terça-feira, 31 de março de 2009

Um teólogo na morte


Os anjos me disseram que, quando Melanchton morreu, lhe foi oferecida no outro mundo uma casa ilusoriamente igual àquela que possuíra na Terra. (A quase todos os recém-chegados à eternidade acontece o mesmo e por isso acreditam que não morreram). Os objetos domésticos eram iguais: a mesa, a escrivaninha com suas gavetas, a biblioteca. Quando Melanchton despertou nessa casa, reatou suas tarefas literárias como se não fosse um morto e escreveu durante alguns dias sobre a salvação pela fé. Como era seu hábito, não disse uma palavra sobre a caridade. Os anjos notaram essa omissão e mandaram pessoas a interrogá-lo. Melanchton lhes falou: "Demonstrei de maneira irrefutável que a alma pode dispensar a caridade e que para entrar no céu basta a fé". Dizia isso com soberba e não sabia que já estava morto e que seu lugar não era o céu. Quando os anjos ouviram essa afirmativa o abandonaram.

Em poucas semanas, os móveis começaram a se encantar até se tornarem invisíveis, com exceção da poltrona, da mesa, das folhas de papel e do tinteiro. Além disso, as paredes do aposento se mancharam de cal e o assoalho de um verniz amarelo. Sua própria roupa já estava muito mais ordinária. Continuava, entretanto, escrevendo, mas como persistia na negação da caridade, foi transferido para uma sala subterrânea, onde estavam outros teólogos como ele. Ali ficou preso alguns dias e começou a duvidar de sua tese e lhe deram permissão de voltar. A roupa que vestia era de couro cru, mas procurou imaginar que a que tivera antes fora uma simples alucinação e continuou elevando a fé e denegrindo a caridade. Uma tarde, sentiu frio. Então percorreu a casa e comprovou que as demais peças já não correspondiam às de sua casa na Terra. Uma delas estava cheia de instrumentos desconhecidos; outra estava tão reduzida que era impossível entrar nela; outra não tinha sofrido modificação, mas suas janelas e portas davam para grandes dunas. A do fundo estava cheia de pessoas que o adoravam e lhe repetiam que nenhum teólogo era tão sábio quanto ele. Essa adoração agradou-o, mas como uma das pessoas não tinha rosto e outras pareciam mortas, acabou se aborrecendo e desconfiando delas. Determinou-se então a escrever um elogio da caridade, mas as páginas que escrevia hoje apareciam apagadas amanhã. Isso aconteceu porque eram feitas sem convicção.

Recebia muitas visitas de gente morta recentemente, mas sentia vergonha de mostrar-se num lugar tão sórdido. Para fazer-lhes crer que estava no céu, entrou em acordo com um feiticeiro dos que estavam na peça dos fundos, e este os enganava com simulacros de esplendor e serenidade. Era só as visitas se retirarem, reapareciam a pobreza e a cal; às vezes isso acontecia um pouco antes.
As últimas notícias de Melanchton dizem que o mágico e um dos homens sem rosto o levaram até as dunas e que agora ele é como que um criado dos demônios.
Jorge Luis Borges

Pecuária

Do orador ao demagogo: um passo perigoso



......O presidente Lula sabe falar, tem empatia e carisma, como um orador competente. Mas pára aí. O apreço que tem por ele mesmo, que o leva aos extremos do egocentrismo e o faz transbordar para a demagogia mais irresponsável, o impede de ser um líder positivo neste aspecto: seu objetivo é seduzir, conquistar adeptos e impor a sua vontade. Seu discurso não é uma forma de aprendizado, o exercício do melhor da dialética, o diálogo que incorpora e acumula conhecimentos para possibilitar o crescimento do orador e do público, e o aprimoramento dos interlocutores. Ele é um demagogo com um pé na democracia e outro no despotismo. É um autocrata contido — pelas próprias virtudes intuitivas e naturais, que o identificam com o povo, e pela complexidade da sociedade brasileira, muito maior do que a venezuelana, por exemplo (o que explica o que Hugo Chávez está conseguindo ser e o que Lula não pôde tentar ser).
Uma pessoa letrada e com razoável informação se choca com o que o presidente da república diz nos seus improvisos. Ele se deixa levar pela emoção do momento, ou pelos seus objetivos políticos, nem sempre explícitos, e por outras conveniências. Não tem qualquer compromisso com a veracidade do que diz. Repete o que ouviu dos assessores de orelhada porque, como já confessou, nada lê.
Esta é uma lacuna grave. Não exatamente por não ler nada além de sumários com finalidade operacional específica, mas pelo que representa o ato de se abrir um livro: o reconhecimento da própria ignorância, o desejo de diminuí-la, a busca do saber. Aquele que jamais abre um livro tem a presunção do sabe-tudo, daquele tipo de pessoa inteligente e de raciocínio rápido, que “saca” tudo, mas de uma superficialidade atroz. Que não cria interlocutores porque quer apenas seguidores.
Vários jornalistas pegaram no pé quebrado do presidente na quinzena passada. Para atacar seus adversários de São Paulo, o governador tucano José Serra e o aliado dele, o prefeito Gilberto Kassab, Lula mais do que dobrou o índice de analfabetismo do Estado, ao confundir a proporção que ele representa do todo nacional com o que é internamente, citando 10% como sendo 4,6%. Assim, não há debate que valha a pena. A divergência e a controvérsia se tornam bate-boca de geral de campo de futebol entre torcedores fanatizados. E fanatismo, como se sabe à exaustão, não combina com democracia nem com processo civilizatório.
Lula, como o dono da bola, recria as regras do jogo com a disputa em andamento para atender seus interesses. Mesmo que sejam os melhores, de boas intenções o inferno está cheio. Na Venezuela, com um ditador plebiscitário, Chávez realizou a utopia de Charles de Gaulle, acrescendo-lhe fortes pitadas de perversidade. O preço desse gozo momentâneo e curto será de longo e penoso resgate. Por enquanto, só na Venezuela.
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Leia artigo inteiro em Politica: www.gramsci.org
Lúcio Flávio Pinto - Março 2009

Centrais sindicais contra a crise


A FOTO DO DIA

Vania Delpoio / Agência O Globo
Cerca de 2 mil manifestantes participam nesta segunda-feira, 30, de uma passeata na Avenida Paulista, em São Paulo, segundo cálculos da Polícia Militar. A manifestação faz parte dos atos do Dia Internacional Contra a Crise, realizado pelas centrais sindicais, movimentos sociais e estudantes. Já a organização do evento estima que 7 mil pessoas participam da marcha coletiva em defesa do emprego e da queda dos juros. Leia mais em Marcha contra crise reúne 2 mil pessoas em São Paulo
por Ricardo Noblat 30/03/2009

Estudo do Ipea desmente inchaço na máquina pública



Uma pesquisa sobre emprego público, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), chegou a uma conclusão surpreendente: a máquina pública brasileira não está inchada. Comparada à de países desenvolvidos e com os da América Latina, a proporção de servidores públicos na faixa da população economicamente ativa é uma das menores (10,7%), segundo dados computados em 2005.

Em países como Dinamarca e Suécia, mais de 30% dos ocupados estão trabalhando para o estado. Em outros que têm o setor privado como alicerce, caso dos Estados Unidos, o percentual é de 14,8%, também usando dados de 2005. O pesquisador Fernando Augusto de Mattos, observa que a adoção do Estado de Bem-Estar Social por vários países europeus no período pós-Segunda Guerra Mundial fez com que o setor público passasse a ter um peso significativo na promoção do emprego e da qualidade de vida da população. A necessidade de políticas sociais universalistas fez a participação dos empregos públicos crescer mais nos países desenvolvidos do que nos subdesenvolvidos.

Na América Latina, onde a realidade social se assemelha à nacional, o Brasil está em 8º lugar de acordo com dados de 2006 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Na Argentina, essa relação é de 16,2%; no Paraguai, 13,4%, e no Panamá, primeiro colocado da lista, 17,8%. O processo de democratização recente também pesa na estrutura, comenta o pesquisador. O levantamento leva em consideração todos os trabalhadores empregados pelo Estado em um sentido mais amplo, incluindo administração direta, indireta e estatais de todo tipo.

Diferenças

Os índices dos emergentes — países que também guardam alguma semelhança com o Brasil —, como Índia (68,1%) e África do Sul (34,3%), ficam muito acima do nível nacional. Há um grave problema de formalização de empregos nesses países, comenta Mattos. Na Índia, por exemplo, o alto percentual está relacionado com o elevado contingente de forças militares e de segurança interna. Além da informalidade, o país carrega um baixo grau de desenvolvimento industrial em contraste com a ocupação agrícola.
O economista do Dieese Tiago Oliveira explica que o estudo questiona o discurso de que o Brasil tem um estado inchado, que surgiu nos anos 90. “A idéia de um país pesado e ineficiente caiu sobre o serviço público e se perpetua até hoje.” Porém, observa Oliveira, “ao mesmo tempo em que as pessoas dizem isso, vão aos postos de saúde e esperam por horas, por falta de médicos ou veem os filhos voltarem mais cedo para casa por falta de professores”.
O pesquisador do Ipea Fernando Mattos afirma que o resultado da pesquisa mostra a necessidade de ampliação do acesso da população aos serviços públicos e, por consequência, da ampliação do quadro de pessoas que realizam esses serviços.
Letícia Nobre - Correio Braziliense
Leia mais na edição impressa do Correio Braziliense. 30/03/2009

segunda-feira, 30 de março de 2009

Demissões em massa provocam aumento dos casos de assédio moral



Demissões em massa provocam aumento dos casos de assédio moral no Brasil
Desde novembro, cerca de 800 mil pessoas perderam o emprego, segundo os dados do governo. Neste período, mais de mil trabalhadores entraram com ações por danos morais contra empresas na Justiça
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Os bancos ...


''2009 ainda não está perdido''

Por que a situação econômica do Brasil piorou tanto, contrariando as previsões dos analistas?
Delfim:
Se você olhar um gráfico, fica claro o que aconteceu. A atividade cai a partir do dia 16 de setembro de 2008 (um dia depois da quebra do banco Lehman Brothers). Quem importou a crise? O setor bancário brasileiro. No dia 17 de setembro, não tinha financiamento para mais ninguém, nem para os bancos.

Mas o crédito não voltou?
Delfim:
A gente se engana. O crédito está crescendo? Claro, o sujeito está renovado a mesma linha, mas com juro maior. O que há de engano estatístico é uma coisa gloriosa. Não está melhorando. Não adianta conversar com dois banqueiros juntos. Eles sempre mentem. Um sozinho chora.

Do Estadão ,30/03/2009

domingo, 29 de março de 2009

Do Rigor na Ciência


Os mapas de Jorge Luis Borges

Gosto de mapas. E sempre que me debruço sobre o assunto, por prazer, necessidade ou em trabalho, recordo um texto de Jorge Luis Borges que acaba assim:

...Naquele império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa duma Província ocupava uma Cidade inteira, e o mapa do Império uma Província inteira. Com o tempo esses Mapas Desmedidos não bastaram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o Tamanho do Império e coincidia com ele ponto por ponto. Menos Dedicadas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes decidiram que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedades entregaram-no às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos Desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa habitadas por Animais e Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas.

(Suaréz Miranda: Viajes de Varones Prudentes, Livro Quarto, Capítulo XIV, Lérida, 1658.)

Jorge Luis Borges in História Universal da Infâmia

Um idiota de batina em Porto Alegre

Em entrevista à revista Press, o arcebispo de Porto Alegre, Dadeus Grings, disse que morreram muito mais católicos que judeus no Holocausto, mas este fato não é lembrado porque os judeus detêm a propaganda no mundo.

Não há demonstração de que tenham morrido mais católicos do que judeus nos campos de concentração. É improvável que tenham sido assassinatos mais do que seis milhões.

Mas é certo que nenhum católico foi eliminado por ser católico. Os judeus foram mortos porque eram judeus.

Este arcebispo de Porto Alegre é mais um exemplar típico do idiota de batina.

28 de Março de 2009
blog do marona

sábado, 28 de março de 2009

O verbo e a verba



A hora não é de análises estruturais, nem de teses. A hora é de proteger os municípios da quebra. De proteger a economia do interior

Três meses atrás, escreveu-se aqui que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva estava a fazer cortesia com o chapéu alheio, quando renunciava ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na indústria automobilística e aliviava o Imposto de Renda. São receitas que a União divide com estados e municípios. Já no caso das contribuições, que Brasília não divide com ninguém, a conversa é outra.

Aliás, renúncia fiscal numa crise como esta, em que o consumidor anda (muito) desconfiado e o governo tem papel decisivo na expansão do gasto, é coisa mais do que duvidosa. Especialmente da maneira como tem sido posta em ação na Esplanada. Serve para aliviar momentaneamente o caixa das empresas, e só. Ademais, renúncias fiscais por setor evocam balcão de negócios. Favorecimento seletivo. Infelizmente, o Planalto continua assistindo com ar bovino à festa dos juros promovida pelos bancos, com a orquestração da autoridade monetária. Na falta de coragem para agir onde deve, age onde e como não é recomendado.

É verdade que a isenção do IPI deu um fôlego momentâneo à indústria automobilística. Por outro lado, as renúncias fiscais vêm aprofundando a crise nas prefeituras. Sem que haja um plano federal para evitar a quebra dos municípios. “Economizem”, é o que recomenda o governo aos prefeitos. Uma recomendação cruel, ao estilo de Maria Antonieta. Não tem pão? Então comam brioches.

Prefeitos e governadores estão submetidos à Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo federal, não. Aliás, alguns prefeitos já vivem a ameaça da ilegalidade, gastando com salários mais do que a proporção permitida. Não aumentaram os vencimentos dos servidores, mas a queda de receita vem reduzindo dramaticamente o denominador. Esse é o lado político-legal. No econômico-social, o que se desenha é uma crise brutal nas cidades, especialmente nas pequenas, e mais especialmente ainda nas regiões mais pobres, onde maior é a dependência do repasse de verbas federais.

Mas o poder sempre tem como fazer do limão uma limonada para si próprio. Caíram os repasses compulsórios? Que se recorra então aos voluntários. O problema é a tesoura da equipe econômica para equilibrar um orçamento baleado pela crise. Daí por que a vida dos prefeitos ficará ainda mais infernal. Sem o dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), eles precisarão bater de pires na mão na porta de Lula, ou do deputado, ou do senador. Só para ouvir que a hora é difícil, e que é melhor voltar outro dia.

Não isento de responsabilidade os prefeitos, os políticos municipais e os seus eleitores. De tempos para cá, criar novos municípios no Brasil virou a farra do boi. E sempre às expensas, para usar novamente a expressão, do chapéu alheio. Municípios são criados no Brasil sem as mínimas condições econômicas para exercerem a autonomia política. Desprovidos da mínima receita para viver sem depender dos outros.

Mas a hora não é de análises estruturais, nem de teses. A hora é de proteger os municípios da quebra. De proteger a economia do interior. Assim como é preciso resguardar a capacidade de as cidades executarem políticas públicas. Elas são uma viga-mestra do nosso arcabouço social. Como sempre dizia o saudoso Franco Montoro, que governou São Paulo pelo PMDB entre 1983 e 1987, ninguém vive na União ou no estado: as pessoas moram no município.

Semanas atrás, o presidente da República e sua candidata à sucessão, a ministra-chefe da Casa Civil, protagonizaram um magnífico encontro em Brasília com alcaides recém-eleitos. Na ocasião, as autoridades municipais foram conclamadas pelo governo federal a não esmorecerem, a investirem, a lutarem contra a crise. Nada mais justo. Mas quando os prefeitos voltaram às suas cidades encontraram uma realidade diferente. Simplesmente não há dinheiro para fazer o que o presidente lhes pediu. E de quem é a responsabilidade? Do governo federal.

Lula foi pródigo ao prover verbo para os prefeitos. Excelente. Que mostre agora a mesma prodigalidade para prover a verba.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.(27/03)

do blog do Alon

A tribo dos Fala-Mansa



Num delírio carnavalesco-antropológico, fantasiado de Lévi-Strauss comendo papagaio à passarinho num boteco dos nambiquara, menção honrosa em Originalidade Masculina no concurso do Clube Tamoio de 1973, registrei os usos, costumes, histórias e lendas dos Fala-Mansa, tribo aculturada que, infelizmente, vive entre nós. Só que disfarçada – daí a necessidade desta mui explicativa intervenção científica.

Transmitida pela tradição oral, ou melhor, sussurrada, geração após geração, a lenda de origem dos Fala-Mansa dá conta que os Deuses, reunidos num fim de tarde, exaustos de tanta fúria, nem se deram conta quando Dêxadíssu, um deusinho muito simpático e sorridente, criou uma nova estirpe de homens. Criou assim, como quem não quer nada, sem chamar atenção, e estes recém nascidos, todos muito simpáticos, já dizimaram duas populações vizinhas, cheios de gentileza.

Os Fala-Mansa são assim: nunca brigam com ninguém, detestam opiniões fortes ou qualquer tipo de conflito, mas são capazes de pequenos massacres, silenciosas chacinas, sempre em nome da cordialidade. Jean de Léry encontrou um pequeno grupo e, ao abraçá-los, percebeu que levava uma estocada. Se tivesse lido Otto Lara Resende, saberia que abraço e punhalada só se dá em quem está perto.

E os Fala-Mansa estão sempre por perto. São solícitos, quando possível fazem questão de enumerar pessoas influentes como seus amigos e costumam saudar o próximo com abraços acompanhados de uma esfregadinha nas costas do próximo – costume que foi incorporado e disseminado entre nós pelos estudantes de teatro e jovens atores em geral.

Se, depois de todas as tentativas de evitar, caem no meio de uma discussão, os Fala-Mansa só discordam gentilmente, quase pedindo desculpas por não compartilhar uma opinião. Têm horror a polêmicas de qualquer espécie. Seus rituais tribais são quase imperceptíveis e, quando menos se espera, já estão aboletados em cima de um muro.

Este ano estou pensando em sair de Fala-Mansa no carnaval. O problema é gostar da fantasia. Aí vocês vão ver: este blog vai ser só elogios, só paz e amor. Ao que vejo em volta, costuma dar certo. Pois um Fala-Mansa tem sempre um amigo para ajudar, não é?

Postado por: Paulo Roberto Pires | 19/02/2009 - 12:35

"Por acaso, sou filha do meu pai"

“O Senado é uma bagunça”
por Mônica Bérgamo
Funcionária do Senado para cuidar “dos arquivos” do senador Heráclito Fortes (DEM-PI), Luciana Cardoso, filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, diz que prefere trabalhar em casa já que o Senado “é uma bagunça”. A coluna telefonou por três dias para o gabinete, mas não a encontrou. Na última tentativa, anteontem, a ligação foi transferida para a casa de Luciana, que ocupa o cargo de secretária parlamentar.
da Folha de S.Paulo
27 de março de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

Martin Wolf: crise fez emergir nos EUA uma hostilidade explosiva ao setor financeiro


Ainda longe de um resgate bancário bem-sucedido
Se o plano funcionar, pode convencer o americano comum de que seu governo está distribuindo privilégios para Wall Street
Estou cada vez mais preocupado. Nunca esperei muito dos europeus ou dos japoneses. Mas esperava, de fato, que os EUA, sob o comando de um novo presidente popular, fossem mais decisivos do que vêm sendo. Em vez disso, o Congresso deixa-se cair num frenesi populista e o governo fica só esperando pelo melhor.
Caso alguém ainda duvide dos perigos, basta apenas ler as análises mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Projetam contrações entre 0,5% e 1% na produção mundial de 2009, e entre 3% e 3,5% na dos países com economias mais avançadas. Sem dúvida, é a pior crise econômica no mundo desde a década de 30.
É preciso avaliar os planos de estímulo à demanda e resgate de sistemas bancários levando em conta este pano de fundo lúgubre. De forma inevitável, o foco está nos EUA, epicentro da crise e maior economia mundial. O que emergiu no país foi uma hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso discute uma tributação retrospectiva penal dos bônus não apenas da imensa seguradora AIG, mas de todos os receptores de dinheiro do governo sob o programa governamental de recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). E o procurador-geral do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, defende identificar pelo nome os que receberem bônus nas empresas socorridas. Isto, claro, é um convite a um linchamento.
Está evidente por que isso ocorre: a crise quebrou o contrato social dos EUA: as pessoas eram livres para ter sucesso ou fracassar, sem auxílio. Agora, em nome do risco sistêmico, os planos de resgate despejaram somas desconcertantes em instituições falidas que derrubaram a economia. A resposta parlamentar é desastrosa. Caso essas ideias sejam aprovadas, levarão a um êxodo de funcionários de alta capacitação dos bancos dos EUA, minarão a disposição para expandir-se o crédito, destruirão a confiança em acordos assinados com o governo e ameaçarão o Estado de Direito. Presumo que os parlamentares tenham a expectativa de que o presidente os salve de sua tolice. O simples fato de que tais ideias possam ser levadas em conta é um sinal claro da fúria existente.
Este também é o pano de fundo do “programa de investimento de parceria público-privada”, anunciado na segunda-feira pelo secretário do Tesouro, Tim Geithner. Nas palavras do Tesouro, “o programa de investimento público-privado, usando entre US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões de capital do Tarp e de investidores privados, criará poder de compra de US$ 500 bilhões para a aquisição de ativos problemáticos - com potencial para ampliar-se a US$ 1 trilhão ao longo do tempo”. Sob este plano, o governo entra com praticamente toda a parte financeira e arca com quase todo o risco, mas usa o setor privado para avaliar o preço dos ativos. Em troca, os investidores privados obtêm recompensas - talvez recompensas generosas - com base em seu desempenho, via participação patrimonial ao lado do Tesouro.
Eu vejo isto como o “programa de socorro via fundos abutre” (como costumam ser chamados os fundos que compram ativos agonizantes na expectativa de uma recuperação). Será que vai funcionar? Depende do que se quer dizer com “funcionar”. Este não é um mecanismo de um mercado genuíno, porque o governo está subsidiando riscos assumidos. Os preços podem acabar mostrando que não são baixos o suficiente para atrair compradores, ou altos o suficiente para satisfazer os vendedores. Mesmo assim, o programa poderia de fato melhorar o estado horrendo dos livros de negociação dos bancos. Isso não pode ser algo ruim, pode? Bem, sim, pode, caso atrapalhe o caminho de soluções mais fundamentais. Isso porque quase ninguém - certamente o Tesouro também não - acredita que este programa acabará com a subcapitalização crônica das finanças dos EUA. Poderia, é verdade, deixar um pouco mais claro quanto ainda precisa ser revisto para baixo no valor dos ativos nos livros de longo prazo dos bancos.
Por que este programa poderia atrapalhar o caminho da recapitalização necessária? Há dois motivos: primeiro, o Congresso pode decidir que o programa torna a recapitalização menos importante; segundo e mais importante, este plano provavelmente tornará a recapitalização pelo governo ainda mais impopular. Caso o esquema funcione, vários dos gestores de fundos ganharão grandes retornos. Temo que isto convenceria o americano comum de que seu governo está em uma empreitada de distribuição de privilégios a benefício de Wall Street. Agora, imagine o que aconteceria se, depois de os “testes de estresse” dos maiores bancos do país ficarem prontos, o governo concluir - surpresa! - que precisa fornecer mais capital. Como persuadirá o Congresso a pagar?
O perigo é que este programa alcançará, na melhor hipótese, algo não particularmente muito importante - tornar os créditos anteriores mais líquidos - ao custo de dificultar algo que é essencial, a recapitalização dos bancos. Isto é importante porque o governo descartou a única forma de reestruturação das finanças dos bancos que não custaria nenhum dinheiro público adicional: a troca de dívida por patrimônio, ou seja, uma falência de verdade.
Economistas que respeito, como Willem Buiter, por exemplo, condenam esta relutância de imediato. Não há dúvida de que a decisão de bancar os credores de todas as instituições financeiras significativas para o restante do sistema cria receios quanto ao futuro: algo terá de ser feito a respeito do problema “grande demais para falir” que isto cria. Ante isto, o Tesouro insiste que hoje uma onda de falências minaria a confiança nas promessas passadas do governo e geraria novas incertezas. Infelizmente, esta não é uma visão maluca.
Temo, contudo, que a alternativa - uma recapitalização adequada do setor público - também se mostrará impossível. A provisão de dinheiro público a bancos é inaceitável para uma população cada vez mais enfurecida, enquanto o controle dos bancos recapitalizados pelo governo é inaceitável para os banqueiros ainda influentes. Parece ser um impasse. A única saída, sobre a qual o sucesso do plano de segunda-feira poderia ser considerado, seria se a maior transparência trazida pelos novos fundos permitisse aos grandes bancos levantar capital suficiente nos mercados privados. Se isso fosse alcançado na escala necessária - e estamos falando de várias centenas de bilhões de dólares, se não trilhões - o novo programa seria um grande êxito. Mas, mesmo na hipótese de sucesso de definição do preço de ativos e créditos problemáticos, não creio que isso seja suficiente para assegurar esse objetivo. Num mau momento econômico mundial, será que os investidores estarão dispostos a aplicar as enormes quantias requeridas por instituições financeiras imensas e complexas, com histórico comprovado de má administração? A confiança, uma vez destruída, não retorna fácil.
A conclusão, infelizmente, é deprimente. Ninguém pode ter certeza de que os EUA já tenham uma solução viável para seu desastre bancário. Ao contrário, com o público enfurecido, o Congresso em marcha de guerra, o presidente tímido e uma política que depende da capacidade do governo em injetar dinheiro público em instituições subcapitalizadas, os EUA estão num impasse.
Cabe a Barack Obama encontrar uma saída. Quando ele se reunir no grupo de 20 líderes mundiais em Londres na próxima semana, não terá condições de declarar que já a encontrou. Se isto não é assustador, então não sei o que pode ser.
Martin Wolf
25/03/2009
Martin Wolf é colunista do “Financial Times”.

Perigo à vista


O país precisa tomar consciência de que estamos remetendo para o exterior US$ 33,8 bilhões em lucros e dividendos (dados do próprio BC referentes a 2008), independente da dívida interna e seu serviço, que nos custou US$ 162 bilhões em 2008, graças as taxas de juros altas mantidas pelo BC, sem nenhuma necessidade real.
Para se ter uma idéia do crescimento registrado nas remessas de 2008, em 1993, enviamos US$ 2 bilhões e, em 2002, US$ 5 bilhões. Além desse montante, ainda enviamos em 2008, US$ 7,4 bilhões referentes a juros dos empréstimos; mais US$ 2,1 bilhões para pagamento de royalties e serviços; US$ 2,6 bilhões para pagamento de serviço de computação e informação; US$ 7,8 bilhões referentes a aluguel de equipamentos; e, por fim, US$ 10 bilhões de turismo e fretes. No total enviamos US$ 57,2 bilhões para o exterior, bem mais que o dobro de nosso saldo na balança comercial, de US$ 24,7 bilhões.
Como podemos constatar não são os serviços que pesam mais (US$ 16,7 bilhões), mas as rendas (US$ 40,5 bilhões) - ou seja, pagamos esse total em juros, dividendos e lucros. Só de lucros das empresas estrangeiras ou de participação em empresas nacionais, pagamos US$ 26,8 bilhões; de lucro dos investimentos externos em carteiras, rendimentos de compra e venda de ações de empresas, pagamos outros US$ 8,5 bilhões; e de juros dos empréstimos externos, US$ 7,4 bilhões.
Nossa balança comercial e seu saldo já não bastam para pagar sequer as remessas de lucros e precisaria ser 131% maior para toda a conta de rendas e de serviços. Nos últimos anos as remessas de lucros das empresas estrangeiras dispararam e as aplicações especulativas na Bolsa de Valores idem, até a crise de 2008 e a saída de US$ 225 bilhões do país (dos US$ 220 bilhões que haviam sido aplicados em 2008), mostrando os riscos aos quais o Brasil está submetido.
Essa extraordinária e arriscada dependência do Brasil só tende a se agravar se não houver uma mudança radical na política de juros e na política com relação a abertura financeira do país, totalmente liberada no governo Lula, dando seqüência a uma tendência do governo FHC. Sem exigências de permanência no país e sem tributação, os capitais aplicados na bolsa jamais chegam ao setor produtiv. Na prática, ganham dezenas de bilhões de dólares, às vezes, centenas e depois saem do país realizando os lucros.
Os recentes acontecimentos nos Estados Unidos e na Europa deveriam levar nosso país e o governo a uma reavaliação dessa política que, nos últimos anos, permitiu que dezenas de bilhões de dólares fossem aplicados em ações e ganhassem duas vezes com a valorização destas e do real. Tudo isso durante a festa com as commodities que, agora, custam tanto sofrimento e desemprego ao mundo todo.
É necessário, portanto, uma reflexão sobre esse quadro externo do país, principalmente quando o fluxo de comércio e de capitais para o Brasil vêm caindo assustadoramente, se não quisermos enfrentar uma situação insustentável no longo prazo.
Mesmo com a queda das exportações e importações e das remessas de rendas em geral, é preciso conter os gastos com transportes, serviços e turismo, com pagamentos de aluguel de equipamentos, serviços de computação e informação, importação de produtos químicos e farmacêuticos, e defensivos agrícolas, substituindo importações e mudando, radicalmente, nossa política de abertura financeira liberal para uma política de acordo com o interesse nacional, a exemplo de outros países, como a China.

José Dirceu. Ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República
do blog do Noblat

Noam Chomsky: A cara antidemocrática do capitalismo





Pode ser que a paixão pela campanha não seja uma coisa universalmente compartilhada, mas quase todo mundo pode perceber a ansiedade desencadeada pela execução hipotecária de um milhão de residências, assim como a preocupação com os riscos que correm os postos de trabalho, as poupanças e os serviços de saúde.
As propostas iniciais de Bush para lidar com a crise fediam a tal ponto a totalitarismo, que não tardaram a ser modificadas. Sob intensa pressão dos lobbies, foram reformuladas “para o claro benefício das maiores instituições do sistema... uma forma de desfazer-se dos ativos sem necessidade de fracassar ou quase”, segundo descreveu James Rickards, que negociou o resgate federal por parte do fundo de cobertura de derivativos financeiros Long Term Capital Management em 1998, lembrando-nos de que estamos caminhando em terreno conhecido.
As origens imediatas do desmoronamento atual estão no colapso da bolha imobiliária supervisionada pelo presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, que foi quem sustentou a coitada da economia dos anos Bush, misturando o gasto de consumo fundado na dívida com a tomada de empréstimos do exterior. Mas as razões são mais profundas. Em parte, fala-se no triunfo da liberalização financeira dos últimos 30 anos, quer dizer, nas políticas consistentes em liberar o máximo possível os mercados da regulação estatal.
Como era previsível, as medidas tomadas a esse respeito incrementaram a frequência e a profundidade dos grandes reveses econômicos, e agora estamos diante da ameaça de que se desencadeie a pior crise desde a Grande Depressão.
Também era previsível que os poucos setores que cresceram com os enormes lucros oriundos da liberalização demandariam uma intervenção maciça do Estado, a fim de resgatar as instituições financeiras colapsadas.
Esse tipo de intervencionismo é um traço característico do capitalismo de Estado, ainda que na escala atual seja inesperado. Um estudo dos pesquisadores em economia internacional Winfried Ruigrok e Rob van Tulder descobriu, há 15 anos, que pelo menos 20 companhias entre as 100 primeiras do ranking da revista Fortune, não teriam sobrevivido se não tivessem sido salvas por seus respectivos governos, e que muitas, entre as 80 restantes, obtiveram ganhos substanciais através das demandas aos governos para que “socializassem suas perdas”, como hoje o é o resgate financiado pelo contribuinte. Tal intervenção pública “foi a regra, mais que a exceção, nos dois últimos séculos”, concluíram.
Numa sociedade democrática efetiva, uma campanha política teria de abordar esses assuntos fundamentais, observar as causas e os remédios para essas causas, e propor os meios através dos quais o povo que sofre as conseqüências pudessem chegar a exercer um controle efetivo.
O mercado financeiro “despreza o risco” e é “sistematicamente ineficiente”, como escreveram há uma década os economistas John Eatwell e Lance Taylor, alertando sobre os gravíssimos perigos que a liberalização financeira engendrava, e mostrando os custos em que já se tinha incorrido.
Ademais, propuseram soluções que, deve-se dizer, foram ignoradas. Um fator de peso é a incapacidade de calcular os custos que recaem entre aqueles que não participam dessas transações. Essas externalidades podem ser enormes. A ignorância do risco sistêmico leva a uma maior aceitação de riscos que se daria numa economia eficiente, e isso adotando inclusive os critérios menos exigentes.
A tarefa das instituições financeiras é arriscar-se e, se são bem gestionadas, assegurar que as potenciais perdas em que elas mesmas podem incorrer serão cobertas. A ênfase há que pôr-se “nelas mesmas”. Segundo as regras do capitalismo de Estado, levar em conta os custos que para os outros possam ter – as “externalidades” de uma sobrevivência decente – umas práticas que levem, como espectro, a crises financeiras é algo que não lhes diz respeito.
A liberalização financeira teve efeitos para muito além da economia. Há muito que se compreendeu que era uma arma poderosa contra a democracia. O movimento livre dos capitais cria o que alguns chamaram um “parlamento virtual” de investidores e credores que controlam de perto os programas governamentais e “votam” contra eles, se os consideram “irracionais”, quer dizer, se são em benefício do povo e não do poder privado concentrado.
Os investidores e credores podem “votar” com a fuga de capitais, com ataques às divisas e com outros instrumentos que a liberalização financeira lhes serve de bandeja. Essa é uma das razões pelas quais o sistema de Bretton Woods, estabelecido pelos EUA e pela Grã Bretanha depois da II Guerra Mundial, instituiu controle de capitais e regulou o mercado de divisas1.
A Grande Depressão e a Guerra puseram em marcha poderosas correntes democráticas radicais que iam desde a resistência antifascista até as organizações da classe trabalhadora. Essas pressões tornaram possível que se tolerassem políticas sociais democráticas. O sistema Bretton Woods foi, em parte, concebido para criar um espaço no qual a ação governamental pudesse responder à vontade pública cidadã, quer dizer, para permitir certa democracia.
John Maynard Keynes, o negociador britânico, considerou o direito dos governos a restringir os movimentos de capitais a mais importante conquista estabelecida em Bretton Woods.
Num contraste espetacular, na fase neoliberal que se seguiu ao desmonte do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o Tesouro norte-americano passa a considerar a livre circulação de capitais um “direito fundamental”. À diferença, nem precisa dizer, dos pretensos “direitos” garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: direito à saúde, à educação, ao emprego decente, à segurança e outros direitos que as administrações de Reagan e de Bush chamaram com desprezo de “cartas a Papai Noel”, “ridículos” ou meros “mitos”.
Nos primeiros anos, as pessoas não tiveram maiores problemas com o assunto. As razões disso Barry Eichengreen estudou em sua história, impecavelmente acadêmica, do sistema monetário. Nessa obra se explica que, no século XIX, os governos “ainda não estavam politizados pelo sufrágio universal masculino, o sindicalismo e os partidos trabalhistas parlamentares. Por conseguinte, os graves custos impostos pelo parlamento virtual podiam ser transferidos para toda a população.
Porém, com a radicalização da população e da opinião pública que se seguiu à Grande Depressão e à guerra antifascista, o poder e a riqueza privados privaram-se desse luxo. Daí que no sistema Bretton Woods “os limites da democracia como fonte de resistência às pressões do mercado foram substituídos por limites à circulação de capitais.”
O corolário óbvio é que no rastro do desmantelamento do sistema do pós-guerra a democracia tenha sido restringida. Fez-se necessário controlar e marginalizar de algum modo a população e a opinião pública, processos particularmente evidentes nas sociedades mais avançadas no mundo dos negócios, como os EUA. A gestão das extravagâncias eleitorais por parte da indústria de relações públicas constitui uma boa ilustração.
“A política é a sombra da grande empresa sobre a sociedade”, concluiu em seus dias o maior filósofo norte-americano do século XX, John Dewey, e assim seguirá sendo, enquanto o poder consista “nos negócios para benefício privado através do controle da banca, do território e da indústria que agora se vê reforçada pelo controle da imprensa, dos jornalistas e sobretudo dos meios de publicidade e propaganda.”
Os EUA tem efetivamente um sistema de um só partido, o partido dos negócios, com duas facções, republicanos e democratas. Há diferenças entre eles. Em seu estudo sobre A Democracia Desigual: a economia política da nova Era da Cobiça, Larry Bartels mostra que durante as últimas seis décadas “a renda real das famílias de classe média cresceu duas vezes mais rápido sob administração democrata que republicana, enquanto a renda real das famílias pobres da classe trabalhadora cresceu seis vezes mais rápido sob os democratas que sob os republicanos”.
Essas diferenças também podem ser vistas nestas eleições. Os eleitores deveriam tê-las em conta, mas sem ter ilusões sobre os partidos políticos, e reconhecendo o padrão regular que, nos últimos séculos, vem revelando que a legislação progressista e de bem-estar social sempre foram conquistas das lutas populares, nunca presentes dos de cima.
Essas lutas seguem ciclos de êxitos e de retrocessos. Hão de ser travadas a cada dia, não só a cada quatro anos, e sempre visando à criação de uma sociedade genuinamente democrática, capaz de resposta em toda parte, nas urnas não menos do que no posto de trabalho.
Noam Chomsky
14 de outubro de 2008
Noam Chomsky é professor emérito de lingüística no MIT – Massachussets Institute of Technology.

Mais do que paredes e teto



O Brasil conviveu, a partir do final do século XIX, com um dos processos de urbanização mais acelerados e improvisados do planeta. Dezenas de milhões de habitantes migraram das áreas rurais, que durante os primeiros séculos da vida do País eram o centro da vida econômica e social, para núcleos urbanos.
São Paulo, que um autor de meados do século XIX definia como “uma vila medíocre”, passou à condição de maior cidade da América do Sul. O Rio de Janeiro, graças à audaciosa intervenção do prefeito Pereira Passos, respaldado diretamente pelo presidente Rodrigues Alves, assumiu a condição de “cidade maravilhosa”.
O efeito correlato, no Rio, foi o surgimento das primeiras favelas, em que se instalou a população expulsas das localidades insalubres que deixaram de existir no centro urbano. E a transformação de São Paulo no núcleo mais dinâmico da economia semeou, ao redor do centro, primeiro a periferia e depois um colar de cidades dormitórios, com graves problemas urbanísticos.
Mudanças na economia jogaram populações enormes de um canto para outro de nosso território em períodos cada vez mais curtos. Nordestinos que, tangidos pela seca, vieram tentar a sorte no norte do Paraná, depois de algumas décadas de prosperidade, viram-se sem perspectiva de sobrevivência com a substituição das culturas do café pela soja. Reuniram o pouco que possuíam e foram tentar a sorte nas cidades do sudoeste paulista, nelas originando bairros desprovidos de estrutura, habitados por pessoas despreparadas para as exigências da vida urbana.
Fruto desse longo e desordenado processo é o nosso déficit habitacional que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva agora se propõe a enfrentar com uma proposta ainda precariamente alinhavada de construção de um milhão de moradias, boas partes das quais produzidas com custos subsidiados.
Num momento em que o País convive com as seqüelas de uma crise sem precedentes na economia mundial, a proposta de injetar pesados recursos na área habitacional - que absorve grandes quantidades de mão de obra e dinamiza dezenas de indústrias fornecedoras dos insumos necessários - tem pontos positivos.
Há, também, desafios enormes que não se sabe como serão enfrentados: a articulação com milhares de municípios, que nos planos subsidiados serão parceiros do projeto, fornecendo os terrenos; a garantia de que os novos bairros se integrem às áreas urbanas previamente existentes sem tornarem guetos.
indispensável definir os programas de saneamento que assegurem água e esgoto às populações que nele se instalarão; vencer a nossa falta de experiência com a produção em grande escala de moradias para os grupos sem condições de acesso a elas pela via do mercado e, último, mas não menos importante, o gerenciamento do bom uso dos recursos investidos e a fiscalização que garanta a qualidade da obra construída.
A moradia tem uma dimensão social e de qualificação para a cidadania. É bem mais do que um conjunto de paredes e teto. Garantir os recursos para construir um milhão de casas é apenas parte do desafio que o governo terá de enfrentar. O mais difícil é garantir que cada uma delas se torne um núcleo animado pelo sentimento de cidadania e pertencimento a uma comunidade. Esse, talvez, seja o maior desafio da proposta e o mérito desta depende de como ele venha a ser equacionado.

Antonio Carlos Pannunzio é deputado federal pelo PSDB-SP, membro da Comissão de Constituição e Justiça.
do blog do Noblat

O lobista da vez


DEU NA FOLHA DE S.PAULO E ESTADO DE S.PAULO
Da coluna Painel:
Deputados e senadores reconheceram de imediato o prenome "Guilherme", citado de passagem na decisão judicial que deflagrou a Operação Castelo de Areia. Trata-se de Guilherme Cunha Costa, que até 2007 era o operador político da Fiesp em Brasília. Nesse ano, a pedido do vice-presidente da Camargo Corrêa, Fernando Botelho, transferiu-se para o escritório da construtora na capital. Mas, segundo congressistas, Costa continua a lhes transmitir as mensagens do presidente da federação, Paulo Skaf.
Em 2005, quando Severino Cavalcanti (PP-PE) presidia a Câmara, Costa atuou para instalar o ex-deputado Augusto Nardes no TCU. Pelo gabinete do ministro transitam processos que envolvem a Camargo.
De David Friedlander:
A Operação Castelo de Areia aponta para o envolvimento pessoal do empresário Fernando de Arruda Botelho, um dos sócios do grupo Camargo Corrêa, no suposto esquema de distribuição de dinheiro para partidos políticos apontado pela Polícia Federal. Vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Botelho foi grampeado pela PF discutindo uma aparente confusão com recursos que a empreiteira teria mandado para Brasília. Nesse diálogo aparece o nome de Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): "Eu falei com o Paulo Skaf agora e ele falou que não foi feito ainda", afirmou Botelho. Leia mais em: Empresário é elo entre Fiesp e empreiteira
Enviado por Ricardo Noblat -
27.3.2009

Eric Hobsbawn compara crise à queda da União Soviética, mas diz que pode fortalecer a direita



Hobsbawn: Estado terá papel maior na economia daqui por diante
“A esquerda está virtualmente ausente. Assim, parece-me que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com possível exceção nos Estados Unidos, será a direita”, disse o historiador Eri Hobsbawn, ao comparar o momento ao dramático colapso da União Soviética.
"Agora sabemos que estamos no fim de uma era e não se sabe o que virá pela frente”, afirmou ele.
Hobsbawn diz não acreditar que a linguagem marxista, que lhe serviu de norte ao longo de toda sua carreira, será proeminente politicamente, mas intelectualmente “a análise marxista sobre a forma com a qual o capitalismo opera será verdadeiramente importante”.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Muitos consideram o que está acontecendo como volta ao estatismo e até do socialismo. O senhor concorda?
Bem, certamente estamos vivendo a crise mais grave do capitalismo desde a década de 30. Lembro-me de título recente do Financial Times que dizia: "O capitalismo em convulsão". Há muito tempo não lia título como esse no Financial Times.
Agora, acredito que esta crise está sendo mais dramática por causa dos mais de 30 anos de certa ideologia “teológica” do livre mercado, que todos os governos do Ocidente seguiram. porque, como Marx, Engels e Schumpter previram, a globalização - que está implícita no capitalismo -, não apenas destrói a herança da tradição como é incrivelmente instável: opera por meio de uma série de crises.
E o que está acontecendo agora está sendo reconhecido como o fim de era específica. Todos concordam que, de uma forma ou de outra, o Estado terá papel maior na economia daqui por diante.
Qualquer que seja o papel que os governos venham a assumir, será empreendimento público de ação e iniciativa, que será algo que orientará, organizará e dirigirá também a economia privada. Será muito mais economia mista do que tem sido até agora.

E em relação ao Estado como redistribuidor? O que tem sido feito até agora parece mais pragmático do que ideológico...
Acho que continuará sendo pragmático. O que tem acontecido nos últimos 30 anos é que o capitalismo global vem operando de uma forma incrivelmente instável, exceto, por várias razões, nos países ocidentais desenvolvidos.
No Brasil, nos anos 80, no México, nos 90, no sudeste asiático e Rússia, nos anos 90, e na Argentina, em 2000: todos sabiam que estas coisas poderiam levar a catástrofes a curto prazo. E para nós isto implicava quedas tremendas do FTSE (índice da bolsa de Londres), mas seis meses depois, recomeçávamos de novo.
Agora, temos os mesmos incentivos que tínhamos nos anos 30: se não fizermos nada, o perigo político e social será profundo e ainda mais depois de tudo, da forma com a qual o capitalismo se reformou durante e depois da guerra sob o princípio de “nunca mais” aos riscos dos anos 30.

O senhor viu esses riscos se tornarem realidade: estava na Alemanha quando Adolf Hitler chegou ao poder. O senhor acredita que algo parecido poderia acontecer como conseqüência dos problemas atuais?
Nos anos 30, o claro efeito político da Grande Depressão a curto prazo foi o fortalecimento da direita. A esquerda não foi forte até a chegada da guerra. Então, eu acredito que este é o principal perigo.
Depois da guerra, a esquerda esteve presente em várias partes da Europa, inclusive na Inglaterra, com o Partido Trabalhista, mas hoje isso já não acontece.
A esquerda está virtualmente ausente, Assim, me parece que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com uma possível exceção – pelo menos eu espero – nos Estados Unidos, será a direita.

O que vemos agora não é o equivalente à queda da União Soviética para a direita? Os desafios intelectuais que isto implica para o capitalismo e o livre mercado são tão profundos como os desafios enfrentados pela esquerda em 1989?
Sim, concordo. Acredito que esta crise é equivalente ao dramático colapso da União Soviética. Agora sabemos que acabou uma era. Não sabemos o que virá pela frente.
A globalização, que está implícita no capitalismo, não apenas destrói uma herança da tradição como também é incrivelmente instável: opera por meio de uma série de crises.
Temos um problema intelectual: estávamos acostumados a pensar até então que havia apenas duas alternativas: ou o livre mercado ou o socialismo. Mas, na realidade, há muito poucos exemplos de um caso completo de laboratório de cada uma dessas ideologias.
Então eu acho que teremos de deixar de pensar em uma ou em outra e devemos pensar na natureza da mescla. E principalmente até que ponto esta mistura será motivada pela consciência do modelo socialista e das conseqüências sociais do que está acontecendo.

O senhor acredita que regressaremos à linguagem do marxismo?
Desde a crise dos anos 90, são os homens de negócio que começaram a falar assim: “Bem, Marx predisse esta globalização e podemos pensar que este capitalismo está fundamentado em uma série de crises”.
Não acredito que a linguagem marxista será proeminente politicamente, mas intelectualmente a natureza da análise marxista sobre a forma com a qual o capitalismo opera será verdadeiramente importante.

O senhor se sente um pouco recuperado depois de anos em que a opinião intelectual ia de encontro ao que o senhor pensava?
Bem, obviamente há um pouco a sensação de schadenfreude (regozijo pela desgraça alheia). Sempre dissemos que o capitalismo iria se chocar com suas próprias dificuldades, mas não me sinto recuperado.
O que é certo é que as pessoas descobrirão que de fato o que estava sendo feito não produziu os resultados esperados.
Durante 30 anos, os ideólogos disseram que tudo ia dar certo: o livre mercado é lógico e produz crescimento máximo. Sim, diziam que produzia um pouco de desigualdade aqui e ali, mas também não importava muito porque os pobres estavam um pouco mais prósperos.
Agora sabemos que o que aconteceu é que se criaram condições de instabilidades enormes, que criaram condições nas quais a desigualdade afeta não apenas os mais pobres, como também cada vez mais uma grande parte da classe média.
Sobretudo, nos últimos 30 anos, os benefíciários deste grande crescimento temos sido nós, no Ocidente, que vivemos uma vida imensuravelmente superior a qualquer outro lugar do mundo. E me surpreende muito que o Financial Times diga que o que se espera que aconteça agora é que este novo tipo de globalização controlada beneficie a quem realmente precisa, que se reduza a enorme diferença entre nós, que vivemos como príncipes, e a enorme maioria dos pobres.
Hobsbawm Qua, 05 de novembro de 2008 07:57

Modelo de imóveis populares divide opiniões

Especialistas em engenharia e arquitetura ouvidos pelo jornal O Globo têm visões diferentes quanto ao padrão da cartilha da Caixa Econômica Federal (CEF) para moradias de baixa renda, que estabelece em 35 metros quadrados o tamanho das casas com dois quartos, sala, cozinha e banheiro e em 42 metros quadrados apartamentos com planta semelhante, acrescida de área de serviço. Alguns consideram viável, dentro da disponibilidade de renda de quem vai adquirir as unidades. Mas há também a defesa de que um imóvel com a metragem estabelecida não é ideal para famílias numerosas.
A presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Deise Goes, acha as plantas "pequenas demais" para famílias com seis, oito pessoas. Já o arquiteto Flávio Klener diz que as duas plantas são viáveis e que apartamentos de 43 metros quadrados foram lançados em 2008 em bairros da Zona Oeste e Baixada.
Para o presidente do Conselho Regional de Arquitetura e Engenharia (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, as plantas se assemelham a construções existentes no país, como flats e, dentro da renda disponível, melhoram a qualidade de vida.
do blog do Ricardo Noblat -
27.3.2009

quinta-feira, 26 de março de 2009

Não estamos condenados ao capitalismo perpétuo



O que há de mais dramático na história é o fato de que tudo que aconteceu no passado poderia ter acontecido de maneira um pouco diferente. Dessa constatação, devemos extrair a conseqüência: tudo que está acontecendo hoje poderia estar acontecendo de maneira um pouco diferente.
Antigamente (lá pelo final do século 19), alguns autores marxistas, preocupados em defender a inteligibilidade da história, recusando-se ─ com razão ─ a entregá-la ao império do acaso, sustentaram uma versão determinista do materialismo histórico. Convenceram-se de que, no movimento da história, tudo fazia sentido porque tudo correspondia a causas objetivamente necessárias.
Essa concepção determinista ajudava os socialistas a suportar a repressão, a superar o desânimo causado pelas derrotas. Pensavam eles: estamos aqui, sendo presos, torturados, porém, de fato, estamos na crista da onda constituída pela classe operária, que nos apóia e que necessariamente vai nos levar à vitória.
Esse pensamento tinha um grave inconveniente: na medida em que a onda proletária supostamente os impulsionava, os socialistas não eram suficientemente desafiados a tomar iniciativas, a assumir riscos, a ser criativos. Suportavam os maus momentos, mas não criavam os bons momentos na freqüência desejada.
Diversos autores combateram o determinismo no campo da história política e cultural. Antonio Gramsci, Georg Lukács, Walter Benjamin, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Jean Paul Sartre contribuiram decisivamente para esse combate.
Na Alemanha, impõe-se a recordação da advertência de Rosa Luxemburgo: “Podemos ir para o socialismo, porém também podemos escorregar para a barbárie”. No Brasil, não podemos deixar de lembrar, com orgulho, a rica obra crítica de Antonio Candido.
A partir de determinado período, na segunda metade do século 20, o determinismo foi se deslocando da esquerda para a direita. Até chegar à figura de Margareth Thatcher, que foi primeira-ministra da Inglaterra e era chamada de Dama de Ferro.
Depois de aprofundados estudos, que lhe tomaram cerca de 10 minutos por semana, a Dama de Ferro chegou à conclusão de que os fatos e os dados estavam mostrando com clareza que não havia alternativa para o capitalismo.
O movimento inexorável da história, afinal, tinha conduzido a humanidade a seu destino natural, a sua meta definitiva. Não havia do que reclamar. “There is no alternative (não há alternativa), repetia Thatcher. A frase foi dita por ela tantas vezes que acabou sendo transformada numa fórmula condensada, num apelido composto a partir das letras iniciais de cada uma das quatro palavras: de there is no alternative surgiu TINA.
A política, contudo, é um campo de batalha cruel. Ninguém pode proteger os detentores do poder e os detentores da riqueza contra o desgaste que a história lhes impõe. A erosão não respeita ninguém: nem professores universitários, eruditos, nem torneiros mecânicos escassamente familiarizados com a norma culta do idioma português. Os detentores do poder e da riqueza, mesmo solidamente instalados na direção da sociedade, pedem constantemente a seus ideólogos que lhe dêem apoio teórico.
Recorrem sobretudo aos economistas. E os economistas produzem prontamente uma rica oferta para essa demanda. De Delfim Neto ao engraçado George Vidor, passando por Miriam Leitão, os economistas vão elaborando esquemas explicativos que tendem a anular a esfera das iniciativas político-econômicas mais ousadas, apresentando a submissão de tudo e de todos ao mercado como conseqüência de um processo histórico fatal, inexorável.
É a volta do determinismo. Dessa vez, ele não assegura o avanço do proletariado, não garante aos revolucionários que eles estão na crista da onda, que nada poderá detê-los. Dessa vez, o determinismo ─ globalizado ─ apregoa, nos quatro cantos da terra, que a única sabedoria possível no mundo atual é resignar-se à vida pautada pela vitória do capitalismo.
Se observarmos a situação de um ponto de vista crítico, entretanto, o quadro não nos parecerá tão idílico. Em meados do século 19, Marx fez críticas contundentes ao capitalismo. Afirmou que o mercado, transformado em centro da sociedade, danifica seriamente os valores qualitativos dos seres humanos (reduzindo-os ao dinheiro). Sustentou que a exploração do trabalho pelo capital, nas condições de privilégio da propriedade privada, constitui o fenômeno da mais-valia, incompatível com a remuneração justa. Diagnosticou no capitalismo uma contradição grave entre o caráter social da produção e o caráter individual da apropriação. Marx constatou, também, que, nas condições de hipercompetição, as pessoas não conseguem superar as distorções ideológicas e desperdiçam criatividade (são alienadas).
Em sua história atual (essa mesma que o determinismo se esforça para negar), o capitalismo não resolveu nenhum dos problemas apontados por Marx. De onde seus propagandistas extraem tanta empáfia?

Leandro Konder, maio de 2007,
.de Socialismo e Liberdade

Sombras no avanço da esquerda



Pouco mais de 36% dos venezuelanos decidiram, no referendo recente, pela totalidade do povo da Venezuela ao suprimir restrições à ilimitada reeleição dos governantes do país. A consulta foi feita para legitimar a pretensão de Chávez a um novo mandato, daqui a 4 anos. Grave é o fato de que a larga proporção dos que se abstiveram expressa apenas que os que preferem a alternância de poder não demonstraram ter condições de propor ao país uma alternativa consistente ao continuísmo de Chávez. A Venezuela é, hoje, um país governado em nome dos que se omitem.
Estaríamos em face de mais uma ditadura latino-americana, não fossem as peculiaridades do que ocorre na Venezuela e se estende à Bolívia e ao Equador. A notícia que vem sendo difundida pela imprensa desde o ano passado, de que as novas constituições e as mudanças constitucionais nesses três países são obras de um professor espanhol de direito, da Universidade de Valência, Roberto Viciano Pastor, propõe que se reveja, com outros olhos, a dinâmica do que vem sendo chamado de nova esquerda na América Latina. O que ocorre na Venezuela é apenas a ponta de uma ampla transformação política em andamento na região.
Viciano Pastor, de farda negra, já estendeu o braço direito em saudação fascista ao ditador da Espanha, o falecido generalíssimo Franco. Vem da direita católica ultramontana, pertence hoje ao Partido Comunista Espanhol e faz parte de uma entidade que se dedica à gestação e assessoramento de mudanças constitucionais na América Latina. A mobilização política se dá em nome dos novos sujeitos da ação política. Não só os que foram marginalizados ao longo da história latino-americana pelo modelo de Estado e de partido político que é basicamente expressão do legado da Revolução Francesa, mas os que foram marginalizados e subestimados pela esquerda marxista, como os camponeses e os índios. Deprecia a democracia representativa e propõe a manifestação plebiscitária de um poder popular articulado em torno de um presidencialismo concentrador, forte e continuísta. A ideologia dessas orientações é antidemocrática e integrista, de um autoritarismo dissimulado na mecânica das reeleições e na mobilização dos pobres e desvalidos como novos sujeitos de referência, de direitos e de ação política.
Em boa parte, a possibilidade dessa cruzada de direita dissimulada de esquerda no discurso verbalmente radical, nacionalista ou regionalista e anti-imperialista, surgiu com o fim da Guerra Fria e seus efeitos devastadores para os partidos comunistas, sobretudo aqui, em que sempre foram fracos. A esquerda latino-americana em boa parte o era porque aprisionada na polarização do confronto Leste-Oeste, reduzindo todos os descontentamentos sociais, até de quem proletário não era, à visão de mundo do proletariado teórico de Marx. O fim da polarização ideológica internacional suprimiu as mediações políticas dos muitos e diferentes descontentamentos sociais deixando a massa dos insatisfeitos livres de enquadramentos políticos postiços, mas ao mesmo tempo à mercê de novas ideologias e de novos demagogos de algum modo identificados com os movimentos populares ou até deles oriundos.
Na era que se abriu com o fim da Guerra Fria, há duas grandes tendências ideológicas influentes no aparelhamento e no direcionamento dos descontentamentos sociais latino-americanos e não só a do grupo espanhol influente na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Também originário da direita católica, há o amplo leque de influência ideológica e política dos seguidores do falecido Louis Althusser. Era ele um francês nascido na Argélia, que fora militante da juventude católica. Tornou-se comunista e promoveu uma releitura da obra de Marx que, justamente, a priva do seu princípio constitutivo, o princípio da contradição. Ela a reduz a um sistema de classificações conceituais que nega a práxis e sua historicidade social e politicamente transformadora nas sobredeterminações de instâncias com relativa autonomia, como a ideologia e a religião.
O pensamento althusseriano se difundiu na América Latina a partir da França e da esquerda francesa e se difundiu também no meio católico, especialmente entre teólogos, a partir da Bélgica, da Universidade de Louvain, uma universidade católica. Essa outra tendência foi formativamente influente no surgimento e ascensão do PT, no Brasil, na Nicarágua sandinista e, agora, no Paraguai. Não é casual que o MST no Brasil, que tem como referência teórica e doutrinária a obra de uma discípula de Althusser, atue como partido político e preconize as mesmas soluções políticas integristas viabilizadas pelo grupo espanhol para a Venezuela, o Equador e a Bolívia.
Essas reorientações teóricas e ideológicas, que nos vêm, na verdade, da grande tradição do pensamento conservador, se complicam num cenário político em que as demandas sociais interpelam a sociedade legada pela dominação colonial e pela escravidão. São demandas de esquerda porque questionam as estruturas sociais injustas, as iniquidades que se renovam, a economia que não gesta transformações nem viabiliza uma sociedade nova, de desigualdades sociais no mínimo atenuadas. Mas as respostas oriundas desse neoautoritarismo, que se materializa nos governos da nova esquerda latino-americana, têm sido, na verdade, respostas de direita. O integrismo que as norteia propõe uma refundação da sociedade e não sua transformação. Quando o MST fala em 500 anos de latifúndio, remete-nos para a negação da história já feita e realizada e não se revela capaz, como também ocorre com o PT e vem ocorrendo com os governos desses diferentes países, de propor um projeto histórico em que a mudança se dê pela superação das contradições que geram a pobreza e a injustiça. O discurso sobre os novos sujeitos não redistribui possibilidades de mudança e de esperança. Redistribui as injustiças pela troca de lugar social de suas vítimas e não pela superação das causas das iniquidades sociais.
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José de Souza Martins é sociólogo e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da USP. Entre seus livros mais recentes, Retratos do silêncio, Sociologia da fotografia e da imagem e A sociabilidade do homem simples. Este artigo foi originalmente publicado em O Estado de S. Paulo, 22 fev. 2009.

de Gramsci e o Brasil

Conferência Nacional de Comunicação, antes tarde do que nunca

Bastou o governo confirmar a Conferência Nacional de Comunicação e a campanha contra começou. E a ordem veio de cima, bem de cima: da associação internacional dos donos da mídia no continente, conhecida pela sigla SIP (Sociedade Interamericana de Prensa).

No Brasil, comunicação sempre foi um não-assunto. Contam-se nos dedos os jornais que, em algum momento, abriram espaço para uma reflexão crítica a respeito do próprio trabalho. Para o rádio e a televisão dispensam-se os dedos, não há autocrítica. Se do conteúdo informativo pouco ou nada se fala, sobre as lutas de seus trabalhadores o silêncio é total. Lembro uma campanha salarial liderada pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná que espalhou outdoors por Curitiba com a frase "a nossa dor não sai nos jornais". Naquela época, anos 1980, as dores de outras categorias até apareciam em algumas páginas, menos a dos jornalistas.

E os jornalistas, além das suas dores e angústias profissionais, têm muito a falar sobre a sociedade e os meios de comunicação. Muito mais do que seus patrões permitem. Claro que há jornalistas e jornalistas, como lembrou em artigo exemplar nesta página Marcelo Salles. São, de um lado, os que estão comprometidos com as imprescindíveis e necessárias transformações sociais e, de outro, os ventríloquos dos que lhes pagam altos salários no fim do mês. A maioria ganha pouco, trabalha muito e tem que ficar quietinha cumprindo as pautas determinadas pelos interesses empresariais.

Essa divisão se já era bem nítida, agora escancarou-se diante da anunciada realização da Conferência Nacional de Comunicação, reivindicação histórica de vários setores da sociedade. Bastou o governo confirmar o evento, a campanha contra começou. E a ordem veio de cima, bem de cima: da associação internacional dos donos da mídia no continente, conhecida pela sigla SIP (Sociedade Interamericana de Prensa). A entidade se diz preocupada "porque os debates (na Conferência) serão conduzidos por ONGs e movimentos sociais que pretendem interferir no funcionamento da imprensa". Expressão que pode ser traduzida pelo temor diante da possibilidade de um debate mais sério e aprofundado sobre o pensamento único imposto pelos grandes meios de comunicação aos nossos países. Afinal, debates como o proposto podem conduzir a ações práticas, capazes de impor limites a esse poder incontrolado.

Do lado patronal dificilmente sairia posição diferente, afinal estão defendendo interesses de classe seculares. O triste é constatar que enquanto centenas de trabalhadores da mídia mobilizam-se em todo o Brasil a favor da realização da Conferência, uns poucos jornalistas e radialistas, agem em sentido contrário. Caso emblemático é o de um âncora e de uma repórter da rádio CBN que usaram longos minutos da programação para ecoar pelo país as posições dos seus patrões. Usavam o velho procedimento dos comunicadores populares, decodificando para grandes audiências as concepções ideológicas de quem lhes paga os salários. Esbanjando informalidade, usando a ridicularização como arma, eles levam ao ouvinte as mesmas idéias que os jornais apresentam de forma mais elaborada, nos editoriais ou nas colunas dos seus articulistas. Colaboram, dessa forma, para popularizar as idéias da classe dominante tornando-as dominantes em toda a sociedade, como já notava aquele pensador do século 19, cada vez mais atual.

Mas há resistência. Rapidamente os sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal e do Estado do Rio de Janeiro foram a público repudiar a posição da SIP e dos seus porta vozes nacionais. Os jornalistas do DF através de sua entidade perguntam "O que pretendem os grandes empresários da comunicação? Pressionar o governo para retirar o apoio à Conferência, facilitando assim a manutenção intacta dos oligopólios que dominam, e que manipulam a informação, em detrimento do interesse público". E os fluminenses afirmam: "A nossa entidade não pode silenciar diante do posicionamento pouco democrático manifestado pela SIP. É preciso deixar bem claro que o patronato mente quando diz que defende a liberdade de imprensa, pois está, isto sim, defendendo de fato a liberdade de empresa, que não aceita a ampliação dos espaços midiáticos a serem ocupados pelos mais amplos setores representativos do povo brasileiro, como são os movimentos sociais".

Apesar das pressões, não há dúvida que a Conferência vai sair. Pelos estados já se realizam conferências regionais preparatórias para o encontro nacional marcado para o começo de dezembro, em Brasília. Diante do fato irreversível, as entidades patronais tentam impor suas pautas ao debate. Segundo a Folha de S.Paulo, para Paulo Tonet, da Associação Nacional de Jornais, discutir monopólio e propriedade cruzada é um retrocesso. Para ele o tema tem que ser "conteúdo nacional e igualdade de tratamento regulatório". Mais uma frase que precisa tradução: ele quer dizer que a Conferência só deve tratar dos interesses das empresas de rádio e televisão, preocupadíssimas com a entrada no mercado de radiodifusão das operadoras de telecomunicações.

E parte para o sofisma ao chamar de retrocesso a discussão em torno do monopólio e da propriedade cruzada dos meios de comunicação, sem dúvida a maior chaga existente na comunicação social brasileira. Não há como democratizá-la sem que se enfrente com determinação esse obstáculo.

O tema geral da Conferência será "Comunicação: Direito e Cidadania na Era Digital". Amplo o suficiente para caber tudo. Daí a importância da mobilização nacional, necessária para impedir que os interesses empresarias da mídia se sobreponham aos da sociedade. Conferências de

outros setores, como saúde, educação e direitos humanos, por exemplo, tem sido decisivas para o encaminhamento das respectivas políticas públicas. A da comunicação não pode fugir à regra.

* Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Por Laurindo Lalo Leal Filho* 25/03/2009
(Envolverde/Agência Carta Maior)

Empresa doou R$ 30 mi a partidos desde 2002

A Camargo Corrêa é uma das grandes doadoras legais de partidos, políticos e comitês eleitorais, especialmente de PSDB, DEM e PT. Desde 2002, foram ao menos R$ 30 milhões.
Nas eleições municipais de 2008, as empresas do grupo doaram R$ 5,96 milhões. O campeão foi o comitê financeiro municipal único do DEM de São Paulo, que tinha o prefeito Gilberto Kassab concorrendo à reeleição. Foram R$ 3 milhões.
No caso de doações diretas para os candidatos, os que mais receberam foram o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), com R$ 300 mil; sua adversária na campanha do ano passado, Gleisi Hoffmann (PT), mulher do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com R$ 500 mil; e o também petista João da Costa (PE), com R$ 200 mil.
A Camargo Corrêa já havia sido a maior doadora individual da campanha à Prefeitura de São Paulo de José Serra (PSDB) em 2004, com R$ 1,016 milhão. Kassab era o vice de Serra.
Levantamento do site Às Claras mostra que a Camargo Corrêa doou, ao todo, R$ 4,18 milhões em 2004. Dos 10 candidatos que mais receberam, 5 eram do PT, 3, do PSDB e 1, do então PFL (hoje DEM).
Os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que, na corrida presidencial de 2006, empresas do grupo doaram R$ 3,54 milhões para o comitê de reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Geraldo Alckmin (PSDB) recebeu R$ 400 mil. Em 2006, foram mais de R$ 13 milhões doados. O senador Garibaldi Alves (PMDB) recebeu R$ 400 mil, o governador Aécio Neves (PSDB-MG) e a senadora Roseana Sarney (PMDB), R$ 300 mil, cada um. O senador Aloizio Mercadante (PT), R$ 200 mil, assim como o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT). Assinante do jornal leia mais em: Empresa doou R$ 30 mi a partidos desde 2002
Blog do Noblat

Tesouro e Fed defendem dólar como reserva

SÃO PAULO - A proposta da China para que o dólar seja substituído por uma nova moeda internacional de reserva foi criticada ontem por membros atuais e antigos do governo americano. A China seguiu os passos da Rússia, que levantou a mesma discussão na semana passada.
O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, e o presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, rebateram as sugestões.
Em uma audiência no Congresso americano, a representante Republicana por Minnesota, Michele Bachmann perguntou a Geithner: " O senhor repudiaria categoricamente a sugestão feita esta manhã pela China, e também pela Rússia, de que os Estados Unidos deveriam se afastar do dólar e adotar uma moeda global, secretário? Geithner respondeu: " Sim, repudiaria. " Ela fez a mesma pergunta para Bernanke, que disse: " Eu também. "
O presidente do banco central da China, Zhou Xiaochuan, pediu na segunda-feira uma reorganização do sistema monetário mundial, para permitir um uso mais amplo dos Direitos Especiais de Saque (DES) - Special Drawing Rights (SDRs) - criados em 1965 pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), como um ativo de reserva internacional.
Os comentários de Zhou seguiram-se a observações feitas pela Rússia na semana passada, de que encaminharia uma proposta na reunião do G-20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, que ocorre em 2 de abril, para a criação de uma nova moeda de reserva global.
O primeiro-ministro da Austrália Kevin Rudd censurou a ideia de desalojar o dólar do posto de principal moeda de reserva do mundo, dizendo em Washington na segunda-feira: " A posição do dólar...continua incontestada " .
O ex-presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, foi na mesma linha. " Acho que os chineses são um pouco ingênuos ao dizer ? agora não é tão ruim manter todos esses dólares ? . Eles mantêm os dólares porque escolheram comprar dólares e eles não querem vender os dólares porque não querem depreciar sua moeda. Eles deveriam fazer as contas e não vir reclamando de nós por tudo que acontece. "
A China tem US$ 1,95 trilhão em reservas. Boa parte está investida em dólares.
O dólar vem perdendo valor na crise financeira. E caiu mais depois que o Fed disse que compraria até US$ 300 bilhões em títulos do Tesouro e após os EUA terem divulgado planos, esta semana, de comprar até US$ 1 trilhão em ativos bancários sem liquidez.
Li Xiangyang, da Academia Chinesa de Ciências Sociais, financiada pelo governo, disse que as aquisições de títulos pelo governo americano são " irresponsáveis " porque podem depreciar o dólar, em seminário realizado ontem em Pequim. Existe também a possibilidade de outros países desvalorizarem suas moedas, caso o dólar continue caindo, argumentou.
" A China é refém " , disse Andy Xie, analista independente lotado em Xangai e ex-economista-chefe do Morgan Stanley para a Ásia. " A China é o banco dos EUA e os EUA estão dizendo basicamente que não há nada que você possa fazer contra mim. Se eu falir, você não recebe. "
(Valor Econômico, com agências internacionais)

Juízes consideram que a acusação de Gilmar contra De Sanctis foi leviana


O Conversa Afiada reproduz a nota de esclarecimento veiculada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) contra as declarações do presidente do STF, Gilmar Mendes, na sabatina de ontem na Folha de S.Paulo.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, entidade de âmbito nacional da magistratura federal, vem a público manifestar sua veemente discordância em relação à afirmação feita pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que, ao participar de sabatina promovida pelo jornal “Folha de S. Paulo”, disse que, ao ser decretada, pela segunda vez, a prisão do banqueiro Daniel Dantas, houve uma tentativa de desmoralizar-se o Supremo Tribunal Federal e que (sic) “houve uma reunião de juízes que intimidaram os desembargadores a não conceder habeas corpus”.
Conquanto se reconheça ao ministro o direito de expressar livremente sua opinião, essas afirmações são desrespeitosas aos juízes de primeiro grau de São Paulo, aos desembargadores do Tribunal Regional Federal da Terceira Região e também a um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, é imperioso lembrar que, ao julgar o habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal em favor do banqueiro Daniel Dantas, um dos membros dessa Corte, o ministro Marco Aurélio, negou a ordem, reconhecendo a existência de fundamento para a decretação da prisão. Não se pode dizer que, ao assim decidir, esse ministro, um dos mais antigos da Corte, o tenha feito para desmoralizá-la. Portanto, rejeita-se com veemência essa lamentável afirmação.
No que toca à afirmação de que juízes se reuniram e intimidaram desembargadores a não conceder habeas corpus, a afirmação não só é desrespeitosa, mas também ofensiva. Em primeiro lugar porque atribui a juízes um poder que não possuem, o de intimidar membros de tribunal. Em segundo lugar porque diminui a capacidade de discernimento dos membros do tribunal, que estariam sujeitos a (sic) “intimidação” por parte de juízes.
Não se sabe como o ministro teria tido conhecimento de qualquer reunião, mas sem dúvida alguma está ele novamente sendo veículo de maledicências. Não é esta a hora para tratar do tema da reunião, mas em nenhum momento, repita-se, em nenhum momento, qualquer juiz tentou intimidar qualquer desembargador. É leviano afirmar o contrário.
Se o ministro reconhece, como o fez ao ser sabatinado, que suas manifestações servem de orientação em razão de seu papel político e institucional de presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, deve reconhecer também que suas afirmações devem ser feitas com a máxima responsabilidade.
Brasília, 24 de março de 2009.
Fernando Cesar Baptista de Mattos
Presidente da AJUFE

do Conversa Afiada

Basta de superávits primários

23/03/2009 - 15:33

Com a queda na arrecadação e a perspectiva de redução nas metas anuais de superávit primário, mesmos os fiscalistas carecas estão com os cabelos em pé. Avançam as divisões motorizadas contra os “gastos correntes”, aqueles que, segundo a versão martelada pelos neocons e retransmitida dia e noite pela mídia que os vocaliza, se não forem contidos e decepados, sufocarão os investimentos públicos.
”Gastos correntes”, tratados assim o mais genérico possível, são os primeiros suspeitos de sempre entre os culpados pelos erros da política econômica, na visão desnaturada do neoliberalismo de casaca. Lançada ao ar com a recorrência das mentiras que se tornam verdades, a acusação contra os “gastos correntes” confunde a plebe ignara, que os identifica apenas como a expressão de salários exorbitantes de indistintos servidores públicos. E também de mordomias hollywoodianas. Ou, ainda, de escandalosos desperdícios de recursos.
Sim, sim, tem salários exorbitantes, mas só para uma parte bem pequena do funcionalismo - o grosso trabalha direito e ganha pouco. Tem mesmo mordomias incríveis, mas, de novo, é moleza para uns poucos amigos dos reis e nobres das cortes. Desperdício, idem com batatas, mas desperdiçar recursos públicos não é exatamente a regra.
Uma parte relevante dos “gastos correntes” ou seu sinônimo com roupa ideológica, a “gastança”, nada mais é do que o conjunto de recursos aplicados em áreas essenciais, como saúde pública e educação pública – parte do que chamam, pejorativamente, de “custeio da máquina”, sempre apedrejada sem as necessárias ressalvas. Também fazem parte dos gastos correntes que vão no saco das mordomias e dos aproveitamentos, os programas sociais, a Previdência e subsídios – estes, aliás, um balaio de gatos que inclui um tanto para pobres e, vamos combinar um monte para ricos. É preciso deixar claro: sem gastos correntes, restaria aos desprovidos apenas a proteção social dos viadutos.
Se, então, o analista das políticas fiscais for honesto, se sentirá, antes de qualquer coisa, na obrigação de separar os alhos dos bugalhos. Além disso, saberá observar o campo de uma perspectiva histórica. Por exemplo: por que meta de superávit primário? Boa pergunta que nunca é feita, logo, nunca respondida. Por que, enfim, não meta fiscal nominal, como em todas as economias civilizadas do planeta?
Como define o senso comum, o superávit primário é “a economia feita pelo governo para pagar os juros da dívida pública”. Ele leva em conta as receitas do governo – nas três esferas federativas, incluindo os bancos públicos e as empresas estatais – das quais são descontados gastos correntes. O gasto com juros da dívida pública, o item de maior peso individual no total dos gastos, que não deixa de ser “corrente”, fica fora da conta.
O conceito de superávit primário, que se articula com o da relação dívida pública com o PIB, é um entulho econômico dos tempos dos garrotes do FMI, imposto ao País como condição para novos empréstimos compensatórios, em nome da contenção de uma monumental dívida pública, formada por uma gigantesca dívida externa e uma explosiva dívida interna. Não custa lembrar que a primeira foi potencializada por uma desastrosa política de valorização cambial. E que a segunda – o lado escuro da lustrosa moeda do Plano Real –, ainda que explicável em parte pela absorção de esqueletos fiscais, partiu de pouco mais de 30%, em 1994, e alcançou a vizinhança inédita de 60% do PIB, em 2002.
Com a redução da dívida pública externa a volumes de quase nada (menos que nada, aliás, se considerarmos o acumulado de reservas internacionais) e o controle da dívida interna, em relação ao PIB, as metas de superávit primário perderam toda a sua eventual razão de ser. Mas continuam a estrangular as políticas públicas, afetando, principalmente, as de cunho social, e os investimentos públicos em infraestrutura.
Do mesmo modo que o conceito de meta fiscal operacional, vigente no período em que a correção monetária disseminou-se na economia, foi abandonado com o fim da indexação geral de preços, a aplicação do conceito de meta primária, como base de política econômica, está em desacordo com a realidade do endividamento público e sua manutenção é um crime contra o esforço dos brasileiros em fazer o País progredir. Assim como a meta operacional foi substituída pela meta primária, está mais do que hora de substituir a meta primária pela meta nominal, com a inclusão dos juros das dívidas públicas no conjunto dos gastos de governo a serem controlados e monitoridos.
Se o Brasil almeja, de fato, ocupar um lugar de destaque entre as economias globais, não pode manter em vigor uma jabuticaba desse quilate. Não é nem o caso de falar de uma necessária revisão nos conceitos de dívida pública, mas, simplesmente, de adotar o que todos praticam mundo afora. Não há economia civilizada que opere com metas fiscais primárias.
Com a substituição da meta fiscal primária pela nominal, além de incluir os juros na roda dos gastos a serem controlados, a política fiscal ganharia uma flexibilidade de que hoje não dispõe. Neste exato momento, o governo se contorce em cólicas para cortar gastos correntes e salvar algum para investimentos.
Os sábios se esfalfam no ataque à redução da meta de superávit primário para 3,8% do PIB e reagem com horror à idéia de reduzi-la mais um pouco, para 3,3% do PIB, com o desconto de 0,5% do PIB na meta, referente ao chamado “projeto-piloto de investimentos (PPI), uma mandracaria acertada com o FMI, no início do governo Lula, para permitir, caso necessário, um mínimo de investimento em infraestrutura.
Cálculos conservadores, no entanto, mostram que seria possível reduzir o superávit primário bem além dos 3,3% agora aventados. Até pelo menos um superávit primário de 2,5% do PIB não haveria qualquer efeito negativo no controle fiscal. Mesmo se a economia não crescer mais de 1% em 2009 e os juros básicos médios do ano permanecerem nas alturas de 11,2%, com um superávit primário de 2,5% do PIB, o déficit nominal e a relação dívida/PIB continuarão recuando, na comparação com os anos anteriores.
O economista Amir Khair, um especialista tecnicamente seguro, mas independente do pensamento econômico hegemônico, calcula que o déficit nominal ficaria em 1,5% do PIB (contra 1,6% do PIB, em 2008) e a dívida pública líquida, em 35,4% do PIB (contra 36%, em 2008). Hipóteses também conservadoras mostram que, com crescimento de 2%, em 2010, e juros básicos médios anuais de 9,6%, o mesmo superávit primário de 2,5% do PIB resultaria em déficit nominal de 0,8% do PIB e uma dívida/PIB de 33,7%.
Quando se observa que esses resultados são muito melhores do que os tetos, hoje já ultrapassados, fixados pelo Tratado de Maastricht, para os países da União Europeia (déficit público nominal de 3% e dívida pública de 60% do produto econômico), fica nítido não fazer nenhum sentido insistir no conceito de meta primária. Faz menos sentido ainda se agarrar a superávits desnecessários, com suas conseqüências nefastas para o desenvolvimento econômico do País e a qualidade de vida da população, sobretudo aquela que vive em maior insegurança social.
Gastar mal, é claro, não pode. Mas, economizar mal também não devia poder.

do blog Jose Paulo Kupfer

Definido o tema da Conferência de Comunicação

24/03/2009 14:09

Definido em articulações do governo com movimentos sociais defensores da democratização da mídia, o tema central da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, a realizar-se de 1º a 3 de dezembro próximo - em princípio, em Brasília - será "Comunicação: Direito e Cidadania na Era Digital".

A expectativa do governo e dos que com ele discutiram o tema é que este, por sua amplitude, possibilite debates mais abrangentes sobre telecomunicações, radiodifusão, mídia impressa, eletrônica e tecnologia digital.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), uma das organizações empenhadas na realização do evento, espera que a conferência discuta a formulação de políticas públicas para o setor de comunicação.

A realização da Conferência já foi anunciada pelo presidente Lula e está em fase de discussão e organização pelos ministérios das Comunicações e Secretaria Geral da Presidência da República.

Ofensiva contra a conferência
Mas como o anúncio do evento e de seu tema central desencadearam uma série de pressões da parte dos que não querem a realização da conferência, organizações e movimentos sociais mobilizam-se, agora, para que sejam assinados logo o decreto presidencial convocando o encontro e a portaria constituindo o grupo de trabalho que o organizará.

Diante da ofensiva desencadeada contra a realização da Conferência, sindicatos dos Jornalistas de Brasília e do Rio de Janeiro protestaram contra manifestação da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) contrária à sua realização.
A SIP alega estar preocupada com a condução dos debates por ONGs e movimentos sociais “que pretendem interferir no funcionamento da imprensa”.

“O que pretendem os grandes empresários da comunicação? Pressionar o governo para retirar o apoio à Conferência, facilitando assim a manutenção intacta dos oligopólios que dominam, e que manipulam a informação, em detrimento do interesse público”, diz o documento dos sindicatos.
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