a ditadura…”. Mas dá para adaptarmos a piada. Ele devia dizer:

― Você vai ver umas pragas humanas que eu vou pôr no meio da população de lá.

É uma praga humana mesmo, uma pequena parcela da população altamente predatória, que vai corroendo o Brasil. Tudo de bom vai se perdendo.

Não tivemos terremotos brabos, ainda, mas já tivemos tremores de terra, tufões e outros tipos de tragédia, como enchentes cada vez mais violentas e secas mais radicais, em boa parte produzidos por essa praga. Uma praga que vai derrubando florestas, poluindo praias, rios, tudo. Os rios secam ou viram esgotos que periodicamente transbordam e matam.

Mas e desertos? Não tínhamos desertos. Não tínhamos… De uns tempos para cá, temos.
No sudoeste do Rio Grande do Sul tem um deserto criado pelo homem, o deserto de Alegrete, fruto de uma agricultura altamente predatória, que utilizava maquinário pesado e muito veneno. O solo virou areia improdutiva em milhares de hectares, abrangendo vários municípiosem torno de Alegrete.

Para ter maior lucro e mais rapidamente, agricultores não pensaram no futuro e criaram aquele deserto. Chove lá, mas o solo não tem vida, não produz. Para tentar recuperar a área, muito dinheiro público vem sendo aplicado lá. Quer dizer, o lucro era individual e o prejuízo – muitas vezes maior do que o que os fazendeiros lucraram – é público. Nós pagamos.
Acontece que parte das pessoas que criaram aquele deserto migrou para outras partes do país, especialmente a Amazônia, e continuaram com suas práticas agrícolas desertificadoras. A eles se somaram outros e vão derrrubando a floresta para transformar, dentro de algum tempo, mais um pedaço do Brasilem deserto. A Floresta Amazônica, com aquela imponência toda, não está localizada sobre bons solos, ela é meio autossuficiente: suas folhas caem, “apodrecem” e adubam as árvores. Não é do solo que sai o alimento da floresta. O solo de lá é raso, se cavoucarmos poucos centímetros encontraremos uma camada dura, chamada laterita, que impede inclusive a penetração das raízes. Tanto que as grandes árvores têm raízes que se espalham para os lados, em vez de penetrar no solo, que é frágil.

Com pouco tempo de agricultura, ainda mais uma agricultura predatória, com grandes maquinários que compactam o solo e o uso de venenos contra pragas, aquilo vai virar deserto.
Para quê?

Tudo em nome do agronegócio: é para plantar soja e exportar. A Amazônia está sendo tomada pela soja, assim como a caatinga do oeste baiano, o cerrado do Centro-Oeste e outras regiões.

E tudo, ou quase, que se produz lá, vai para o exterior. Não serve em nada para os brasileiros. Equilibra a balança comercial, dá lucro, dizem. Mas estamos mandando para o exterior o futuro do Brasil.

Os agronegociantes dizem que tudo isso é besteira. Mas outro tipo de commodities já levou parte do Brasil para o exterior: o manganês do Amapá, exportado a preços baixíssimos para os Estados Unidos.

O manganês é um minério raro e caro, e uma das maiores jazidas do mundo ficava no Amapá. E toda ela, praticamente, foi levada para os Estados Unidos. Aproveitaram os governos da ditadura, que impediam qualquer discussão sobre o assunto, e levaram para os Estados Unidos muito mais do que precisavam. Foram depositando no deserto de Nevada, para uso futuro, e lá chegou a ter uma montanha enorme de manganês brasileiro, um verdadeiro monumento à glória do imperialismo. No lugar desse manganês aqui, na antiga Serra do Navio, sobrou um buracão e uma população pobre. Que lucro deu para o Brasil?

Pois com a soja – e também com a monocultura da cana de açúcar – acontece mais ou menos o que aconteceu na época. Para produzir soja e cana, perdemos extensões enormes de florestas, de solo, de nutrientes da terra… E teremos no futuro um grande deserto.

Quando se fala contra a derrubada das florestas, os agronegociantes e seus aliados argumentam: se não fizermos isso, vai faltar comida para os brasileiros. Mentira deslavada! Eles não plantam comida, plantam negócios. Plantam as taiscommodities que podem servir momentaneamente para equilibrar a balança comercial e, principalmente, dar lucro aos devastadores.

Para o nosso futuro, desertos!

Em 1990 ou 91, participei em Brasília de uma reunião da FAO (órgão da ONU para a agricultura e os alimentos), como jornalista, e nela um francês já radicalizava contra a produção de sojaem países do Terceiro Mundo.Ele tinha consciência, e explicou como virou militante: “Visitando vários países, vi o povo passando fome e, em vez de alimentos, neles as grandes plantações eram de soja, para exportar para a Europa, para alimentar porcos e vacas da França, da Alemanha…”.

É isso. Agronegociante está se lixando para a alimentação do povo. Só interessa o lucro rápido.
Agora há também uma campanha para que os Estados Unidos eliminem taxas sobre a importação de álcool do Brasil. Ora, para quê? Neste ano mesmo faltou álcool aqui. E já tivemos substituições de grandes áreas de plantio de feijão e batata, por exemplo, pela cana de açúcar. Usinas arrendam as terras e interrompem a produção de alimentos.

O aumento da exportação será um suicídio para o Brasil. O lucro não será dos brasileiros, será de uma minoria, da praga devastadora e negociante. Um pessoal que, quando o que produzem barateia no exterior, pede socorro ao governo daqui, e entra dinheiro público para as gordas contas bancárias deles. Quando aumentam os preços no exterior, eles desabastecem o Brasil, dizendo que “lá fora” o que produzem vale mais.

Portanto, uma campanha que valeria a pena é essa: chega de exportação de soja! E não ao incremento da exportação de álcool. O Brasil do futuro depende disso.

Boitempo

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