quarta-feira, 31 de março de 2010

A 'Legião' desmorona, ninguém noticia




De Alberto Dines no site Observatório da Imprensa:

Na sexta-feira (26/3), em Roma, o comando da Legião de Cristo rendeu-se às evidências sobre a vida dupla ou tripla do seu fundador, o padre mexicano Marcial Maciel (1920-2008) - na foto acima, aos pés de João Paulo II.

Num breve comunicado admitiu, consternado, que "são certas as acusações contra o padre Maciel, entre as quais se incluíam abusos sexuais a seminaristas menores". O comunicado renegando o seu fundador foi assinado pelo atual diretor-geral da ordem, Álvaro Corcuera.

A inédita proclamação foi para a primeira página dos jornais europeus de sábado (27). O prestigioso El País dedicou-lhe duas páginas, uma delas com enorme foto do pontífice João Paulo II recebendo em audiência o sacerdote mexicano que tanto apreciava e tanto estimulou.

O padre Maciel não era apenas um assumido pedófilo (El País prefere usar a nomenclatura técnica: pederasta). Também abusou de seus filhos quando eram pequenos.

Filhos? Além do pecado da sodomia, Marcial Maciel, quebrou os votos de castidade e viveu maritalmente com Blanca Estela Lara (que conheceu quando tinha 18 e ele 56 anos), com quem teve três filhos.

A família apareceu há dias na TV mexicana e uma das crianças, agora adulto, contou com escabrosos pormenores com o seu pai tentou violá-lo e o obrigava a masturbá-lo.

Nossos jornais e revistas não têm correspondentes no México. Mas têm em Roma. Nada disso foi publicado aqui nem no sábado, nem no domingo.

A Legião de Cristo funciona no Brasil desde 1985. Em 2006, quando Bento XVI determinou que Marcial Maciel (então com 84 anos) se dedicasse apenas às orações e penitências, o caso foi escondido. Não era notícia. Esta é uma das centenas de não-notícias que uma imprensa engajada e assumidamente confessional como a nossa não se sente obrigada a publicar.

É preciso lembrar que Maciel não era apenas um pecador (na linguagem religiosa), criminoso (em termos jurídicos) ou um tarado (em linguagem corrente) – era um militante político de extrema importância.

A ordem dos Legionários de Cristo (fundada em 1941) era o braço armado da direita católica. Prosperou durante a longa ditadura franquista na Espanha e expandiu-se no Novo Mundo apoiada por uma igreja identificada com o que havia de mais conservador no espectro político.

A ordem conta hoje – segundo El País – com 900 sacerdotes, 3 mil seminaristas e 70 mil membros laicos espalhados por 18 países, Estados Unidos inclusive. Tem educandários, universidades e conta com formidáveis apoios empresariais.

De acordo com Garry Wills (historiador emérito, jornalista premiado, autor de 40 livros), a Legião de Cristo aparece nos créditos da famigerada produção de Mel Gibson, A Paixão de Cristo, e, junto com a Opus Dei, tentou extrair do Vaticano um endosso espiritual para o filme (The New York Review of Books, 8/4/2004).

Importante registrar que as duas organizações e seus fundadores assemelham-se tão somente no aspecto ideológico e no incentivo que receberam do Vaticano.

Josemaria Escrivá de Balaguer (1902-1975), criador da Opus Dei, canonizado em 2002, tem uma biografia imaculada. A de Maciel é a de um patife: além das imoralidades pessoais, passava-se por alto funcionário da Shell e agente da CIA.

A confirmação das heresias e apostasia de Marcial Maciel veio muito tarde. Há 13 anos, um canal de TV mexicano (CNI Canal 40) preparou uma longa reportagem sobre os abusos cometidos por Maciel.

O diretor do programa, jornalista Ciro Gomez Leyva convidou Legionários a contestar as acusações. A partir daquele momento a pressão da Igreja mexicana e da própria presidência da República tornou-se brutal. O documentário foi ao ar, mas no dia seguinte iniciou-se um bloqueio publicitário contra a emissora.

"Um dos mais vergonhosos casos de censura da história do México", relembra Leyva. "O poder e a fortuna dos Legionários de Cristo conseguiram, durante anos, converter o sofrimento de dezenas de vítmas em conspirações falsas e infundadas" (El País, 27/3/2010, págs. 28-29).

Vergonhoso também é o comportamento da imprensa brasileira (exceto Veja), que até hoje não conseguiu dar seqüência à reportagem de Roberto Cabrini emitida no SBT no dia 11/3 sobre os abusos sexuais praticados por um monsenhor em Arapiraca (AL).

Blog do Noblat

Empregadores domésticos são condenados por assédio moral


portal Direito Doméstico.

A 10ª Turma do TRT-MG manteve a condenação de um casal ao pagamento de indenização por assédio moral à ex-empregada doméstica, que era tratada com desrespeito, sendo chamada por nomes ofensivos e que faziam referência à sua raça. As filhas dos reclamados, inclusive, utilizaram um site de relacionamento da internet, para ofender a trabalhadora, que era chamada de “gorda”, “ladra” e “neguinha”. Para o desembargador relator, Márcio Flávio Salem Vidigal, embora isso tenha ocorrido após o término do contrato de trabalho, acaba por reforçar as declarações das testemunhas e leva à constatação de que, na casa dos reclamados, a reclamante era agredida e tratada com hostilidade.

Explica o relator que o assédio moral, também denominado de mobbing ou bullying, é uma espécie de manipulação perversa que atenta contra a dignidade ou integridade psíquica ou física do trabalhador, expondo-o a situações incômodas e humilhantes pela repetição de um comportamento hostil de um superior hierárquico ou colega, ameaçando o emprego da vítima ou degradando o seu ambiente de trabalho. “Vale lembrar: a dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos desta República (art. 1º, III da CR/88), e o tratamento indigno não pode ser tolerado no ambiente de trabalho, local no qual o empregado se encontra exatamente para buscar seu sustento digno” - frisou o magistrado.

Ele rechaçou a alegação de que os reclamados não poderiam ser condenados pelas atitudes das filhas, que são maiores de idade. Até porque, no caso de vínculo empregatício doméstico, o empregador é o ente familiar como um todo. Assim, o ato reprovável praticado por qualquer dos integrantes da família é considerado como ato do empregador.

Concluindo comprovados o dano à vítima e a conduta patronal violadora da honra e dignidade da empregada, a Turma manteve a condenação imposta pela sentença. ( RO nº 01371-2009-152-03-00-6 )

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região

Paulo Souto

FHC defende fim de penalização por consumo de drogas



EQUIPE AE - Agencia Estado

É preciso admitir que a guerra contra as drogas fracassou e que as consequências "indesejadas" dessa luta foram desastrosas na América Latina. Por isso, continuar com esse combate é ridículo, afirma o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em artigo publicado hoje pelo jornal dominical britânico The Observer. Segundo FHC, é preciso haver um sério debate que leve à adoção de estratégias mais humanas e eficazes para lidar com o problema global das drogas.

Citando a Comissão Latino-americana para Drogas e Democracia, da qual é membro, FHC afirma que já é reconhecida a necessidade de uma mudança de paradigma que substitua a repressão aos usuários de drogas por estratégias de tratamento e prevenção. "O desafio é reduzir drasticamente o prejuízo causado às pessoas, sociedades e instituições públicas pelos narcóticos ilegais." Esse processo, diz o ex-presidente brasileiro, já teve início na Argentina e no México, cujo Congresso aprovou uma lei que remove a penalização criminal para a posse de pequenas quantidades de drogas para consumo pessoal e imediato. Ele também cita a Colômbia, primeiro país a adotar essa medida, em 1994, e a liberalização da legislação sobre drogas na Bolívia e Equador. "A mudança também é iminente no Brasil", onde a ambiguidade atual na lei efetivamente abre oportunidades para corrupção e extorsão na polícia, afirma FHC. "Os parlamentares brasileiros estão perto de discutirem uma nova lei para abolir a penalização para o consumo de pequenas quantidades de maconha", acrescenta.

Mas ainda há um longo caminho pela frente, diz ele, embora o avanço na descriminalização do porte de drogas permita um paradigma de saúde pública e rompa o silêncio sobre o problema das drogas. "Isso permite que as pessoas pensem em termos de abordar o abuso de drogas de uma forma que não seja antes de tudo uma questão para o sistema de justiça criminal. Reduzir o prejuízo causado pelas drogas passa pela redução do consumo", defende Fernando Henrique no artigo. Para ele, nenhum país desenvolveu uma solução abrangente para o desafio do abuso de drogas, e uma solução não precisa ser uma escolha rígida entre a proibição e a legalização. "Abordagens alternativas estão sendo testadas e devem ser cuidadosamente revisadas, mas está claro que o avanço envolverá uma estratégia que alcance, paciente e persistentemente, os usuários", afirma.


Estadão

domingo, 28 de março de 2010

Ibama embarga 20 obras em João Pessoa e Sinduscon vai à Justiça


Justiça

O Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa (Sinduscon-JP) entrou com ação de mandado de segurança na Justiça Federal para retomar os trabalhos de 20 obras de construtoras, na capital, que foram embargadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), no início deste mês, por falta de licenciamento ambiental.

“Entendemos que a medida de embargar os prédios pelo Ibama foi arbitrária. Todas as obras possuem Alvará de Construção emitidas pela Prefeitura de João Pessoa. Além disso, o Decreto Estadual nº 21.120, de 20 de junho de 2000, inciso XII do artigo 18, libera de licenciamento ambiental as obras que estejam construídas em áreas já saneadas e com fossas sépticas como são os casos dos bairros da orla e Jardim Luna onde os prédios foram embargados. Já tentamos uma negociação administrativa sobre os embargos e multas de R$ 10 mil, mas a postura do órgão foi de insensibilidade e não houve progresso, por isso ingressamos na Justiça com um pedido de liminar contra os embargos para evitar mais prejuízos às construtoras, pois essas empresas têm prazo de entrega dos apartamentos”, declarou o presidente do Sinduscon-JP, Irenaldo Quintans. As obras estão paradas há quinze dias.

O líder empresarial do setor da construção civil na capital questionou o posicionamento do Ibama e dos órgãos do meio ambiente do Estado. “Na verdade, está havendo uma dissonância de decisões dos órgãos do meio ambiente que atuam no Estado quanto às licenças. O Alvará de Construção é documento hábil e suficiente, de acordo com a própria legislação estadual”, acrescentou.

O superintendente do Ibama na Paraíba, Ronilson José da Paz, disse que o embargo das obras aconteceu durante a operação nacional chamada “Térmitas”. “O órgão aleatoriamente” investigou dezenas de empresas de madeiras e da construção civil. Ficamos surpreso quando descobrimos na operação que das 25 empresas fiscalizadas 24 estavam com alguma irregularidade e outras 20 construtoras sem o licenciamento ambiental, disse.

Paraíba 1

Prestador de serviço sem concurso é voto comprado



Justiça

TRE reintegra prefeito de Princesa Isabel 24 horas após cassação

O juiz-membro do Tribunal Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), Newton Nobel Sobreira Vita, concedeu no fim da tarde desta terça-feira (23) medida liminar para emprestar efeito suspensivo a recurso interposto pelo prefeito do município de Princesa Isabel, Thiago Pereira de Sousa, determinando a sua imediata reintegração no cargo.

O juiz da 34ª Zona Eleitoral, Rúsio Lima de Melo, havia cassado ontem o mandato de Thiago Pereira (PMDB), e da vice-prefeita, Tereza Lúcia da Costa. Eles são acusados de abuso de poder político e econômico na contratação de 342 prestadores de serviço em período eleitoral sem a realização de concurso público.

No entanto, fica suspensa a decisão do Juiz Rúsio Melo, que havia determinado a posse do segundo colocado na eleição realizada no município de Princesa Isabel, até análise do recurso pelo TRE-PB.

Na decisão, o Juiz Newton Vita enfatizou que “o fumus boni juris, na esteira dos precedentes do Tribunal Eleitoral da Paraíba, faz-se evidente” e que, da mesma forma, o perigo de dano irreparável restou caracterizado “não somente ao requerente, mas à sociedade com um todo, em virtude da instabilidade política social, ocasionada com a mudança da titularidade do Poder Executivo local”.

Ficou dito ainda na decisão que “se trata apenas de uma medida provisória para que o Tribunal possa decidir melhor com mais justiça, confirmando ou reformando o julgamento, na visão múltipla dos juízes que o integram”.

Pb 1

Conferências nacionais alteraram modelo de democracia



BRASÍLIA - A realização de conferências nacionais estabeleceram uma nova forma de elaboração de políticas públicas. “Está em jogo uma alteração no modelo de democracia liberal”, aponta Thamy Pogrebinschi, professora do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de janeiro (Iuperj), um dos principais programas de pós-graduação em sociologia e ciência política do país.

Na avaliação da acadêmica, “o Brasil está à frente em práticas participativas de escala nacional”. Para a professora, o processo - que se inicia com a realização de conferências locais, estaduais ou regionais, com a convocação governamental, mas sob demanda da sociedade civil – é característico da política brasileira e não tem iniciativa similar em outros países.

Segundo Thamy Pogrebinschi, a realização das conferências “pode fortalecer os mecanismos de representação”, visto que pautam a elaboração de novas leis. Na pesquisa que coordenou, intitulada Entre Representação e Participação: As Conferencias Nacionais e o Experimentalismo Democrático Brasileiro, identificou (em outubro de 2009) 3.750 projetos de lei no Congresso Nacional que guardavam afinidade com 1.937 diretrizes resultantes das conferências.

“Há uma complementaridade entre os mecanismos de participação popular e as instituições representativas”, afirmou a pesquisadora após analisar os resultados de 80 conferências com caráter deliberativo (que gera documento com propostas de normas e leis), realizadas desde 1988. Além do Poder Legislativo, as conferências pautam os atos normativos, as portarias e medidas administrativas do governo, disse a pesquisadora.

Ao alterar a forma de elaboração das políticas públicas e estabelecer uma agenda de governo, ela acredita que as conferências estabelecem uma forma inédita de cooperação entre o Estado e a sociedade civil. Apesar da aproximação, ela não teme uma eventual cooptação pelo Estado. “É uma forma da sociedade civil, por dentro do Estado, vir apresentando as suas próprias demandas. Essa cooperação de modo algum implica em cooptação. Ao contrário, fortalece a sociedade civil e a mantém autônoma”, elogia a pesquisadora.

Para Thamy Pogrebinschi, o melhor exemplo da capacidade da sociedade civil em pautar o Estado por meio de conferências nacionais é a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), que por considerar os resultados de mais de 50 conferências “traz políticas públicas para mulheres, indígenas, negros, quilombolas, mas também para a segurança pública, o desenvolvimento agrário e as cidades”.

A pesquisa patrocinada pelo Ministério da Justiça, por meio de cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), reconhece que houve um salto na realização de conferências nos dois mandatos do presidente Lula. Na amostra de 80 conferências, 56 ocorreram nos últimos sete anos; e de 33 temas identificados pela pesquisa, 32 foram tratados no período.

Thamy Pogrebinschi acredita que as conferências nacionais continuarão sendo realizadas no próximo governo, independentemente do resultado das eleições de outubro. Ela aponta, no entanto, que conferências nas áreas de saúde, dos direitos humanos, dos direitos da criança e do adolescente e da assistência social, que já haviam sido realizadas antes de 2003, estão mais institucionalizadas.

A pesquisa do Iuperj será apresentada na sede do instituto, no Rio de Janeiro, no próximo dia 16 de abril. Hoje (28), começa em Brasília a 1ª Conferência Nacional de Educação.


Jornal do Brasil

sábado, 27 de março de 2010

Dimensão cultural do uso de drogas precisa deixar de ser ignorada


Gravura: Noé embriagado

Pesquisadores e personalidades políticas apontam que há tabus enormes sobre o assunto que, se não for tratado com transparência, seguirá provocando mortes e totalitarismo

Plantações de coca como as do Chapare, região da Bolívia na qual Evo Morales se fez líder político, sofrem pressão da ONU. Políticos concordam que as áreas para produção de cocaína devem ser extintas, mas refutam erradicação.

SÃO PAULO - A aceitação de que os componentes sociais e culturais contam tanto na discussão sobre drogas quanto os aspectos médicos vem finalmente ganhando espaço na discussão sobre o tema no Brasil. Pesquisadores do setor e políticos entendem que houve um equívoco por parte do poder público em atribuir à farmacologia o tratamento de usuários, dispensando o caráter multidisciplinar do tema.

Henrique Carneiro, professor de História da Universidade de São Paulo, avalia que essa é uma das facetas que levam a um debate pouco claro sobre o tema, cristalizando as drogas como tópico da sociedade contemporânea sobre o qual há mais tabus e preconceitos.

O integrante do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip) lembra que as tentativas de erradicação deixam de lado as questões culturais envolvendo substâncias consideradas alteradoras do comportamento: "A abstinência é uma atitude que se torna não apenas proibicionista, mas totalitária. Porque supõe a erradicação, a abolição, a desaparição de substâncias que são utilizadas há milhares de anos por milhões de pessoas e que se constituem, talvez, nas plantas mais importantes do ponto de vista cultural. (…) Uma sociedade que chegasse ao ponto de conseguir essa erradicação seria uma sociedade fascista."

Da parte de alguns governos, aceita-se atualmente que a erradicação de certos cultivos é impraticável. A Colômbia, com apoio e pressão dos Estados Unidos, tenta há décadas encerrar suas plantações de coca, planta de uso milenar que dá origem à cocaína. O país registra dezenas de milhares de mortes pelo combate levado a cabo por sucessivos governos sem o devido acompanhamento de outras políticas.

A Organização das Nações Unidas (ONU), que defende a erradicação das culturas de coca, papoula e maconha, viu crescer vozes dissidentes. O presidente da Bolívia, Evo Morales, esteve no plenário da ONU defendendo o direito dos povos originários da América do Sul de cultivar a coca, folha que serve a rituais religiosos e hábitos culturais, como a mastigação para reduzir a fome e diminuir efeitos da altitude.

"Isto é uma folha de coca, não é cocaína", afirmou, segurando um exemplar da planta. "Esta folha de coca é medicina para os povos, não é nociva para a saúde humana em seu estado natural." Na ocasião, março de 2009, Morales foi aplaudido ao afirmar que a coca não pode ser proibida para a Bolívia se é livre para a Coca-Cola.
O historiador Henrique Carneiro reforça a posição de que as drogas têm um uso muito antigo, inclusive na formação dos Estados modernos e do atual sistema econômico.

Defende Carneiro que as drogas, lícitas ou ilícitas, na medida em que serviam como pagamento por outras mercadorias e por escravos, trataram de integrar a formação das desigualdades entre a Europa e os países ditos periféricos.

Durante debate esta semana em São Paulo para o lançamento do livro "Drogas e cultura: novas perspectivas", houve consenso quanto ao caráter econômico na lenta mudança da visão em relação às drogas. Agentes políticos admitem que não apenas a tentativa de erradicação é equivocada, como a criminalização desse sistema, que de imediato tem um efeito: uma atividade enormemente lucrativa sobre a qual não se arrecadam impostos – logo, parte do trabalho pela legalização passa a ser balizada pelo lucro.

Além disso, tratar sob o ponto de vista da repressão deixa de lado a questão dos danos individuais e coletivos. Por um lado, o sistema que trabalha com a redução de danos reconhece o direito de o usuário optar ou não por tratamento e, por outro, com a esperada redução da violência gerada pelo tráfico – no coletivo, a sociedade deixa de sofrer com tantas mortes e internações.

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, aponta que não se trata de desconsiderar os riscos gerados pelas substâncias, mas de ampliar o debate sobre o tema. "A dependência não é apenas um fenômeno químico, é culturalmente adquirida. A relação com a droga é também uma atitude diante da vida. Urge uma política que respeite as diferenças culturais, com capacidade de garantir vida digna aos cidadãos, atuando na prevenção, no tratamento, na informação, na sensibilização e na proteção do dependente", afirma, lembrando que a visão de consumidor como cúmplice precisa ser deixada de lado.

Edward MacRae, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e co-organizador do livro lançado esta semana, considera que há um aspecto medieval na discussão sobre drogas. "Na Idade Média, se achava que as drogas eram entidades satânicas que tinham uma vontade própria maligna. Hoje em dia, a forma como se trata a questão é a mesma, ou seja, é algo que funciona sozinho e visando o mal", destaca, lembrando que a droga precisa de produção, comercialização e mercado comprador, ou seja, não se move por feitiço.

Mudança de posição

O debate marcou o reconhecimento de mudanças de posição. Jorge da Silva, da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia e do Fórum Viva Rio, admitiu que os anos trataram de mostrar que estava equivocado em achar que a questão das drogas se resolvia com repressão.

Policial militar da reserva, ele pensa que fazia o trabalho de "enxugar gelo", já que a ação na área de segurança ignorava os fatores que, a cada dia, alimentavam o tráfico com mão de obra, ao mesmo tempo em que criminalizava o usuário.

"Sou a favor da descriminalização. Mas não consigo entender que você possa descriminalizar o uso e endurecer contra o tráfico. Na minha cabeça, não fecha essa equação. (…) Se não, a gente faz como aconteceu nos Estados Unidos. Na década de 1920, modificaram a Constituição para adotar a proibição do álcool. Dez anos depois, perceberam que tinham inaugurado o crime organizado", ressalta.

Outro que admite a mudança de opinião é Fernando Henrique Cardoso, que declarou durante o seminário que, quando presidente do Brasil, acreditava na força policial como solução para o problema. "Tratamos de reprimir a produção de maconha em Pernambuco. Aconteceu o que acontece nessas situações: vai lá, erradica, prende quem pode e um ano depois estão plantando de novo e até ampliando. A experiência foi mostrando a inutilidade desse tipo de esforço. Foi mostrando que a repressão em si não resolve."

Atualmente, depois de ouvir políticos colombianos e mexicanos, o ex-presidente entende que a lucratividade gerada pelas drogas é tão grande que a ação policial vai apenas forçar o surgimento de novas táticas e o deslocamento dos cultivos. Sobre os usuários, defende que haja algum tipo de sanção, mas não a cadeia, que vai apenas ampliar problemas. Ele considera ideal o modelo português, dando ao dependente a possibilidade de optar por tratamento.

Adital

Pedofilia : o Papa foi "atingido bem no fundo", diz bispo francês



PARIS - Um bispo francês que se encontrou recentemente com o papa disse nesta quinta-feira que Bento XVI foi "atingido bem no fundo" pelas acusações de pedofilia no seio da Igreja Católica.

"Não se deixa espaço para a presunção de inocência, apesar de sua vontade de transparência", declarou Monsenhor Michel Dubost, bispo de Evry, perto de Paris à rádio RTL.

O bispo foi convidado para comentar informações do New York Times segundo as quais o futuro papa, então cardeal Joseph Ratzinger, havia protegido um padre americano suspeito de ter cometido abusos sexuais contra 200 crianças portadoras de deficiência.

Bento XVI está manchado, por sua vez, pela cascata de escândalos de pedofilia no seio da Igreja Católica.

Monsenhor Dubost explicou que, desde 1990, o cardeal Ratzinger, enquanto responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, havia "feito de tudo" para que os casos de pedofilia não permanecessem secretos.

"Desde 1990, foi ele que nos pediu para tornar públicos estes casos, de ousar, mesmo que isto significasse um escândalo", insistiu.

JB

Uma câmara de gás no BBB 10



A produção do Big Brother Brasil definiu como um teste de tecnologia de um modelo de carro.

Porém, a última prova de resistência, que começou na noite de quinta-feira (18/3), pareceu uma câmara de gás, como lembrou o comediante Jorge Cesar Barbosa no Twitter.

Muitos telespectadores acharam o desafio interessante a esta altura do reality show, que termina no próximo dia 30 de março.

Muito mais que resistência física, é preciso preparo psicológico para encarar mudanças bruscas de temperatura e luminosidade, vento intenso e chuva gelada dentro de um ambiente com aproximadamente 15 m².

No entanto, assisti a um espetáculo de tortura digno de filmes de terror como O Albergue e Jogos Mortais. Pela internet, os telespectadores escolheram a intensidade de cada desafio.

Para aguçar sentimentos sádicos, a produção do BBB 10 possibilitou que castigos diferentes fossem aplicados a cada uma das equipes. Quem acompanhou atentamente a prova pelo site do reality show ou pelo pay-per-view notou que, em muitos momentos, os desafios impostos ao time vermelho (Cadu, Dourado, Fernanda e Lia) foram mais brandos daqueles determinados ao azul.

Nas últimas semanas, a rejeição do público a Anamara, Dicesar e Serginho é crescente. Durante a prova de resistência, a falta de simpatia dos telespectadores se transformou em impiedade. Era mais frequente a equipe vermelha encarar alta luminosidade ou brisa, do que um aguaceiro gelado ou ventania.

Ofegante e tremendo de frio, Dicesar deu sinais de hipotermia durante prova de resistência

Pouco mais de duas horas após o início da prova, Anamara desistiu do desafio batendo os dentes. Serginho também não aguentou a pressão. Do outro lado, Lia e Fernanda abandonaram o teste rapidamente.

Enquanto Cadu e Dourado pareciam encarar a prova de resistência com razoável tranquilidade, Dicesar dava sinais preocupantes.

O maquiador parecia sofrer com hipotermia em diversos momentos. Ofegante, tremia de frio e sentia arrepios. Com o passar das horas, Dicesar ficou pálido.

Ao encarar mudanças bruscas de temperatura, os participantes ficaram com a saúde vulnerável. Dicesar, que tem problemas renais segundo sua mãe, foi o mais exposto.
Uma das consequências da hipotermia é a arritmia cardíaca. Curioso notar que os batimentos dos participantes não foram monitorados durante a prova de resistência. A produção do Big Brother Brasil prefere deixar isso para os dias de eliminação.

Não tenho nada contra as provas de resistência. São válidas e fazem parte do programa. O problema está em alguns desafios. Sim, os participantes podem abandonar a competição, mas mesmo assim é inegável a similaridade de alguns testes com sessões de tortura.

Essa não foi a primeira vez que os confinados passaram por algo humilhante. No BBB 8, Juliana desmaiou ao ser trancafiada e permanecer imóvel em uma cabine apertada. Em vez de suspender a prova, a produção do programa se limitou a anunciar a eliminação da garota, que foi socorrida por outros participantes.

Vale tudo por R$ 1,5 milhão?

Ale Rocha

sexta-feira, 26 de março de 2010

Homem pede perdão de casal Nardoni e é agredido no fórum


• Pastor Adelilton é cercado por multidão


Um homem com uma Bíblia na mão causou um grande tumulto em frente ao Fórum de Santana, zona norte de São Paulo, ao defender o perdão do casal Nardoni, que é julgado pela morte da menina Isabella Nardoni. Ao dizer frases como "Jesus perdoará o casal Nardoni", o homem revoltou parte das pessoas que aguardam o veredicto no local.

Houve muita discussão e garrafas de água foram atiradas no homem, que foi agarrado pelo pescoço e agredido. "Vocês são assassinos que nem eles", gritava o homem, enquanto sofria agressões. Antes que outra tragédia acontecesse, a Polícia Militar apareceu e retirou o homem do tumulto, levando-o para longe do fórum.

O caso

Isabella tinha 5 anos quando foi encontrada ferida no jardim do prédio onde moravam o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, na zona norte de São Paulo, em 29 de março de 2008. Segundo a polícia, ela foi agredida, asfixiada, jogada do sexto andar do edifício e morreu após socorro médico. O pai e a madrasta foram os únicos indiciados, mas sempre negaram as acusações e alegam que o crime foi cometido por uma terceira pessoa que invadiu o apartamento.

O júri popular do casal começou em 22 de março e deve durar cinco dias. Pelo crime de homicídio, a pena é de no mínimo 12 anos de prisão, mas a sentença pode passar dos 20 anos com as qualificadoras de homicídio por meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e tentativa de encobrir um crime com outro. Por ter cometido o homicídio contra a própria filha, Alexandre Nardoni pode ter pena superior à de Anna Carolina, caso os dois sejam condenados.

Terra

Minc defende transporte coletivo para diminuir poluição

Nas áreas urbanas do País, o número de pessoas que se desloca em ônibus e vans é igual ao de usuários de carros e motocicletas. Reflexo da precariedade do sistema de transporte coletivo, a utilização dos chamados meios individuais tem forte impacto ambiental, uma vez que estes poluem mais o ar, por serem mais numerosos. A informação consta do 1º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários, lançado hoje, no Rio, pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

A frota brasileira de ônibus é estimada hoje em 315 mil; a de veículos comerciais leves (vans e picapes), em 4,3 milhões; a de automóveis, em 21,1 milhões; e a de motos, em 9,2 milhões. No total, são 36 milhões de veículos automotores rodoviários. O levantamento, que deverá ser atualizado periodicamente, é importante porque possibilita que seja dimensionado o desafio de melhorar a qualidade no ar, em especial nas grandes cidades, por meio de políticas públicas.

Para se ter uma ideia dos danos causados pelos veículos individuais, eles são responsáveis por 87% das emissões de CO (um dos poluentes mais prejudiciais à saúde), enquanto os coletivos respondem por 3%, conforme explicou o gerente de Qualidade do Ar do ministério, Rudolf Noronha.

Segundo apontou o inventário, o volume de viagens feitas em transporte coletivo, seja para o trabalho, estudos ou lazer, é de 17 bilhões por ano, número equivalente às feitas de carro e moto. "Foi um dado que chamou a atenção. Em nenhum País é assim. Isso mostra a deficiência do transporte público. O número de pessoas transportadas é o mesmo, mas a emissão de carros e motos é 40 vezes superior à emissão dos ônibus", disse Minc.

Como medidas para tentar reverter o problema, ele citou o licenciamento de ferrovias, do trem bala e de metrô. "Também decidimos não fazer hidrelétricas sem hidrovias." De acordo com uma projeção, o número de motos aumentará cinco vezes de 2004 a 2020, passando de 4 milhões para 20 milhões no período. Apesar do aumento anual da frota, as emissões de poluentes como monóxido de carbono (CO) vêm caindo. Já as de dióxido de carbono (CO2) têm aumentado. "Temos que avançar mais no biocombustível", disse Minc.

Ilha Grande

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) anunciou hoje que vai mapear o DNA de espécies da Ilha Grande, em Angra dos Reis, numa parceria com a Universidade do Porto, de Portugal. O trabalho, que deverá começar em 40 dias, terá prazo de dois anos, ao custo de R$ 4,8 milhões. O financiamento é do Ministério do Meio Ambiente e a previsão é de que sejam mapeadas entre 150 e 200 espécies de animais e vegetais no período.

"Esse projeto vai permitir aumentar o conhecimento e a proteção de espécies ameaçadas. É um trabalho promissor. Vamos levar essa experiência piloto para outros biomas. É importante começar pela mata atlântica, o mais ameaçado", disse Minc.


Estado de São Paulo

Transporte Coletivo Urbano em Milão

Em João Pessoa....

quinta-feira, 25 de março de 2010

Volta com pôr do sol



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A viagem seduz os viajantes, mas seu desejo é nostalgia do que eles deixaram atrás
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NO SÁBADO passado, no aeroporto de Chicago, esperava o voo que me levaria de volta a São Paulo. Diante de mim, uma longa parede de vidro mostrava, além dos aviões estacionados, um pôr do sol glorioso e dilacerante.

Por alguma sabedoria (consciente ou não), meus companheiros de espera estavam quase todos sentados de costas para a janela. Alguns poucos, pela posição de seus assentos, teriam condição de contemplar o pôr do sol, mas não levantavam os olhos de seu notebook.

Oscar Wilde afirmava que o pôr do sol só passou a existir com as pinturas de William Turner, no começo do século 19; era um jeito de dizer que a natureza está lá desde sempre, mas é a arte que nos ensina a enxergá-la. Concordo. E há outras razões pelas quais o pôr do sol é uma experiência especificamente moderna.

Nos últimos 300 anos, atribuímos mais importância à existência individual de cada um do que à vida de grupos, tribos e nações, ou seja, salvo momentos vacilantes de fé em ressurreição ou reencarnação, nossa morte nos parece acabar com tudo o que importa. Somos, portanto, especialmente sensíveis ao fim do dia, cujo espetáculo acarreta consigo a lembrança dolorosa do fim de nossa jornada, que se aproxima.

A psicopatologia reconhece, aliás, a existência, em alguns indivíduos, de variações sazonais do humor: depressão no outono e no começo do inverno e, às vezes, exaltação maníaca na primavera. Pode ser que a alternância das estações, sobretudo onde elas são mais marcadas, longe do Equador e dos trópicos, produza mudanças no metabolismo. Mas pode ser, simplesmente, que a alternância das estações lembre o ciclo de nossa vida, e o outono seja o equivalente anual do fim da tarde de cada dia.

No caso do pôr do sol de sábado, em Chicago, visto da sala de espera de um aeroporto, era como se a iminência da viagem tornasse a experiência mais triste. Por quê?

Há um quadro de Jean-François Millet, que todo mundo conhece, "O Ângelus", pintado em 1859. Nele, um casal de camponeses, no meio da lavoura, ouve os sinos do ângelus vespertino (à distância, vê-se o campanário de uma igreja). Os sinos dizem que é a hora de rezar e que o dia acabou.

Deveria emanar do quadro uma sensação intensa de paz: seu ofício cumprido, o casal logo voltará para o calor pobre, mas digno, de seu lar. Mas esse retrato de uma vida simples e reta sempre foi, para mim (e não só para mim), estranhamente aflitivo. Acontece que o ângelus vespertino é um toque de paz só para quem tem uma casa para a qual voltar. Para os outros, é o sinal melancólico de uma perda sem remédio.

Tudo bem, viajei muito. Várias vezes, ao longo da vida, mudei de língua e país, mas o que importa aqui não são os acidentes de minha história. A modernidade se define pela viagem, pela decisão de não aceitar que o lugar onde nascemos seja nosso destino -por exemplo, pela vontade de deixar o campo e ir para a cidade. É assim desde o século 13 ou 14, quando a gente começou mesmo a circular -primeiro pela Europa, depois pelos mares e por terras incógnitas e agora pelos céus e mundo afora.

Na "Divina Commedia" (que é uma enciclopédia da modernidade incipiente), Dante descreve assim o fim da tarde (minha tradução em prosa de "Purgatório, 8, 1-6"): "Já era a hora em que o desejo volta aos navegantes, e seu coração é enternecido pela lembrança do dia em que disseram adeus a seus doces amigos; é também a hora que fere de amor o novo viajante, se ele ouve de longe um sino que parece chorar o dia que está morrendo."

Pelo gênio de Dante, o desejo dos navegantes não é, como se esperaria, o anseio de novas terras no horizonte de sua viagem. Claro, a viagem os seduz, mas seu desejo é nostalgia do que eles deixaram atrás, do que perderam por se tornarem viajantes.

E perderam o quê? Sobre que perdas se funda a subjetividade moderna -a nossa, livre e andarilha? Este é o custo básico da liberdade e da autonomia que prezamos acima de tudo: a gente renuncia, antes de mais nada, ao calor do lar -aquele lar que nos esperaria ao fim de cada dia, se tivéssemos ficado no campo, com os camponeses de Millet.

Alguém dirá: que drama é esse? Perde-se a casa dos pais, mas a gente faz outra. Não tem um ditado que diz: "Quem casa quer casa?".

Tem, sim, e, justamente, uma razão pela qual casar-se é tão complicado, é que a gente casa porque quer não "uma" casa, mas "aquela" casa, a que a gente perdeu e nunca vai reencontrar. Enfim, tudo isso escrito enquanto, justamente, volto para casa.

Contardo Calligaris

"O Brasil é o único país em que a tortura aumentou depois do regime ditatorial"

O processo de redemocratização brasileiro parece ainda não ter chegado ao fim. É o que apontam os artigos reunidos no livro O que resta da ditadura (Boitempo Editorial), organizado pelo filósofo Edson Teles e pelo historiador Vladimir Safatle, que apresenta análises de cada setor da vida brasileira em que resquícios do período da ditadura militar ainda se mantêm.

A obra é resultado de um seminário realizado na Universidade de São Paulo (USP) e seu lançamento vem a calhar com a discussão ainda viva sobre a criação de uma Comissão da Verdade para apurar os crimes cometidos pelo Estado durante o período da ditadura.

Um dos principais legados apontados no livro é a prática ainda constante e crescente da tortura nos presídios brasileiros. "O Brasil é o único país em que a tortura aumentou depois do regime ditatorial", diz Safatle. O historiador lembra de outros legados culturais, como a "dificuldade de distinguir em que situações se está dentro e qual esta fora da lei".

"No Chile, até mesmo as Forças Armadas do país se colocaram contra a ditadura de anos atrás", afirma, criticando as Forças Armadas brasileiras, que quando não se abstém na questão das violações dos direitos humanos durante o regime autoritário, chegam a defender aspectos daquela época. Mas acredita que não só as Forças Armadas devem repensar o papel que tiveram na época: "há setores que nunca fizeram uma autocrítica na sua participação no regime militar".

O livro será lançado na próxima sexta-feira, 19, na Livraria da Vila, às 19h. Na quinta-feira, 18, a Boitempo Editorial organiza dois debates na USP: um às 17h, com Edson Teles, Fábio Konder Comparato e Glenda Mezarobba, sobre a criação da Comissão da Verdade, e outro às 19h com Paulo Arantes, Paulo Vanucchi e Vladimir Safatle sobre políticas da verdade e da memória, ambos no anfiteatro do prédio da História.

Leia abaixo a íntegra da entrevista que Vladimir Safatle sobre os temas do livro.

Fórum – Um dos destaques do livro sobre os resquícios da ditadura é a violência do Estado contra civis. Onde mais podemos enxergar legados da ditadura em nossas vida?
Vladimir Safatle – Além da questão do aparato policial, que a ditadura montou e não foi desmontado e que faz com que várias práticas sejam empregadas de maneira sistemática; estudos demonstram que o Brasil é o único país em que a tortura aumentou depois do regime ditatorial.

Na Constituição, permanecem estruturas herdadas da Carta de 1977, em especial as relativas à segurança nacional. Existe um artigo que de maneira bastante peculiar permite a intervenção das Forças Armadas na vida nacional, o que também pode legitimar constitucionalmente um golpe de Estado. Nele diz-se que as Forças Armadas têm papel de guardiã da democracia, mas não explicita quem pode chamá-las para cumprir esse papel. Isso abre a possibilidade de leitura de que qualquer poder tem o direito de chamar as Forças Armadas, como o presidente do Senado, sem quebra da lei constitucional.

Mas tem duas questões importantes. A primeira é sobre como os operadores políticos se relacionam com a lei. A grande peculiaridade da nossa ditadura foi a aparência de legalidade. Nós tínhamos um Estado que assinava acordos internacionais contra a tortura ao mesmo tempo em que ela era prática política comum. Tinha um Estado que permitia que tivesse nas bancas livros de Marx, de Celso Furtado, permitia canções de protesto, mas todos sabiam que isso podia de mudar do dia pra noite. A ditadura conseguir criar uma aparência de normalidade para esconder a mais crassa anomia e criou a dificuldade de distinguir em que situações se está dentro e em quais se está fora.

Outro legado é de como a ditadura sela o destino que a memória tem na vida nacional. Há um trabalho de apagamento da memória, de uma impossibilidade crônica de se olhar para trás e conseguir, a partir dos impasses que foram deixados, pensar nos problemas presentes. Longe de ser uma simples questão de reparação dos que tiveram violados os direitos, é uma questão profunda, ligada à maneira como lidamos com nossos problemas presentes.

Fórum - No Brasil, muitos militares referem-se à ditadura com orgulho. Qual o significado disso? Isso influencia na perpetuação dos legados da ditadura?
Vladimir – O significado é simplesmente aterrador. Acho amedrontador esse tipo de postura de vários círculos militares no que diz respeito ao legado da ditadura. Indica um risco crônico à democracia nacional e uma incapacidade do exército e das Forças Armadas de se tomar distância do tipo de prática adotada na ditadura, ao contrário de outras experiências na América Latina. No Chile, até mesmo as Forças Armadas do país se colocaram contra a ditadura de anos atrás. Que não tenhamos isso no Brasil demonstra que há um risco inerente de subordinação como ocorreu em alguns casos nos últimos anos, a exemplo da dificuldade de se estabelecer a Comissão da Verdade.

Fórum – Grande parte do apoio do regime militar veio da população civil. Hoje algumas pesquisas apontam que a sociedade brasileira até aceitaria um regime não democrático caso tivesse condições econômicas melhores. A sociedade brasileira aceitaria um novo regime anti-democrático, apesar da experiência recente?
Vladimir – De fato há pesquisas que mostram que o engajamento em relação à democracia na população brasileira é bastante mitigado. Mas temos que lembrar que quando alguém responde à pergunta “se você acredita na democracia”, ela responde sobre a democracia tal como ela a vê hoje. Hoje vivemos num regime de semidemocracia. Boa parte do que aparece nessas pesquisas é um desconforto com o regime brasileiro.

Uma coisa é certa: a sociedade brasileira sempre foi dividida sobre o legado da ditadura militar e há setores que nunca fizeram uma autocrítica na sua participação. Esse tipo de questão é muito importante, não é possível um país permitir que setores da sociedade que tiveram participação tão forte não coloquem em marcha um processo de autocrítica.

Fórum - É possível dizer que o Brasil é o país que mais carrega legados da ditadura com relação a outros países da América Latina?
Vladimir - Nossa situação é a mais problemática e vexatória. Todos os outros países, em maior ou menor grau, fizeram uma justiça de transição. Desmontaram os aparatos jurídicos em que crimes da ditadura não eram julgados. Mesmo no Uruguai, chegou-se a fazer um plebiscito a esse respeito, colocaram essa questão em discussão nacional. A gente conseguiu, durante 25 anos, expulsar esse debate da política. Isso é feito em nome de uma espécie de possibilidade de ignorar o que foi o passado devido à nossa obrigação de olhar pra frente. Mas o que é recalcado no passado, volta no futuro. O que é expulso do universo simbólico volta pra vida real. Nenhum país consegue estabelecer o mínimo de solidez sem acertar contas com o passado. Se nós realmente temos apreço não pela atual democracia, mas pela possibilidade da vida nacional de uma vida democrática mais efetiva, isso é central.

Camila Souza Ramos
Revista Fórum

Contag entrega a Lula pauta de reivindicações do Grito da Terra



A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) entregou ao presidente Lula, nesta quarta-feira (24), a pauta de reivindicações do Grito da Terra Brasil 2010, cujo foco é o aumento da renda dos agricultores familiares, melhoria das políticas públicas do setor e melhor qualidade de vida para os produtores rurais. Este ano, a pauta da Contag é bastante ampla e contém 223 itens.

A publicação da portaria de atualização dos índices de produtividade rural, a aprovação de uma legislação ambiental específica para os agricultores e agricultoras familiares e a transformação do programa de aquisição de alimentos (PAA) em lei são alguns dos principais pontos da pauta (veja itens no final desta matéria).

“A nossa pauta é bastante ampla, mas queremos centrar fogo no aumento da renda do agricultor familiar e na melhoria das políticas públicas. Não adianta ter crédito, assistência técnica se não houver um avanço na qualidade de vida dos produtores rurais”, explica Alberto Broch, presidente da Contag.

O Grito da Terra Brasil deste ano está marcado para o dia 12 de maio, em Brasília. A Contag pretende reunir 10 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o País para participar das manifestações. As reuniões de negociação com o governo federal devem começar no final de abril.

As lideranças sindicais do Sistema Contag vão se reunir com representantes de 13 ministérios, secretarias de Estado e autarquias federais. Os trabalhadores e trabalhadoras rurais serão representados por uma Comissão de Negociação composta por dirigentes da Contag e das Fetags. Os coordenadores do governo federal no processo de negociação serão os ministros da Secretaria Geral, Luís Dulci, e do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel.

O presidente da CTB nacional, Wagner Gomes, está no Distrito Federal para participar deste importante evento e ressalta a importância do Grito da Terra para garantir os direitos dos trabalhadores da agricultura familiar do Brasil. “O Grito da Terra é uma manifestação que demonstra a força dos trabalhadores rurais brasileiros na reivindicação por melhores condições de trabalho, de vida e, acima de tudo, pela retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária”, diz Wagner.

Conheça as principais reivindicações:

Reforma agrária

• Publicação imediata da portaria interministerial para atualização dos índices de produtividade da terra.
• Recomposição dos valores propostos no orçamento anual da União para realizar ações de reforma
agrária, em especial a obtenção de terra e infraestrutura.
• Revisão das regras do Programa Nacional do Crédito Fundiário (PNCF) para ampliar os valores do teto
de financiamento por família (limite de R$ 90 mil e juros de 1,5% a 5%).

Política agrícola

. Adequação ambiental das propriedades familiares a baixo custo e sem burocracia.
. Criação de programa de compensação financeira por serviços sócio-ambientais para o cultivo com base na agroecologia.
. Transformação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em lei e destinar R$ 2 bilhões para o programa.
. Destinação de 30% dos recursos do Plano Agrícola e Pecuário para apoio à comercialização dos produtos da agricultura familiar por meio de mecanismos de equalização de preços (PEP), contratos de opção simplificados e aquisição para formação de estoques (EGF/COV).

Meio Ambiente

. Assinatura da Medida Provisória que altera o Código Florestal Brasileiro com base no conceito de agricultura familiar e no reconhecimento do cômputo de até 100% da área de preservação permanente no cálculo do percentual de reserva legal.
. Assinatura e publicação do decreto que estabelece critérios para a aprovação da localização, manejo e averbação da área de reserva legal nos imóveis rurais.

Assalariados

. Criação de políticas públicas para os trabalhadores (as) assalariados (as) rurais com a efetivação de um programa nacional de emprego e geração de renda.
. Combate à informalidade por meio da regulamentação da Lei nº 11.718/2008 (aplicação do contrato de pequeno prazo).

Políticas Sociais

. Assegurar a inclusão de um capítulo específico sobre educação do campo no Plano Nacional de Educação.
. Rejeição do PLS 247/2009, de autoria do senador Tasso Jereissati, que vincula o aumento do benefício do Bolsa-Família ao rendimento escolar de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos.
. Contratação, em carátede r de urgência, médicos peritos e outros servidores para melhorar o atendimento nas Agências da Previdência Social e nas Juntas de Recursos da Previdência Social para atender adequadamente a população rural.
. Aprovação imediata na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do Plano Operativo da Política Nacional Integral das Populações do Campo e da Floresta.
. Aprovação, pelo Conselho Nacional de Saúde e Ministério da Saúde, da realização da 1ª Conferência Nacional de Saúde das Populações do Campo e Floresta, com ampla participação dos movimentos sociais.

Juventude

. Acesso à terra de jovens solteiros (as) no cadastramento do Incra.
. Realização de encontro nacional para avaliar e viabilizar o Pronaf Jovem.
. Criação de bolsas de estudo custeadas pelo Fundo Social do Pré-sal para jovens rurais que estiverem vinculados à rede de ensino pública e às escolas agrotécnicas e agrícolas.
. Ampliação da rede de escolas agrotécnicas.
. Implementação das metas e recursos do Projovem Trabalhador, na modalidade Consórcio Social da Juventude Rural.
. Gestão Participativa do Projovem Trabalhador para garantir a participação das organizações sociais na avaliação e controle social.
. Votação em regime de urgência da PEC da Juventude (PEC 042/2008), do Plano Nacional de Juventude (PL 4530/2004) e da Lei de Sucessão Rural (PLP 362/2006).

Mulheres

. Retomada e implementação da Campanha Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta.
. Criação de unidades móveis de Centro de Atendimento e Delegacia Especializada para garantir o pronto atendimento das mulheres trabalhadoras rurais que se encontram em situação de violência.
. Ampliação do orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e fortalecimento da participação dos grupos de mulheres.
. Adoção de medidas para facilitar o acesso das mulheres ao crédito do Pronaf.
. Realização da Feira Feminista e Solidária em todos os estados do País.
. Priorização das demandas das chefes de família no Programa Nacional de Habitação Rural.
. Aprovação do Projeto de Lei Federal Babaçu Livre (PL n° 231/2007), que dispõe sobre o livre acesso aos babaçuais pelas quebradeiras de coco em regime de economia familiar e a proibição de derrubadas das palmeiras no Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e Mato Grosso.

Terceira Idade

. Acesso das pessoas idosas ao Programa Nacional de Reforma Agrária para garantir a segurança alimentar e nutricional da terceira idade no campo.

Formação e Organização Sindical

. Estabelecimento de uma política real pelo Ministério do Trabalho e Emprego que garanta o andamento dos processos e a ampliação das concessões de pedidos de registro sindical e alteração estatutária.

Relações internacionais

. Garantia da participação da Contag nos espaços institucionais e fóruns internacionais que trata da agricultura familiar, desenvolvimento rural sustentável,soberania e segurança alimentar e mudanças climáticas.
. Capacitação de dirigentes e técnicos do MSTTR em negociações de acordos de comércio internacional e integração regional.
. Garantia da participação da Contag nas Seções Nacionais e Regionais da REAF-Mercosul e nas ações internas e externas de cooperação técnica.
. Realização de intercâmbio de experiências para a formulação de políticas de desenvolvimento rural sustentável promovidas pela Contag em parceria com o MDA no âmbito dos países do Mercosul.
. Promoção da campanha regional "Por um Mercosul sem Fome".
. Institucionalização dos mecanismos de financiamento da participação das organizações sociais da agricultura familiar nas atividades internacionais relacionadas com a REAF/Mercosul e fóruns de negociações internacionais como FAO e OMC.


Fonte: Contag e CTB

quarta-feira, 24 de março de 2010

O bom exemplo: Papa aceita renúncia de bispo irlandês que encobriu escândalos


John Magee foi secretário de três papas antes de se tornar bispo na Irlanda

CIDADE DO VATICANO - O papa Bento XVI aceitou a renúncia do bispo irlandês John Magee após as denúncias de abusos sexuais entre os membros da Igreja Católica surgirem na Irlanda, informou nesta quarta-feira, 14, o Vaticano.

O bispo, de 73 anos, foi acusado de encobrir as denúncias de abusos sexuais cometidos por padres na diocese de Cloyne. O Vaticano informou sem dar maiores detalhes que a renúncia pedida por Magee foi aceita pelo pontífice.

As investigações ordenadas pelo governo da Irlanda documentaram casos de abuso de padres contra crianças durante décadas, além de encobrimento da Igreja. Em uma carta divulgada no sábado pelo Vaticano, Bento XVI pediu desculpas pelos episódios e não tomou nenhuma ação contra a postura da Igreja irlandesa, limitando-se apenas a criticar seus membros.

Antes de se tornar bispo irlandês, Magee foi secretário dos papas Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. Ele estava à frente da diocese de Cloyne, no sul da Irlanda, desde 1987. Em 2008, ele deixou suas funções para responder às acusações de que a diocese não era transparente sobre a as denúncias.

As pressões contra membros da Igreja na Irlanda tem crescido, principalmente pela renúncia do primaz Sean Brady. O cardeal sabia da cobertura que era feita sobre os abusos e não se manifestou para a justiça. Ele pediu desculpas pela atitude, mas não ofereceu renúncia.

Estadão

A saúde não é igual para a mulher pobre



O tratamento sanitário no contexto da desigualdade de gênero se reflete na publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) “As mulheres e a saúde. Os dados de hoje, a agenda de amanhã” e em “A saúde das mulheres e dos homens nas Américas. Perfil 2009”, que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPS) divulgou este mês. O avanço feminino na educação e no acesso ao mercado de trabalho nas Américas não foi parelho com similar progresso no exercício dos direitos à saúde. As desigualdades de gênero que impedem as mulheres de terem o máximo nível de saúde acentuam-se nas populações mais vulneráveis, como as pobres, indígenas, afrodescendentes, adolescentes e rurais.

Os graus de mortalidade materna, a evolução das infecções de HIV/aids e a violência são três dos aspectos examinados no estudo da OPS. Apesar de as mortes maternas serem evitáveis, persistem níveis muito altos nas Américas. A taxa de mortalidade materna é de 63,7% por cem mil nascidos vivos, com uma amplitude que vai de 8,8 no Canadá a 630 no Haiti. A mortalidade materna é a primeira causa de morte nas mulheres entre os 15 e 24 anos em alguns países. Isto se deve a desigualdades na prevenção e na atenção.

Assim, a mortalidade materna é menor quando as mulheres têm acesso ao planejamento familiar, mas o estudo revela que as adolescentes, as indígenas e as pobres são as mais afetadas pela falta de assistência. Da mesma forma, o acesso a cuidados profissionais na gravidez e no parto apresentam grandes disparidades, com as mulheres daqueles mesmos setores sendo as mais prejudicadas. Nos últimos anos, o HIV (vírus da deficiência imunológica humana) aumentou rapidamente entre as mulheres, com proporções mais altas do que nos homens e em alguns países do Caribe e da América Central, especialmente no grupo de 15 a 24 anos de idade.

A violência contra as mulheres é um problema de saúde pública que afeta todos os grupos de população das Américas. A violência física aparece junto com a psicológica e muitas vezes com a sexual. O impacto desta na saúde reprodutiva pode ser grave, inclusive com risco de contrair o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Nos países com informação disponível, registra-se alta prevalência de violência física e sexual contra a mulher por parte do marido ou companheiro. A proporção de mulheres que declararam ter sofrido violência física varia entre 14% e 52%, enquanto a violência sexual tem amplitude de 4% a 15%.

O perfil da mortalidade continental mudou nas últimas décadas. Na maioria dos países, afecções crônicas degenerativas e causas externas, como acidentes e homicídios, vão deslocando doenças transmissíveis como causas principais de morbidade e mortalidade. Essa mudança tem um efeito desproporcional nas mulheres. A crescente prevalência de doenças crônicas, somada à privatização da saúde, elevou a demanda por atenção sanitária nos lares, tarefa assumida sobretudo pelas mulheres, sem reconhecimento social nem econômico, nem ponderação das consequências sobre sua saúde física e mental.

Há estudos mostrando que algumas mulheres se veem obrigadas a deixar seus trabalhos remunerados para cuidar em suas casas de pessoas que precisam de atenção. Após cem anos de luta pela igualdade de gênero, houve avanços inegáveis, mas ainda temos muito caminho pela frente. É necessário elevar a consciência e mobilizar energias da sociedade civil para exigir políticas públicas que, com decisão, firmeza e celeridade, corrijam as desigualdades que afetam a saúde das mulheres.

Mirta Roses
Revista Fórum

Reduzir idade penal é entregar o adolescente mais cedo ao crime



Na semana passada, após anúncio feito pelo deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados em Brasília, de que encaminharia 21 projetos que tratam da redução da maioridade penal para votação no Congresso, as entidades que atuam na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, se manifestaram e pressionaram os parlamentares para que retirassem da pauta a votação de tais propostas.

Segundo Mário Volpi, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, a manifestação foi bem sucedida, já que conseguiram “que o assunto fosse retirado da pauta neste ano”. Ele disse que, com isso, conseguiram mais tempo para trabalhar essa questão junto à sociedade brasileira.

Isso porque, muitos acreditam que reduzir a idade penal seria a solução para a redução da violência. “O que nós temos trabalhado é a ideia de que o tema da idade penal é revertido por um conjunto de mitos. Um deles é que o aumento da pena reduziria o delito”, declarou. “A redução da idade não muda a situação do delito”, afirmou.

Ele disse que os vários projetos que propõem a redução da maioridade penal “não reconhecem a adolescência como uma fase especial da vida”. “Baixar a idade penal implica em entregar o adolescente mais cedo ao sistema penal e ao mundo do crime”, alertou. Mário ressalta que, antes de tudo, é preciso investir em políticas públicas que beneficiem adolescentes e jovens nas áreas da educação, trabalho e saúde.

Outro ponto importante seria investir em segurança pública. A ideia é evitar que esses adolescentes em situação de vulnerabilidade social cometam infrações e delitos, entrando para o mundo do crime. Em último caso, se investiria em medidas socioeducativas, aplicadas após o ato infracional.

Segundo ele, as medidas socioeducativas apresentam resultados bastante positivos, sobretudo, se aplicadas na comunidade de origem do infrator. “Queremos uma medida nacional socioeducativa”, informou. Uma das alternativas é evitar que adolescentes ingressem em sistemas prisionais de adultos.

Ele criticou duramente o modelo brasileiro dizendo que “parece que o país não aprende com essas experiências e pega o exemplo dos Estados Unidos, que tem um sistema prisional altamente punitivo, mas, apresenta três vezes mais delitos”.

Em carta enviada aos parlamentares, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), disse que “a redução da idade penal não representa o fim da violência”. De acordo com estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef, a juventude “é mais vítima do que agente da violência”.

O Conselho Federal de Psicologia lista uma série de motivos pelos quais não se deve reduzir a idade penal. Entre as justificativas estão a necessidade de garantir educação de qualidade e efetivar a responsabilização dos atos infracionais cometidos por adolescentes através de medidas socioeducativas.

Além disso, a entidade defende que punir sem se preocupar com o motivo que leva o indivíduo a realizar uma infração, tem como efeito o aumento da violência. A ideia seria buscar o motivo que leva o jovem ou adolescente à cometer tais atos e aplicar tratamento específico.

Tatiana Félix, na Adital

terça-feira, 23 de março de 2010

Dieese ajudará nas negociações para reduzir jornada de trabalho



A 4a Jornada Nacional de Debates organizada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com o apoio das seis centrais sindicais, que ocorrerá a partir desta terça-feira (23) até o dia oito de abril em todas as capitais do país, terá como tema principal a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.

O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, afirmou que a 4a Jornada Nacional de Debates vai analisar as tendências de negociações coletivas no segundo semestre. “Neste momento, nós vamos dar um enfoque para aprofundar a discussão da redução da jornada de trabalho, entendendo que esse movimento tem uma dimensão de luta nacional, mas sabendo que pode ter também no estado, na relação do trabalhador com seu segmento empresarial".

O diretor do Dieese explicou que para a realização da 4a Jornada um técnico do Dieese se deslocará para cada cidade, as centrais mobilizarão o evento local e assim ocorre o debate, que tem por objetivo subsidiar o movimento sindical com informações sobre como desenvolver o desdobramento dessa luta, que pode continuar nas negociações coletivas numa pauta que inclua a dimensão da jornada de trabalho em termos de qualidade no trabalho”, afirma Clemente.

No último dia 11, o Dieese lançou nota à imprensa derrubando os argumentos dos empresários que são contra a redução da jornada de trabalho. O Departamento disse no texto que a jornada de 40 horas semanais, associada à coibição de horas extras, pode gerar mais de 2,5 milhões de empregos, que o custo do trabalho no Brasil é baixíssimo se comparado com outros países e o impacto da medida sobre os custos totais da indústria seria inferior a 2%.

Reação do empresariado

A Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) retorna à Câmara dos Deputados nesta terça-feira (23), com nova força-tarefa para se contrapor à redução da jornada de trabalho. O presidente da CACB, José Paulo Dornelles Cairoli, lidera uma quinta visita ao Congresso para tentar evitar a votação da matéria que reduz a jornada de trabalho para 40 horas semanais e aumenta para 75% o valor da hora extra. Dois destes encontros foram com o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP).

Os empresários vão se dividir em visitas individuais aos parlamentares e se reunir com as bancadas para tentar adiar a discussão sobre a PEC. Eles alegam que a medida vai trazer prejuízo às empresas, principalmente as médias e pequenas empresas, e impedir o comércio de bens e serviço de abrir aos domingos em função dos custos trabalhistas.

E ameaçam com desemprego, da mesma forma em que fizerem em 1988, quando a Constituição reduziu de 48 para 44 horas semanais a jornada de trabalho. “O assunto é polêmico, ameaça as empresas, vai trazer desemprego e não pode ser discutido no calor de um ano eleitoral”, enfatizou José Paulo Cairoli, presidente da CACB.

As centrais sindicais, ao contrário, querem aproveitar o ano eleitoral para colocar a matéria em votação. Para o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o ano eleitoral é o momento ideal para a votação da matéria porque vai deixar claro para o eleitor quais os parlamentares que defendem os trabalhadores e aqueles que representam o interesse dos empresários.

Veja abaixo as datas em que serão realizados todos os encontros da 4a Jornada Nacional de Debates:

23 de março - São Paulo e Porto Alegre
24 de março - Florianópolis, Vitória, Aracaju, Belo Horizonte, Natal e Palmas
25 de março - Brasília
30 de março - Salvador, Rio Branco, Manaus, Rio de Janeiro e Porto Velho
31 de março - Campo Grande, Goiânia e Curitiba
6 de abril - Fortaleza, Teresina, Recife e Belém
7 de abril - Boa Vista, São Luís e João Pessoa
8 de abril - Maceió, Cuiabá e Macapá

Portal Vermelho

Reforma do processo penal divide juristas


Mais preocupado com a garantia dos direitos individuais e restritivo às investigações, projeto tem apoio de advogados e é criticado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público


Novo Código de Processo Penal divide juristas: ele aumenta garantias individuais ou dificulta a investigação?

Eduardo Militão

A reforma do Código de Processo Penal (CPP), aprovada na quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ainda divide juristas. Se os advogados comemoram o aumento das garantias individuais aos clientes investigados e processados, promotores e policiais criticam excessos que, para eles, podem inviabilizar as apurações, atrasar a Justiça e aumentar a impunidade.

O ponto mais polêmico é a criação dos juízes de garantias. Pelas leis em vigor, o sistema judiciário funciona assim: a primeira fase é o inquérito, período em que a polícia vai levantando provas e solicitando autorização para fazer diligência, e as envia ao juiz e ao Ministério Público. A regra nesse período é o absoluto sigilo e, por essa lógica, nessa fase não é obrigatório ouvir-se os acusados. A segunda fase começa quando o MP faz a denúncia ao juiz. É o processo judicial. A partir desse momento, a regra passa a ser a publicidade dos atos e, então, a ampla defesa dos acusados passa a ser não só um direito como uma obrigação.

Com a criação dos juízes de garantia, prevista na proposta do novo Código Penal, o magistrado que atuar na fase de inquérito não poderá atuar na fase de processo. Para os advogados, isso impede que o julgador de um crime “se contamine” com a investigação e não tenha isenção para dar uma sentença. Essa queixa foi particularmente sentida na Operação Satiagraha, quando os advogados do banqueiro Daniel Dantas argumentaram à exaustão que o juiz Fausto de Sanctis não tinha isenção para atuar no processo que acusa o dono do Opportunity de crimes financeiros.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) queria mais. “Achamos extraordinária essa iniciativa e propomos até o promotor de garantia”, revela Délio Lins e Silva, um dos relatores da comissão da OAB encarregada de acompanhar a tramitação do projeto. Ele reconhece que, por natureza, o juiz tem que fazer cumprir a lei – que dá garantias aos investigados – mas entende ser necessário enfrentar uma situação de “estado autoritário”.

“Do jeito que está acontecendo hoje, esse estado autoritário em que nós vivemos, tudo acontece na fase pré-processual: quebra de sigilo, escuta telefônica, o delegado fala uma coisa exagerada, o Ministério Público embarca naquela coisa, e a imprensa divulga tudo”, reclama Lins e Silva.

Mais moroso

A visão de membros do Ministério Público e dos policiais é oposta. Para eles, a exigência de dois juízes diferentes tornará o processo mais lento e aumentará a possibilidade de recursos e embargos. A fase do inquérito, acreditam, vai virar uma outra fase processual, em que os advogados usarão todas as medidas possíveis para colocar recursos e “enterrar” a investigação. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Antônio Carlos Bigonha, diz que o processo penal vai ficar mais lento, o que aumenta a impunidade dos criminosos, inclusive do colarinho branco.

“É desolador, o código deveria ser para tornar o processo mais rápido”, protesta. “Quem não tem razão, quer a morosidade do processo. Eu acredito na Justiça. Não precisa ter dois juízes”.

Bigonha concorda com o presidente da Comissão de Prerrogativas da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro. O delegado diz que é até difícil implantar o modelo de juiz de garantias. Cada vara teria que ter dois magistrados. Ribeiro é outro que acredita que o modelo vai trazer mais morosidade e, consequentemente, mais impunidade.

O vice-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Nino Toldo, vê a figura do magistrado de garantias com simpatia. “Em tese, eu concordo. A contaminação pode existir. O juiz é um ser humano”, afirma ele. Entretanto, Toldo tem dúvidas como isso vai acontecer na prática. E acrescenta que o tema não tem a unanimidade dos magistrados no Brasil.

Produção de provas

Os magistrados e policiais ainda estão raivosos contra a possibilidade de o juiz poder solicitar a produção de provas para orientá-los em suas decisões. Pela lei atual, os juízes podem requerer as medidas em qualquer fase (inquérito ou processo). Com a mudança, é possível que os julgadores tenham que dar sentenças mesmo que estejam em dúvidas. E, em caso de dúvida, as medidas têm que ser a favor do réu.

Toldo lembra que, em certa ocasião, nem o Ministério Público nem a defesa solicitaram a busca de uma carta com instruções sobre como uma testemunha deveria se comportar num depoimento à Justiça. Informado disso, ele solicitou a busca e apreensão do documento, que baseou uma condenação num caso de tráfico internacional de drogas. “No novo CPP, eu não poderia fazer isso.”

Para Ribeiro, o projeto no Senado parte do princípio de que as autoridades sempre estão abusando de seu poder de investigar e acusar. “Esse clima fez com que uma série de limitações típicas do processo fossem trazidas para a investigação.” Os policiais acham que vai ser mais difícil produzir um inquérito inconteste.

Disputa na Câmara

O projeto de um novo CPP foi aprovado na CCJ e segue para o plenário. Lá, deve ser aprovado, avaliam as entidades jurídicas. Depois volta para a CCJ e, novamente, para o plenário para ser feita a redação final. Em seguida, a matéria vai à Câmara.
E é entre os deputados que as entidades pretendem mexer mais no texto, a fim de garantir os interesses de classe e o que julgam ser melhor para a sociedade. “Na Câmara, vamos rever tudo isso e alcançar outros objetivos”, conta Lins e Silva. A OAB fez 33 propostas ao projeto, mas até agora só teve quatro delas acatadas integralmente.

O presidente da comissão de prerrogativas da ADPF tem certeza que o projeto vai passar do jeito que está no Senado. “Na Câmara, eu não sei”, diz Ribeiro.

Congresso em Foco

Criança e Consumo



Frei Betto *

A capital paulista sedia, de 16 a 18 de março, no Itaú Cultural, o 3° Fórum Internacional Criança e Consumo, iniciativa do Instituto Alana.

Especialistas no tema debaterão como prevenir e reduzir os efeitos da publicidade de produtos e serviços destinados a crianças e adolescentes.

A população com idade inferior a 12 anos é hipervulnerável à comunicação mercadológica devido ao mimetismo próprio da infância, à falta de discernimento, à afirmação da personalidade, à dificuldade de distinguir desejo e necessidade. Formar cidadãos ou consumistas?, eis a questão.

Nessa cultura hedonista em que os valores sonegados da subjetividade são pretensamente substituídos pelo valor agregado da posse de bens e serviços, crianças e jovens se veem ameaçados pela incidência alarmante da obesidade precoce, a violência (inclusive nas escolas), a sexualidade irresponsável, o consumo de drogas, o estresse familiar e a degradação das relações sociais.

Com a laicização crescente da sociedade ocidental que, com razão, repudia o fundamentalismo religioso, a moral perde seu anteparo na vivência da fé; as ideologias altruístas, em crise, cedem lugar ao individualismo egocêntrico; a tecnociência aprimora meios de relacionamento virtual em detrimento da alteridade real e da interrelação comunitária e coletiva.

Vivemos, como Sócrates, na terceira margem do rio: os deuses do Olimpo já não oferecem parâmetros éticos, e a razão depara-se com a própria insuficiência frente à avassaladora pressão mercantilizadora de todas as dimensões da existência. Onde, nos mais jovens, o idealismo, a abnegação, a ânsia pelo transcendente, o sonho de mudar o mundo?

Na contramão da tendência imperante, o projeto do Instituto Alana disponibiliza instrumentos de apoio e informações sobre direitos do consumidor nas relações de mercado que envolvam crianças e adolescentes. Produz e distribui conhecimento acerca do impacto do consumismo na formação desse público, fomenta a reflexão a respeito da influência da mídia e da comunicação mercadológica na vida, nos hábitos e nos valores de pessoas em idade de formação.

O projeto Criança e Consumo engloba três áreas: jurídico-institucional; comunicação e eventos; pesquisa e educação. A área jurídico-institucional recebe denúncias de práticas de comunicação mercadológica - principalmente publicidade veiculada em TV, internet e revistas - consideradas abusivas. Em contato com as empresas responsáveis pela peça publicitária, faz-se notificação para que cesse a veiculação do apelo comercial.

A área de comunicação e eventos promove debates e seminários para discutir e divulgar essas questões. A de educação e pesquisa estuda de maneira multidisciplinar a temática e divulga no site [www.criancaeconsumo.org.br] bibliografia concernente ao tema.

A partir dessas iniciativas, o projeto contribui para a formação de uma consciência crítica e cidadã sobre os aspectos negativos da mercantilização da infância e da juventude.

No início de março, a Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) sinalizou que as novas regras sobre publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis, a serem divulgadas, não oferecerão proteção especial ao público infantil.

Isabella Henriques, coordenadora do projeto Criança e Consumo, alertou para as graves consequências dessa decisão, que exclui todos os artigos de proteção à infância, como o veto ao uso de desenhos em publicidade, à promoção de alimentos e bebidas nocivas em escolas e de ofertas com brindes. Segundo ela, isso significa o poder público negligenciar os direitos da crianças e adolescentes, declinando-os em favor de interesses privados.

Crianças não podem ser tratadas como consumidoras comuns. Merecem tratamento diferenciado. É preciso levar em conta o trabalho da força-tarefa criada em 2009 pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), voltado à proteção de consumidores hipervulneráveis. Essa força-tarefa conta com a participação do Instituto Alana, do grupo de comunicação social do Ministério Público Federal, da Anvisa e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Induzir a criança ao consumismo precoce é inflar o desejo na direção de ambições desmedidas. E quanto maior o anseio, mais profundo o buraco no coração e, portanto, a frustração e os sintomas depressivos. Perversa intuição profissional faz com que o traficante de drogas conheça bem essa patologia e dela saiba tirar proveito.

Adital

segunda-feira, 22 de março de 2010

Bandidos são linchados durante assalto no bairro Manaíra; um morreu



Na madrugada desse domingo, 21, bandidos assaltaram uma residência no bairro Manaíra, em João Pessoa, mas dois acusados acabaram sendo linchados. Um adolescente de 15 anos morreu.

Cerca de dez pessoas estavam em uma festa quando três homens chegaram e anunciaram o assalto. Um dos assaltantes conseguiu fugir com vários objetos das vítimas, mas os outros dois foram detidos e linchados pelas pessoas que ali estavam.

Rafael Carvalho dos Santos, de 19 anos, ficou gravemente ferido e foi levado para o Hospital de Trauma. Já um adolescente de 15 anos, que era irmão de Rafael, morreu na hora.

Na delegacia, várias pessoas foram ouvidas. A polícia vai analisar o caso.

Paraiba on line

Nas águas da tortura



Ivan Lessa

Gozado. Os brasileiros gostamos de tortura. No outro sentido. Não de torturar ou ser torturado. Gostamos de ler a respeito. De ver, ao menos um pouco, entre os dedos da mão espalmada sobre o rosto, quando mostram num enlatado mais violento. E como há enlatados “mais” violentos!

O mundo é mau, aprende-se desde cedo. O mundo aprecia violências e tudo que ela tem a nos oferecer. O mundo nos faz, na melhor das hipóteses, voyeurs beirando o sadismo. O anexim jornalístico que corre nos países de fala anglo-saxã resume bem a história: if it bleeds, it leads. Traduzindo como quem acabou de levar um choque dos bons nos países baixos: “sangrou, liderou”. Ou seja, tem sangue, pega manchete.

Lembra aqueles jornais que não sei se ainda existem: O Dia, Notícias Populares. Era só crime. E hediondos todos. Acabou dando em refrão popular e samba gravado pelo Jorge Veiga, o chamado “Caricaturista do Samba”. Vocês manjam. Se espremer, sai sangue.

Por esse motivo, em minhas braçadas pelas águas revoltas da internet (água é muito a propósito, como veremos), estranhei ver tão pouco espaço dado ao que tanto espaço rendeu na imprensa britânica e americana. Refiro-me às torturas a que supostos suspeitos teriam sido submetidos no Iraque. Sapequei “supostos” e “suspeitos” e fui de futuro do pretérito com “teriam” com o objetivo apenas de não levar, na melhor das hipóteses, uns cascudos metafóricos ou verdadóricos. Gato escaldado… Pois é.

Vamos lá. Os americanos andaram indo de caldo, aquele violento afogamento parcial e em etapas, também conhecido por seu nome de guerra, e "guerra ao terror", como um premiado com Oscar, de "prancha d'água" (waterboarding, né?), pra cima de indivíduos que tivessem uma remota possibilidade de andarem metidos em atividades ditas terroristas. Brincaram à beça de tacar encapuzado em tanque cheio de água até que o infeliz, entre uma golfada e outra do precioso líquido, confessasse. Tudo. Não importa o quê.

O jornalista britânico Christopher Hitchens, de 59 anos, ora radicado nos Estados Unidos, andou experimentando uma mergulhada legal dessas nas mãos de especialistas, para efeito de reportagem para a revista Vanity Fair, que já foi melhor quando mais leviano. Hitchens não aguentou mais que uns minutinhos. Dois ou três caldinhos. Está lá no YouTube. Confiram.

O boneco chegou à conclusão que nunca ninguém negou por aquelas bandas que já foram comandadas por George W. Bush. Sim, senhor, é tortura. E das bravas. Muito Mohammed, muito Abrahim e outros de igual nomenclatura pegaram mais de 500 caldos. Y otras cositas más, como dizem e escrevem pessoas tristes sem imaginação.

Até que a coisa chegou aqui. Para ser simples e direto: membros dos serviços secretos britânicos teriam não só assistido às sessões de tortura como também assistido no processo, só que no outro sentido, o de dar uma mãozinha. Parlamentares querem inquérito, ex-diretora do MI5 (Inteligência Militar, seção 5), ilustríssima Lady Manningham-Buller declara que “tudo indica que agentes estiveram envolvidos em atividades ilegais no estrangeiro” e mostra-se favorável a uma investigação rigorosa da questão.

Há uma cláusula não-escrita, cognominada a “cláusula James Bond”, que estipula que agentes dos serviços de segurança não estão sujeitos ao controle político. Bond, por sinal, era MI6, agindo pois, conforme sua agenda, em solo estrangeiro. Daí seu “00” na carteirinha: licença para matar. Ou, neste século 21, se lhe desse na veneta, participar ativa ou passivamente de sessões de tortura. Ajudando a ajustar um capuz aqui, amarrar um par de mãos árabes ali, ajustar uma prancha, encher de água um bom balde.

Eu, se fosse vocês, daria uma conferida nessa história algo desprezada pela nossa imprensa.

BBC Brasil

Câmara dos EUA aprova histórica reforma da saúde proposta por Obama




Aprovação foi por 219 a 212 votos; 34 democratas votaram pelo "não" com os republicanos

WASHINGTON - A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos deu aprovação final para a reforma no sistema de saúde do país no domingo, expandindo a cobertura para quase todos os norte-americanos e dando ao presidente Barack Obama uma vitória histórica. Em uma votação de 219 votos favoráveis e 212 contrários, os democratas da Câmara aprovaram as mudanças mais significativas nas políticas de saúde em quatro décadas. O projeto, já aprovado pelo Senado, vai agora para a sanção de Obama.

A Câmara de Representantes dos EUA aprovou neste domingo a histórica reforma do sistema de saúde do país, por 219 votos a favor - três mais do que o necessário - a 212 contra. O projeto de lei corresponde ao que o Senado já tinha aprovado em dezembro do ano passado. O presidente Barack Obama deve sancioná-lo ainda nesta semana. Junto aos 178 congressistas republicanos na Câmara, um total de 34 democratas votou "não" à medida.

A reforma ampliará a cobertura para 32 milhões de norte-americanos, expandindo o plano de saúde do governo para os pobres, impondo novas taxas aos mais ricos e proibindo práticas de seguradoras como se recusar a atender pessoas com problemas médicos já existentes. A votação põe fim a um ano de batalhas políticas com os republicanos, que consumiu o Congresso dos EUA e abalou as taxas de aprovação do presidente.

Obama celebrou a vitória em um discurso na Casa Branca. "Nesta noite, num momento em que especialistas diziam que não era mais possível, nos elevamos sobre o peso da nossa política", disse o presidente. "Essa lei não consertará tudo que afeta nosso sistema de saúde, mas certamente nos levará decisivamente na direção correta. É com isso que a mudança se parece", disse.

Os democratas na Câmara comemoraram quando o número de votos chegou a 216, total necessário para a aprovação, e gritaram: "Yes, we can" ("Sim, podemos"), slogan da campanha que elegeu Obama. Todos os republicanos se opuseram ao projeto e 34 democratas se juntaram a eles ao votarem contra a reforma.

Horas antes, os democratas tinham conseguido uma primeira vitória na votação sobre a reforma da saúde, ao aprovar um voto de procedimento por 224 votos a favor frente a 206 contra. Do lado de fora do Capitólio, manifestantes contra a reforma presentes ao longo do dia todo pediam para "jogar no lixo" a medida.

Os democratas asseguraram os 216 votos necessários para aprovar a reforma depois que o líder de um grupo de congressistas antiaborto que se opunham à medida, Bart Stupak, anunciou que tinha chegado a um acordo de última hora com a Casa Branca e os líderes de seu partido. Stupak reivindicava garantias de que a reforma não permitiria o uso de fundos federais para a prática de abortos.

Mediante o acordo anunciado hoje, o presidente Barack Obama emitirá uma ordem executiva que deixará claro que não se poderão usar esses fundos para as interrupções voluntárias da gravidez, salvo casos extremos.

Com informações da Efe, Associated Press e Reuters
Estadâo

sábado, 13 de março de 2010

"Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto"

Criada rede de comunicadores a favor da reforma agrária


Os filhos da Reforma Agrária



Um grupo de comunicadores vai se reunir amanhã às 19h no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo para dar um primeiro pontapé na criação de um movimento à favor da reforma agrária.

Já foi escrito um manifesto que, entre muitas outras, conta com a assinatura deste blogueiro. Seria interessante que todos aqueles que consideram essa luta justa se mobilizassem para que tanto o evento de amanhã seja um sucesso, como que outros encontros possam pipocar Brasil afora. Leia o manifesto abaixo:



Comunicadores a favor da reforma agrária



"Está em curso uma ofensiva conservadora no Brasil contra a reforma agrária, e contra qualquer movimento que combata a desigualdade e a concentração de terra e renda. E você não precisa concordar com tudo que o MST faz para compreender o que está em jogo.

Uma campanha orquestrada foi iniciada por setores da chamada “grande imprensa brasileira” – associados a interesses de latifundiários, grileiros - e parcelas do Poder Judiciário. E chegou rapidamente ao Congresso Nacional, onde uma CPMI foi aberta com o objetivo de constranger aqueles que lutam pela reforma agrária.

A imagem de um trator a derrubar laranjais no interior paulista, numa fazenda grilada, roubada da União, correu o país no fim do ano passado, numa ofensiva organizada. Agricultores miseráveis foram presos, humilhados. Seriam os responsáveis pelo "grave atentado". A polícia trabalhou rápido, produzindo um espetáculo que foi parar nas telas da TV e nas páginas dos jornais. O recado parece ser: quem defende reforma agrária é "bandido", é "marginal". Exemplo claro de “criminalização” dos movimentos sociais.

Quem comanda essa campanha tem dois objetivos: impedir que o governo federal estabeleça novos parâmetros para a reforma agrária (depois de três décadas, o governo planeja rever os “índices de produtividade” que ajudam a determinar quando uma fazenda pode ser desapropriada); e “provar” que os que derrubaram pés de laranja são responsáveis pela “violência no campo”.

Trata-se de grave distorção.

Comparando, seria como se, na África do Sul do Apartheid, um manifestante negro atirasse uma pedra contra a vitrine de uma loja onde só brancos podiam entrar. A mídia sul-africana iniciaria então uma campanha para provar que a fonte de toda a violência não era o regime racista, mas o pobre manifestante que atirou a pedra.

No Brasil, é nesse pé que estamos: a violência no campo não é resultado de injustiças históricas que fortaleceram o latifúndio, mas é causada por quem luta para reduzir essas injustiças. Não faz o menor sentido...

A violência no campo tem um nome: latifúndio. Mas isso você dificilmente vai ver na TV. A violência e a impunidade no campo podem ser traduzidas em números: mais de 1500 agricultores foram assassinados nos últimos 25 anos. Detalhe: levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que dois terços dos homicídios no campo nem chegam a ser investigados. Mandantes (normalmente grandes fazendeiros) e seus pistoleiros permanecem impunes.

Uma coisa é certa: a reforma agrária interessa ao Brasil. Interessa a todo o povo brasileiro, aos movimentos sociais do campo, aos trabalhadores rurais e ao MST. A reforma agrária interessa também aos que se envergonham com os acampamentos de lona na beira das estradas brasileiras: ali, vive gente expulsa da terra, sem um canto para plantar - nesse país imenso e rico, mas ainda dominado pelo latifúndio.

A reforma agrária interessa, ainda, a quem percebe que a violência urbana se explica – em parte – pelo deslocamento desorganizado de populações que são expulsas da terra e obrigadas a viver em condições medievais, nas periferias das grandes cidades.

Por isso, repetimos: independente de concordarmos ou não com determinadas ações daqueles que vivem anos e anos embaixo da lona preta na beira de estradas, estamos em um momento decisivo e precisamos defender a reforma agrária.

Se você é um democrata, talvez já tenha percebido que os ataques coordenados contra o MST fazem parte de uma ofensiva maior contra qualquer entidade ou cidadão que lutem por democracia e por um Brasil mais justo.


Blog do Rovai

Crianças, trabalhem. Pois só o trabalho liberta



O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, defendeu o aumento na idade mínima legal para se começar a trabalhar no Brasil.

Segundo ele, “as mudanças demográficas nos levam a postergar o ingresso dos jovens no mercado de trabalho para depois dos 20 anos de idade, ao contrário do que se via na era agrícola no século 19, que obrigava a criança a trabalhar com apenas cinco anos, em média”. O tema foi abordado durante 3º Seminário Nacional sobre Trabalho Infanto-Juvenil, realizado em São José dos Campos (SP).

Conforme notícia divulgada pela Repórter Brasil, Pochmann ressaltou que filhos de famílias ricas raramente começam a trabalhar efetivamente antes dos 25 anos de idade – e depois de muito investimento e tempo de formação. Enquanto isso, filhos de pais pobres são condenados a começar a trabalhar cedo, não conseguem evoluir em termos de formação e acabam ocupando postos de baixa qualificação e mal remunerados que compõem a base do mercado de trabalho.

O artigo 7º da Constituição diz que é ilegal o trabalho noturno, perigoso ou insalubre de crianças e adolescentes com menos de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. No ano passado, tentaram baixar a idade legal para 14 anos no Congresso Nacional, mas a proposta foi barrada – felizmente.

Até entendo que muita gente sinta que sua experiência de superação é bonita o suficiente para ser copiada pelo seu filho ou filha. Mas será que eles não imaginam que o trabalho infantil, que atrapalha o desenvolvimento da criança, não precisa ser hereditário?

Quem acompanha este blog sabe do que estou falando. Casos como os das crianças potiguares que abatiam gado e reviravam tripas de bois em matadouros no interior do Rio Grande do Norte ou dos jovens que colhiam limão e dormiam com ratos a menos de 100 quilômetros da capital paulista são uma vergonha para o país. Parte dos empresários, temendo repercussões negativas para a imagem de seus produtos e serviços, têm olhado para as suas cadeias produtivas com mais cuidado. Outros, com a certeza de que continuarão com seus mercados fazem de conta que não é com eles e usam justificativas como: “ah, mas na China e na Índia a situação é pior”. E a infância vai sendo tragada pelo ralo da economia.

Em 2008, o Brasil tinha 4,5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando – um total 0,7% menor que no ano anterior, mas ainda assustadoramente alto. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Diante disso, o trabalho dos auditores fiscais do trabalho que retiram criançam dessas condições é louvável, mas ainda uma gota. Deveria vir acompanhada de ações mais contundentes de prevenção – educação básica de qualidade, presença de serviços públicos como saúde e saneamento, geração de emprego e renda decentes – caso contrário isso é apenas enxugar gelo.

Isso sem contar com a punição para as cadeias produtivas que lucram com o trabalho infantil, o que ainda engatinha no país.

E o mais triste de tudo isso é ver parte dos trabalhadores, que foi acostumada a ser explorada, passando a justificar a própria exploração, dizendo que quem pega duro desde cedo cresce com caráter lapidado, repetindo bovinamente um discurso que a eles foi reservado: só o trabalho liberta.

Blog do Sakamoto
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