terça-feira, 30 de novembro de 2010

MP diz ter detectado comissionados ‘fantasmas’ no rol de servidores

Josusmar Barbosa

O Ministério Público Estadual Estadual constatou que vários comissionados da Prefeitura de Catolé do Rocha eram ‘fantasmas’, ou seja, recebiam os salários, mas não prestavam serviços. Diante da constatação e dos salários atrasados a Prefeitura de Catolé do Rocha firmou um termo de ajustamento de conduta com o MP se comprometendo a reduzir o número de cargos em comissão.

A revelação é do promotor Ítalo Mácio de Oliveira. Ele instaurou um procedimento devido a denúncias feitas por servidores de que estariam com salários atrasados. “Foi instaurado um inquérito civil público e comprovamos que, além do atraso nos salários, havia muitos servidores comissionados figurando na folha de pagamento sem efetiva comprovação de que davam expediente no município”, disse o promotor.

Ítalo estabeleceu um prazo de 120 dias para o corte dos cargos desnecessários sob pena de multa diária de R$ 2 mil. O TAC estabelece ainda que devem ser criadas funções gratificadas para concursados para privilegiar os servidores de carreira.
De acordo com o Tribunal de Contas do Estado, o montante da folha de pessoal em outubro de Catolé do Rocha foi R$ 1,2 milhão. A maior parte fica com os 832 servidores efetivos (R$ 811 mil). Já os 90 comissionados, incluindo os secretários, têm uma folha de R$ 130 mil. O restante é contratação por excepcional interesse público e o pessoal de convênios federais. Abaixo, outras medidas de contenção de gastos.

O promotor comentou que o prefeito de Catolé, Evaldo Caetano, exonerou, de uma só vez, todos os secretários e detentores de cargos comissionados na estrutura da administração municipal.

No total, 90 servidores foram dispensados pelo gestor, que também suspendeu as viagens, ajudas de custo e as licenças-prêmio dos funcionários. Ítalo Mácio ressaltou que havia baixado uma recomendação para que todos os servidores comissionados fossem exonerados.

Para resolver a situação foi realizada um audiência com o prefeito e os secretários de Finanças e Administração e, posteriormente, baixada a recomendação para a exoneração dos cargos comissionados e para corte de despesas supérfluas, como as de propaganda.

O prefeito Edvaldo Caetano não quis polemizar sobre a denúncia do Ministério Público de que havia funcionários “fantasmas” no quadro de comissionados.

Paraíba 1

Fim ao festival de terceirizações

Nosso governo, inclusive, cumpriu determinação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União (TCU) e colocou um fim no festival de terceirizações e nomeação de assessores via entidades internacionais, práticas que se ampliaram como nunca no tucanato, desorganizando toda a qualidade, e em muitos casos excelência até, do serviço público.

O fato é que reconduzimos ou mantivemos em cargos de confiança 2/3 de servidores de carreira. Até porque somos favoráveis a uma legislação para toda Federação - não só para a União. mas também para Estados e municípios - que restrinja ao mínimo o número de cargos de confiança de livre nomeação.

Tanto que na Assembléia Constituinte em 1988 o PT votou contra o texto do artigo que permitiu a nomeação de não concursados para cargos de confiança - votou contra o acréscimo naquele dispositivo da palavra "excepcionalmente", introduzida pelo Centrão (bloco conservador da Assembléia) que abriu a porteira para as nomeações políticas e sem critérios profissionais e de mérito. Continuamos com a mesma posição.


Blog do Dirceu

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Prefeitura de Catolé tem 120 dias para reduzir cargos comissionados



Lindjane Pereira

A Prefeitura de Catolé do Rocha firmou um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público da Paraíba se comprometendo a reduzir o número de cargos em comissão. A Promotoria estabeleceu um prazo de 120 dias para o corte dos cargos desnecessários sob pena de multa diária de R$ 2 mil. O TAC estabelece ainda que devem ser criadas funções gratificadas para concursados para privilegiar os servidores de carreira.

Segundo o promotor Ítalo Mácio de Oliveira Sousa, o prefeito de Catolé, Evaldo Caetano, exonerou, de uma só vez, todos os secretários e detentores de cargos comissionados na estrutura da administração municipal. No total, 90 servidores foram dispensados pelo gestor, que também suspendeu as viagens, ajudas de custo e as licenças-prêmio dos funcionários. O promotor ressaltou que havia baixado uma recomendação, no último dia 11, para que todos os servidores comissionados fossem exonerados.

O promotor Ítalo Mácio informou que a ação iniciou devido a denúncias feitas por servidores de que estariam com salários atrasados. “Foi instaurado um inquérito civil público e comprovamos que, além do atraso nos salários, havia muitos servidores comissionados figurando na folha de pagamento sem efetiva comprovação de que davam expediente no município”, disse.

Para resolver a situação foi realizada um audiência com o prefeito e os secretários de Finanças e Administração e, posteriormente, baixada a recomendação para a exoneração dos cargos comissionados e para corte de despesas supérfluas, como as de propaganda.

Salários

Em relação aos salários, que estão atrasados há dois e três meses dependendo da categoria, o TAC estabelece que a Prefeitura deve atualizá-los municipais e pagar os vencimentos de novembro, dezembro e o 13º deste ano até o dia 10 de janeiro de 2011, também sob pena de multa diária de R$ 2 mil.

MP
Paraíba,com.br

Vale-tudo: o Estado pode usar métodos de criminosos?



Um colega de um grande veículo de comunicação me perguntou, na manhã de hoje, qual minha posição sobre uma discussão que ganhou algumas redações: por que a polícia não metralhou os 200 traficantes da Vila Cruzeiro quando estes corriam em fuga após a entrada dos blindados da Marinha na comunidade. Segundo ele, parte das opiniões culpou a “turma dos direitos humanos”, que iria chiar internacionalmente quando a contagem de corpos terminasse, manchando a imagem do Rio de Janeiro (como se o Estado precisasse de ajuda para isso). Outra acredita que as câmeras presentes nos helicópteros da Globo e da Record que sobrevoavam a área – e foram alvo de reclamações do Bope pelo twitter (ah, esse admirável mundo novo…) – impediram um massacre. Uma terceira falou das duas ao mesmo tempo.

De qualquer maneira, o problema em questão não é de que o “Estado não pode usar método de bandido sob o risco de se tornar aquilo que combate”, mas sim de que “droga, tem alguém olhando”. Muita gente torceu para que os criminosos em fuga fossem executados sumariamente. Ao mesmo tempo, parte da imprensa (e não estou falando dos programas sensacionalistas espreme-que-sai-sangue) parece vibrar a cada pessoa abatida na periferia, independentemente quem quer que seja. Jornalistas, cuja opinião respeito, optaram pela saída fácil do “isso é guerra e, na guerra, abre-se exceções aos direitos civis”, tudo em defesa de uma breve e discutível sensação de segurança. Afe.

Relembrar é viver: as batalhas do tráfico sempre aconteceram longe dos olhos da classe média e da mídia, uma vez que a imensa maioria dos corpos contabilizados sempre é de jovens, pardos, negros, pobres, que se matam na conquista de territórios para venda de drogas ou pelas leis do tráfico. Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é nem de perto o que os mais pobres são obrigados a viver no dia-a-dia. Mesmo no pau que está comendo hoje no Rio, sabemos que a maioria dos mortos não é de rico da orla, da Lagoa, da Barra ou do Cosme Velho. Considerando que policiais, comunidade e traficantes são de uma mesma origem social, é uma batalha interna. Então, que morram, como disseram alguns leitores esquisitos que, de vez em quando, surgem neste blog feito encosto.

De tempos em tempos, essa violência causada pelo tráfico retorna com força ao noticiário, normalmente no momento em que ela desce o morro ou foge da periferia e no, decorrente, contra-ataque. Neste momento, alguns aproveitam a deixa para pedir a implantação de processos de “limpeza social”. Já bloqueei comentários que, praticamente, pediam que os moradores de favelas fossem retirados do Rio.

Quando a atual onda de violência acabar, gostaria que fossem tornados públicos os exames dos legistas. Afinal de contas, acertar um tiro na nuca de um suspeito no meio de um confronto armado demanda muita precisão do policial – e depois registrar o ocorrido como auto de resistência demanda criatividade. Em 2007, a polícia chegou chegando nos morros, cometendo barbaridades, sem diferenciar moradores e traficantes, sem perguntar quem era quem. Duas dezenas de pessoas morreram. Naquele momento, o Rio optou pelo caminho mais fácil do terrorismo de Estado ao invés de buscar mudanças estruturais (como garantir qualidade de vida à população para além de força policial dia e noite) para viabilizar os Jogos Panamericanos. Imagina agora com a Copa e as Olimpíadas então. Dose dupla.

Ninguém está defendendo o tráfico, muito menos traficantes (defendo a descriminalização das drogas como parte do processo de enfraquecimento dos traficantes, mas isso é história para outro post). O que está em jogo aqui é que tipo de Estado queremos e o tipo de sociedade que estamos nos tornando. Muitas das ações que estão ocorrendo vão criar uma sensação de segurança na população passageira e irreal, que vai durar até a próxima crise.


Blog do Sakamoto

Violência, bondade, mansidão e o amor


Leon Tolstói, mestre de Gandhi

Não se trata de cruzar os braços, mas de responder à violência com a bondade, a mansidão e o amor

Leonardo Boff, teólogo

Ocupando lugar central da sala de estar de minha casa há impressionante quadro de um pintor polonês mostrando Tolstói (1828-1910) sendo abraçado pelo Cristo coroado de espinhos. Ele está vestido como um camponês russo e parece estuado como a simbolizar a humanidade inteira chegando finalmente ao abraço infinito da paz depois de milhões de anos ascendendo penosamente o caminho da evolução. Foi um presente que recebi do então presidente da Assembleia da ONU Miguel d’Escoto Brockmann, grande devoto do pai do pacifismo moderno. No dia 20 de novembro celebrou-se o centenário de sua morte, em 1910. Ele merece ser recordado não só como um dos maiores escritores da humanidade com seus romances Guerra e paz (1868) e Anna Karenina (1875) entre outros tantos, perfazendo 90 volumes, mas principalmente como um dos espíritos mais comprometidos com os pobres e com a paz, considerado o pai do pacifismo moderno.

Para nós, teólogos, conta especialmente o livro O reino de Deus está em vós, escrito depois de terrível crise espiritual quando tinha 50 anos (1978). Frequentou filósofos, teólogos e sábios, e ninguém o satisfez. Foi então que mergulhou no mundo dos pobres. Foi aí que redescobriu a fé viva, “aquela que lhes dava possibilidade de viver”. Tolstói considerava esta obra a mais importante de tudo o que escreveu. Seus famosos romances tinha-os, como confessa no Diário de 28/20/1895, “conversa fiada de feirantes para atrair fregueses com o objetivo de lhes vender depois outra coisa bem diferente”. Levou três anos para terminá-la (1890-1893). Saiu no Brasil pela Editora Rosa dos Tempos (hoje Record), em 1994, com bela introdução de frei Clodovis Boff, mas infelizmente esgotada.

O Reino de Deus está em vós, logo traduzido em várias línguas, teve enorme repercussão, gerando aplausos e acirradas rejeições. Mas a maior influência foi sobre Gandhi. Mergulhado também em profunda crise espiritual, acreditando ainda na violência como solução para os problemas sociais, leu o livro em 1894. Causou-lhe uma abissal comoção: “A leitura do livro me curou e fez de mim um firme seguidor da ahimsa (não violência)”. Distribuía o livro entre amigos, e o levou para a prisão em 1908 para meditá-lo. O apóstolo da “não violência ativa” teve como mestre a Leon Tolstói. Este foi excomungado pela Igreja Ortodoxa, e o livro vetado pelo regime czarista.

Qual a tese central do livro? É a palavra de Cristo: “Não resistais ao mal” (Mt 5,39). O sentido é: “Não resistais ao mal com o mal”. Ou não respondais à violência com violência. Não se trata de cruzar os braços, mas de responder à violência com a não violência ativa: com a bondade, a mansidão e o amor. Em outra forma: “não revidar, não retaliar, não contra-atacar, não se vingar”. Estas atitudes verdadeiras possuem um força intrínseca invencível, como ensina Gandhi. Para o profeta russo, tal preceito não se restringe ao cristianismo. Ele traduz a lógica secreta e profunda do espírito humano, que é o amor. Toca no sagrado que está dentro de cada um. Por isso o título do livro O Reino de Deus está em vós.

Gandhi traduziu a não violência tolstoiana como não cooperação, desobediência civil e repúdio ativo a toda servilidade. Tanto ele como Tolstói sabiam que o poder se alimenta da aceitação, da obediência cega e da submissão. Porque tanto o Estado quanto a Igreja exigem estas atitudes servis, desqualifica-as de forma contundente.

São instituições que tolhem a liberdade, atributo inalienável e definitório do ser humano. No frontispício do livro lemos a frase de São Paulo: “Não vos torneis servos dos homens” (1Cor 7,23).

Para Tolstói, o cristianismo é menos uma doutrina a ser aceita do que uma prática a ser vivida. Ele está à frente e não atrás. Para trás parece que faliu. Mas à frente é uma força que não foi ainda totalmente experimentada. E é urgente praticá-la Profeticamente, Tolstói percebia a irrupção de guerras violentas, como, de fato, ocorreram. A casa está pegando fogo, e não há tempo para se perguntar se é preciso sair ou não.

Tolstói tem uma mensagem para o momento atual, pois os grandes continuam acreditando na violência bélica para resolver problemas políticos no Iraque e no Afeganistão. Mas outros tempos virão. Quando o pintinho já não pode mais ficar no ovo, ele mesmo rompe a casca com o bico e então nasce. Assim deverá nascer uma nova era de não violência e de paz.


Jornal do Brasil

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

CNJ cria pente-fino para processos parados



Comissão especial tentará agilizar casos de grande repercussão, como ação por improbidade contra o prefeito Zito

Jailton de Carvalho

Numa tentativa de coibir a impunidade no país, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu criar uma comissão especial para monitorar a tramitação de 200 processos judiciais de forte repercussão social que, por diversos motivos, estão parados na prateleira de alguma vara cível ou criminal.

Entre os alvos do CNJ, está uma ação por improbidade administrativa contra o prefeito José Camilo Zito, de Duque de Caxias.

Segundo informações repassadas pelo Ministério Público Estadual ao CNJ, a Justiça local demorou mais de seis anos para notificar o prefeito à apresentar defesa prévia. Um dos promotores que está à frente do levantamento entende que a citação do réu poderia ter demorado, no máximo, um mês.

Zito é um político conhecido e, para ser encontrado, bastaria uma consulta à agenda diária do prefeito. Na ação, ele foi denunciado de desviar dinheiro das obras de despoluição da Baía da Guanabara.

Outros políticos, servidores públicos e empresários também são acusados pelas supostas irregularidades.

O monitoramento do Conselho Nacional poderá resultar também no despejo e demolição de mansões num terreno irregular da Gávea, no Rio de Janeiro.

As mansões foram construídas numa área de preservação ambiental, conforme denúncia do Ministério Público Estadual. O processo está na fase final. Mas, quase duas décadas depois de tramitação, a ordem de despejo ainda não foi cumprida.

Entre os donos das mansões estariam políticos, profissionais liberais famosos e celebridades.

Blog do Noblat

Não ceder ao pânico

Por Mauro Santayana

O que de pior pode acontecer ao Rio, nestas horas, é a entrega da cidade ao pânico. A resposta aos atos de violência, ainda que enérgica, não pode sair do controle e atingir, como é comum nessas operações, a população, inerme entre os dois fogos. Os delinquentes não escolhem os alvos, mas a polícia é obrigada a selecioná-los. Não é fácil, mas é necessário.

A ação policial só será eficaz se contar com o apoio dos cidadãos. Do contrário, os criminosos passarão a ser vistos como vítimas e heróis, como já ocorreu algumas vezes. Daí a necessidade de agir com firmeza e prudência. Os blindados não podem entrar nas favelas atirando a esmo, usando da mesma tática de terror que utilizam os outros.

O governo do Estado está empregando todos os seus recursos policiais e militares, nessa operação de emergência. Se a situação exigir, não lhe faltará a solidariedade federativa, com a ajuda da Polícia Militar dos estados vizinhos, mas é erro político grave empregar tropas federais, como já está ocorrendo, com a presença de fuzileiros navais nas operações.

As Forças Armadas existem para combater inimigos externos e, no limite, reprimir movimentos que ameacem a integridade nacional. Elas são preparadas para usar de todos os meios bélicos para vencer o inimigo. O objetivo militar é o aniquilamento das forças contrárias, e a ocupação do território – de acordo com as convenções internacionais.

Nas operações policiais, outra deve ser a conduta: o objetivo policial é a proteção dos cidadãos e das comunidades. A morte dos criminosos só é admitida quando inevitável, e decorrer de resistência armada.

As Forças Armadas devem preservar-se dos confrontos civis. A sua eficiência na defesa da pátria depende do afeto respeitoso que lhes dedique a nação inteira. Elas sabem do mal que lhes causaram as operações de natureza policial contra os brasileiros que se alçaram contra a ditadura. Restauradas em sua finalidade constitucional, necessitam ser poupadas de mais uma situação traumática, como a desse passado que rejeitamos.

Há outro problema político sério, nesse confronto: o da confiança internacional na segurança da cidade. Os dois principais e próximos eventos esportivos do mundo – a Copa de Futebol e os Jogos Olímpicos – estão programados para se realizarem no Brasil e, principalmente, no Rio. A repercussão está sendo imediata, com o cancelamento de viagens turísticas deste fim de ano. Se não houver solução duradoura, ou seja, política para a pacificação da cidade, os prejuízos serão incalculáveis.



Uma das leituras para esses fatos, é, sim, aterrorizante: a de que eles justificariam o aumento das verbas destinadas à segurança durante a Copa e os Jogos Olímpicos. Empresas privadas nacionais e internacionais de segurança pretendem firmar contratos milionários com o governo e com as entidades patrocinadoras dos eventos, a fim de garantir – como ocorre nas guerras americanas – a incolumidade das personalidades mais importantes, brasileiras ou estrangeiras durante os jogos. Nesse caso, mesmo que não tenha sido encomendado, o vandalismo dos traficantes está servindo a outro objetivo repulsivo.

As autoridades são chamadas a investigar a fundo todas as causas imediatas da ação coordenada dos executores desses atos de banditismo, mas não podem ignorar os grandes interesses que movem o chamado “crime organizado”. Por detrás de tudo isso há uma inteligência articulada, bem distante dos morros e dos presídios de onde, aparentemente, teriam vindo as instruções operativas. Para o Estado, encontrar essa origem é uma questão de honra. Mais importante, no entanto, é se fazer presente com seus equipamentos sociais, e reconhecer a condição humana dos moradores dos morros.

Jornal do Brasil

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A batalha do Rio



Por Mauro Santayana

É um engano identificar a batalha do Rio – e de outras grandes cidades – como mero confronto entre a polícia e delinquentes, traficantes, ou não. Embora a conclusão possa chocar os bons sentimentos burgueses, e excitar a ira conservadora, é melhor entender os arrastões, a queima de veículos, os ataques a tiros contra alvos policiais, como atos de insurreição social. Durante a rebelião de São Paulo, o governador em exercício, Cláudio Lembo, considerado um político conservador, mais do que tocar na ferida, cravou-lhe o dedo, ao recomendar à elite branca que abrisse a bolsa e se desfizesse dos anéis.

O Brasil é dos países mais desiguais do mundo. Estamos cansados do diagnóstico estatístico, das análises acadêmicas e dos discursos demagógicos. Grande parcela das camadas dirigentes da sociedade não parece interessada em resolver o problema, ou seja, em trocar o egoísmo e o preconceito contra os pobres, pela prosperidade nacional, pela paz, em casa e nas ruas. Não conseguimos, até hoje (embora, do ponto de vista da lei, tenhamos avançado um pouco, nos últimos decênios) reconhecer a dignidade de todos os brasileiros, e promover a integração social dos marginalizados.

Os atuais estudiosos da Escola de Frankfurt propõem outra motivação para a revolução: o reconhecimento social. Enfim, trata-se da aceitação do direito de todos participarem da sociedade econômica e cultural de nosso tempo. O livro de Axel Honneth, atual dirigente daquele grupo (A luta pelo reconhecimento. Para uma gramática moral do conflito social) tem o mérito de se concentrar sobre o maior problema ético da sociedade contemporânea, o do reconhecimento de qualquer ser humano como cidadão.

A tese não é nova, mas atualíssima. Santo Tomás de Aquino foi radical, ao afirmar que, sem o mínimo de bens materiais, os homens estão dispensados do exercício da virtude. Quem já passou fome sabe que o mais terrível dessa situação é o sentimento de raiva, de impotência, da indignidade de não conseguir prover com seus braços o alimento do próprio corpo. Quem não come, não faz parte da comunidade da vida. E ainda “há outras fomes, e outros alimentos”, como dizia Drummond.

É o que ocorre com grande parte da população brasileira, sobretudo no Rio, em São Paulo, no Recife, em Salvador – enfim em todas as grandes metrópoles. Mesmo que comam, não se sentem integrados na sociedade nacional, falta-lhes “outro alimento”. Os ricos e os integrantes da alta classe média, que os humilham, a bordo de seus automóveis e mansões, são vistos como estrangeiros, senhores de um território ocupado. Quando bandos cometem os crimes que conhecemos (e são realmente crimes contra todos), dizem com as labaredas que tremulam como flâmulas: “Ouçam e vejam, nós existimos”.

As autoridades policiais atuam como forças de repressão, e não sabem atuar de outra forma, apesar do emplastro das UPPs.

Na Europa, conforme os analistas, cresce a sensação de que quem controla o Estado e a sociedade não são os políticos nem os partidos, escolhidos pelo voto, mas, sim, o mercado. Em nosso tempo, quem diz “mercado”, diz bancos, diz banqueiros, que dominam tudo, das universidades à grande parte da mídia, das indústrias aos bailes funk. E quando fraudam seus balanços e “quebram”, o povo paga: na Irlanda, além das demissões em massa, haverá a redução de 10% nas pensões e no salário mínimo – entre outras medidas – para salvar o sistema.

A diferença entre o que ocorre no Rio e em Paris e Londres é que, lá, o comando das manifestações é compartido entre os trabalhadores e setores da classe média, bem informados e instruídos. Aqui, os incêndios de automóveis e os ataques à polícia são realizados pelos marginalizados de tudo, até mesmo do respeito à vida. À própria vida e à vida dos outros.


Jornal do Brasil

A Vila Cruzeiro é do Estado. Mas o Estado a quer?



“Posso dizer, com 100% de certeza, que a Vila Cruzeiro é do Estado.” A frase é do subchefe operacional da Polícia Civil, Rodrigo Oliveira, e foi dita nesta quinta após operação de combate a traficantes que envolveu 250 policiais na zona norte do Rio de Janeiro.

Desde que começou a atual onda de violência na capital fluminense, tem sido frequente o uso de expressões como o “Estado não entra lá” e coisa do gênero. Bem, considerando o calor do momento e as circunstâncias, releva-se uma certa “licença poética operacional”, por assim dizer. Mas vale uma observação. Facções como o Comando Vermelho, o Terceiro Comando e o Amigos dos Amigos são grupos criminosos e não têm objetivos políticos de tomar o governo, muito menos criar um “Estado paralelo”. Pelo contrário, eles se valem da falta de uma presença do Estado (com serviços públicos precários, acesso à Justiça risível e forças de segurança que agem, muitas vezes, como aqueles a quem deveriam combater) para criar um “poder paralelo” em um determinado território a fim de proteger o seu negócio.

Por que proteger? No capitalismo, toda a expansão de mercado é conflituosa (vai, podem me chamar de comunista-comedor-de-criancinha-maluco que, mesmo assim, vou ter que continuar publicando as palavras certas, sorry…). Quando se abre uma loja em um bairro, os que lá já estavam estabelecidos podem se sentir prejudicados. Ainda mais quando os forasteiros trazem produtos melhores e a preços mais baixos. Se a concorrência é agressiva e chega a tal ponto que a convivência pacífica torna-se insustentável, pode-se apelar à Justiça, que decidirá quem tem razão na disputa. Mas o que fazer quando se vive em um sistema ilegal, condenado pela própria Justiça? A solução é ter o maior poder bélico possível para fazer valer o seu ponto de vista sobre o demais, sobre a polícia, sobre os moradores de determinada comunidade. É e necessário controlar-se – por bem ou por mal – um território. Quanto mais território, mais pontos de venda de drogas, mais locais para estocá-las, mais freguesia e poder.

Atacar a estrutura do tráfico e sua sustentação econômica, o que inclui também seus pontos de venda, o comércio ilegal de armas e negócios paralelos, é uma saída.

Porém, será inócua se o Estado não se fizer presente (não apenas pela força bruta) e se não houver mudanças estruturais que garantam dignidade para os moradores e outras opções de vida para os jovens que saem em um busca de um lugar no mundo todos os anos. Mais do que uma escolha pelo crime, muitas vezes a opção pelo tráfico é uma escolha por uma forma de emprego e pelo reconhecimento social. Um trabalho ilegal, bisonho e de extremo risco, mas em que o dinheiro entra de forma rápida. Dessa forma, o jovem pode ajudar a família, melhorar de vida, dar vazão às suas aspirações de consumo. Ganhar respeito de um grupo, se impor contra a violência da polícia.

Que a Vila Cruzeiro é do Estado, isso já era fato. A pergunta é se o Estado quer, de fato, a Vila Cruzeiro.

Blog do Sakamoto

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Seminário busca alternativas para o Estado Penal


Caue-Ameni

Entre 7 e 9 de dezembro, em São Paulo, um debate sobre um aspecto pouco conhecido de nosso apartheid social: o encarceramento maciço, desnecessário e sub-humano de centenas de milhares de brasileiros pobres


“A melhor reforma do direito penal seria a de substituí-lo,
não por um direito penal melhor, mas por qualquer coisa
melhor do que o direito penal”
(Gustavo Radbruch)

Pelo Tribunal Popular

O Brasil é hoje um dos países com a maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e a China. As prisões brasileiras são uma versão do apartheid, legitimado pelo sistema de justiça penal seletivo, que criminaliza a população empobrecida, principalmente jovem, negra e indígena, encarcerada prioritariamente por crimes contra o capital. O encarceramento em massa configura-se como um dos instrumentos do Estado na preservação do patrimônio privado e como forma de controle e contenção social, ocultando a barbárie produzida pelo sistema social vigente. O aumento extraordinário da população carcerária no país, a partir dos anos 90, é reflexo da política neoliberal caracterizada pelo Estado Mínimo em relação às políticas sociais e pelo Estado Penal Máximo para as populações empobrecidas. Este não é um fenômeno singular, mas no Brasil, onde o Estado de bem-estar social nunca foi uma realidade concreta, o Estado Penal intensifica-se, assumindo uma dimensão mais perversa. As prisões brasileiras caracterizam-se pelo terror, torturas, maus-tratos, enfim, brutais violações dos direitos humanos dos(as) presos(as) e seus familiares.

Qual a função social do encarceramento da população empobrecida? Quais os custos sociais da política de encarceramento em massa? Quais as estratégias a serem desenvolvidas para enfrentar as graves violações dos direitos humanos da população carcerária? O Tribunal Popular convida você a discutir estas e outras questões com militantes do movimento social, egressos do sistema prisional, familiares de presos, profissionais da área, estudantes, pesquisadores e a comunidade em geral. Veja abaixo a programação:


LOCAL:

Faculdade de Direito da USP, Largo de São Francisco
Organização: Tribunal Popular: O Estado Brasileiro no Banco dos Réus
Apoio: Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Associação de Juízes pela Democracia, Pastoral Carcerária, Conselho Regional de Psicologia, Núcleo SP da ABRAPSO, APROPUC.


O SISTEMA CARCERÁRIO EM NÚMEROS:

> O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA e da China. São 247 presos para cada 100 mil

> Entre 1995 e 2005 a população carcerária do Brasil saltou de pouco mais de 148 mil presos para 361.402, o que representou um crescimento de 143,91% em uma década.

> Entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, a população carcerária aumentou de 361.402 para 490.000 o que representou um crescimento, em quatro anos, de 36%.

> O Brasil ainda apresenta um déficit de vagas de 194.650; estima-se que aproximadamente 20% dos presos brasileiros sejam portadores do HIV.

> Calcula-se que, no Brasil, em média, 90% dos ex-detentos acabam retornan¬do à prisão;

> São Paulo possui a maior população carcerária do país. São 173.060 mil presos distribuídos entre 134 unidades prisionais do estado.

Veja Programa em:
http://www.ponto.outraspalavras.net/2010/11/23/seminario-busca-alternativas-para-o-estado-penal/


Blog: Outras Palavras

Justiça, Democracia, crimes políticos


OUTROS ARQUIVOS PARA A FOLHA DESARQUIVAR

A Folha de São Paulo deve pedir à Justiça Militar a liberação de outros processos contra ativistas, como fez com o da presidente Dilma. Isso comprovaria de fato a "vitória de toda a sociedade", como diz o jornal". A NovaE desarquiva artigos e matérias para que o tema não caia no esquecimento, como a história de Honestino Guimarães (Foto), que tem site que resgata sua história. Acesse.

Honestino Guimarães

Com as novas descobertas de duas ossadas em valas clandestinas no cemitério de Xambioá-TO, com suspeitas de serem de participantes da Guerrilha do Araguaia, temos novamente no noticiário o período mais sombrio da história brasileira; que parece não ter fim. E a vala de Honestino?

Inúmeros líderes políticos e personalidades atuais, ativistas em sua época estudantil em diversos movimentos, estão hoje presentes, e vivos, na sociedade. Para esses, a "sorte" de serem banidos, extraditados; terem fugido e permanecido na clandestinidade como recurso para sobrevivência.

Outros tiveram como destino a vala clandestina, e as vezes ainda desconhecida. Vítimas emudecidas pelos anos duros da ditadura militar. Entre tantos que pereceram dando asas aos próprios ideais libertários, idéias próprias de uma juventude destemida e politicamente consciente estava Honestino Guimarães. Era outubro de 1973. É nossa obrigação relembrarmos nossa história.

Militante incansável

Honestino Monteiro Guimarães, nascido em Goiás, na pequena cidade de Itaberaí em 28 de março de 1947. A partir de 1960 sua família muda-se para os arredores de Brasília, uma capital em construção.

Quando estudante secundarista já se interessava e participava ativamente dos movimentos políticos estudantis. Um jovem comum que teria com certeza seu blog militante se vivesse nos dias de hoje.

Estudante da Universidade Nacional de Brasília (UnB) a partir de 1964, quando classificou-se em 1° lugar para o curso de geologia, com apenas 17 anos. Nome que sempre esteve associado aos movimentos estudantis de meados da época de 60 até 1973, quando foi preso no Rio de Janeiro. Nunca mais foi visto. Seu nome permanece até hoje entre os presos políticos desaparecidos, vítimas de extremismos praticados no decorrer do governo militar. O site do Movimento Tortura Nunca Mais traz um resumo de 28 anos dessa busca. Nada foi encontrado. Segundo a presidente do Movimento, Sra. Amparo Araújo, é importante que se resgate a memória destes acontecimentos. "Principalmente em datas como a do desaparecimento de Honestino".

Preso militante

Admirado, exercitava o respeito e compromisso com seus companheiros, conforme declarações de vários amigos em livros e jornais. Foi preso e torturado em Brasília. Seus companheiros de prisão deixaram registrados em diversos dossiês sobre desaparecidos a forma como Honestino utilizou de um recurso extremo -- para evitar falar e, portanto, não envolver outros companheiros -- de tentar engolir parte de sua própria camisa. Classificava o ato como obrigação de todo revolucionário 1.

Trazia consigo uma certeza pessoal que esse comportamento e seu esforço iria culminar em um Brasil melhor. Possuía a personalidade de um verdadeiro líder.

Carismático, expunha-se e fazia questão de envolver-se com os movimentos políticos estudantis em momentos tão delicados da vida política brasileira.

Contemporâneo de outros líderes estudantis como Jean Marc Van der Weid, Luís Travassos, José Dirceu - hoje deputado estadual pelo PT (Partido dos Trabalhadores) -, Wladimir Palmeira, José Genoíno - atual deputado federal pelo PT -, participou do Congresso Nacional da UNE (União Nacional dos Estudantes) em abril de 1969 cuja contagem de votos deu a vitória à Jean Marc e a nove vice-presidentes, entre eles Honestino, então presidente da FEUB (Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília).

Onde está Honestino?

Em época policial classificada como "guerra" por alguns burocratas, delicada para as liberdades democráticas e individuais, os diretores da UNE eram perseguidos pelo governo, com atuação repressora intensa. Obrigados a atuar na clandestinidade, utilizavam nomes falsos e agiam com muita cautela. (ao lado, última foto de Honestino, fonte: www.honestinoguimaraes.com )

Em 1969 esteve em visita ao Brasil Nelson Rockfeller, um dos empresários expoentes do capitalismo americano. Aqui o significado maior contra a visita do americano era a oposição à intromissão dos americanos, seu apoio ao regime militar com todo seu aparato de repressão, ao seu papel de apoiador às atividades no treinamento de técnicas de tortura pelos representantes do regime. Em uma das manifestações ocorridas no período da visita de Rockfeller, Honestino discursou perante aqueles que acompanhavam a manifestação no centro da cidade de São Paulo e ousou queimar a bandeira norte-americana.

Jean Marc foi preso em 69 e banido do país em janeiro de 71. Luís Travassos, Wladimir Palmeira e José Dirceu também foram para o exterior. As principais lideranças do movimento estudantil relacionadas à UNE estavam distantes e sua presidência vaga. Honestino foi indicado para ocupá-la.

Os anos seguintes, após assumir a presidência da UNE, foram de clandestinidade total. Persistiam as perseguições e dificuldades de atuação. Apesar disso, no decorrer de 1970, foram realizadas manifestações de rua em 1° de maio e no aniversário de morte de Edson Luiz (Edson Luiz de Lima Souto, estudante assassinado no Rio em um protesto no restaurante estudantil "Calabouço" que deflagrou no país a luta estudantil não só contra a política educacional do governo e sim contra o próprio governo).

Ele sabia que ia ser morto

Inúmeras eram as ameaças por telefonemas à sua família ou através de companheiros que eram presos. "Se nós te prendermos, vamos te matar", era o recado de sempre. As ameaças valeram um testemunho pessoal e político intitulado Mandado de Segurança Popular.

Após permanecer durante quase cinco anos na clandestinidade, Honestino foi preso em 10 de outubro de 1973, no Rio de Janeiro. Honestino Monteiro Guimarães, último presidente da UNE durante o regime militar, desapareceu.

Líderes estudantis, sindicalistas, operários, professores, jornalistas, políticos, enfim pessoas perseguidas, torturadas e assassinadas. Muitos desaparecidos cuja história um dia terá que ser contada como ela foi.

História recente que não aparece nos livros escolares, mas que temos a obrigação de deixar pulsante em mentes e corações.

Luiz Cirne, especialista em tecnologia da informação e Internet
Artigo publicado em 2001

Para mais informações: www.honestinoguimaraes.com

Nota:
1- Novembro de 2010 Este artigo, publicado originalmente em 2001, foi elaborado a partir de várias fontes. Sobre a afirmação "engolir a camisa para não falar", foi extraída da publicação "História Imediata vol. 5", "A volta da UNE", publicada em 1979 pela editora Alfa-Ômega, cujos redatores foram Luiz Henrique Romagnoli e Tânia Gonçalves.

Blog: NovaE

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Meu Tempo



Maria Rita Kelh

Convém que me apresente nessa estréia. Além da combinação única e aleatórea de proteinas, aminoácidos, H2O e tal, sou feita de que? De tempo, assim como vocês. Tempo vivido e tempo imaginado. Feita de passado, o de meus ancestrais, transmitido pelos gens, a cultura, o inconsciente; mais a história de vida que me trouxe até aqui. É só o que temos: um corpo e uma história, já que o presente é uma partícula, deletada tão logo eu acabe de escrever partícula. E o futuro, lamento dizer, não existe. A não ser, é claro, sob a forma de fantasias e projetos. Mas fantasias e projetos são feitos de que? De restos, fiapos, pedaços não resolvidos do passado. No futuro só o que existe na certa é a morte esperando a gente. Deixa quieto.

Àqueles dez anos inaugurais de perplexidade e inquietação, chamo de infância. Tão minha e tão perdida. Ao longo período da dita maturidade eu me refiro como “outro dia mesmo”. Já o pedaço da vida que vai do final da adolescência (aquela chatice) até os trinta, mais ou menos, costumo chamar de “o meu tempo”. Nisso não estou sozinha. Prá muita gente, a referência óbvia para “meu tempo...” é a juventude. Os anos de formação, como diziam os românticos do dezenove. Período das experiências que definiram o que pretendíamos ser, assim como as promessas que continuam a acenar no horizonte das possibilidades.

Um bom amigo que morre de medo de se tornar ultrapassado costuma me contestar com outro refrão: meu tempo é hoje! Mas Paulinho da Viola, que canta o verso de Wilson Batista, “meu mundo é hoje”, tem lá suas ressalvas ao império do presente absoluto: “...mas não me altere o samba tanto assim”. Defendo o modesto passadismo do sambista. A juventude é um período movediço em que se vai meio às cegas por caminhos excitantes, ou idiotas, ou desastrosos, sem saber o que se quer encontrar. Daí a necessidade de estabelecer, a posteriori, alguma solidez pelo menos às recordações daquele tempo. Redescobrir na memória um filme já superado e atribuir a ele significados incríveis; reler um livro que nos fez a cabeça aos 20 anos (Sidharta, todo mundo lia Sidartha – que não li, sei lá por que); reencontrar a praia dos melhores verões como se ainda fosse deserta, passar pela rua onde a casa que foi comunidade hippie está para virar um prédio. São tentativas de consolidar aquele riquíssimo período em que se estabelecem, por tentativa e erro, nossas grandes referências exogâmicas, cosmopolitas, universais.

Tem gente que entra na juventude como se o mundo fosse continuação do quintal familiar. Vai de cabeça sem medo, sem nem se dar conta de que caminha no escuro. Faço parte do outro grupo: para mim, tudo era grande demais. Eu ia, ansiava por ir, mas com um respeito danado pela imensidão à minha frente. Por isso meu tempo não foi tecido apenas das coisas que efetivamente fiz. Sou fiel ao que fiquei devendo à minha geração, essa rede de identificações imaginárias a que julgamos pertencer. A história daquilo que não fiz é minha biografia em baixo relevo, indelével como todos os desejos não realizados.



Maria Rita Kelh

A cultura do baculejo


Policiais militares fazem blitz em baixo do minhocão, no Centro. FOTO: PATRICIA SANTOS/AE

Um dado alarmante: a média mensal de abordagens e revistas da população pela PM em São Paulo subiu 65% desde 2005

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

A média de abordagens e revistas da população pela Polícia Militar registrada por mês no Estado de São Paulo desde 2005 subiu 65%, passando de 565 mil para 930 mil revistas. A média mensal de abordagens em 2010 foi quase o dobro da de cinco anos atrás. Há motivos para a população comemorar? O Estado de Direito não parece estar sendo respeitado e é viável sustentar a inconstitucionalidade se essas revistas forem discriminatórias. Até o fim do ano, mais de 11 milhões de pessoas terão sido paradas e revistadas por PMs no Estado, o equivalente a quase 30% da população.

A ampliação das revistas teria permitido a apreensão de 40.000 armas de fogo por ano, contribuindo para a queda de homicídios que na última década já chega a 70,2%. Mas conviria saber qual é a proporção de armas obtidas por abordagens. Em Nova York, a média atual obtida nessas revistas é de o.15 armas de fogo por 100 abordagens – não maior do que se as pessoas fossem revistadas por amostragem. Mesmo que os resultados de São Paulo sejam melhores que os nova-iorquinos, aqui a maioria esmagadora dessas abordagens não tem justificativa legal e são abusos, garantida a impunidade dos policiais que os cometem. No Rio de Janeiro, essa semana fica às escâncaras a que raias pode chegar essa impunidade da polícia: um ladrão mata um PM , é capturado vivo sem ferimentos e chega morto ao hospital. Um doce para quem achar que vai ocorrer algo.

Essas revistas são realizadas em áreas “de risco” da violência, que coincidem com comunidades populares onde seus moradores vivem como suspeitos. Centenas de milhares de cidadãos são rotineiramente humilhados por policiais, muitas vezes às claras, entra ano sai ano. Sob a desculpa de “prevenir” o crime – enquanto a verdadeira prevenção da violência junto a adolescentes e famílias em risco é inexistente ou ridícula –, está em curso uma operação sistemática de discriminação social e de aterrorização dos pobres.

Os dados da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo indicam que desde 2009 aumentaram as queixas contra a truculência policial em “abordagens com excesso”, sendo ainda mais numerosos os casos que configuram “abuso de autoridade”. Nos bairros das elites brancas somente adolescentes pobres, brancos ou afro-descendentes, são parados pela polícia. Nada mais revelador dessa discriminação que a própria polícia estimar que apenas cerca de 1% das pessoas abordadas nas ruas têm problemas com a lei. O que indica que 99% das pessoas revistadas são inocentes quanto a qualquer crime.

Ninguém quer amarrar as mãos da polícia para perseguir e reprimir os criminosos, a criminalidade organizada, o narcotráfico. Não esquecemos que as revistas tem lugar numa conjuntura bastante complexa, afetada por formas cada vez mais sofisticadas de crime e em que a população se sente insegura e pede mais segurança. Os policiais muitas vezes são mal-treinados e tão carentes quanto os suspeitos. Mas a banalização da abordagem é inconstitucional caso atinja quem não estiver violando a lei e, mais ainda, se baseada em qualquer tipo de discriminação social ou racial.

Em outubro, a Polícia Militar distribuiu panfletos aconselhando o cidadão para que, durante a revista, “mantenha a calma”, “seja educado sempre” e “esqueça o ‘você sabe com quem está falando ?’”. Em vez de ensinar a população a se prostrar diante da truculência de policiais, chutando os calcanhares de adolescentes para abrirem as pernas, chamado-os de vagabundos, apalpados, espancados, surrados, a PM deveria estabelecer estritos “procedimentos operacionais padrão” de abordagem, que não firam as garantias constitucionais. A polícia não pode ser um instrumento da ideologia de classe das elites brancas para a qual os pobres e afro-descendentes devem ser tratados pela polícia como suspeitos.

Não basta a Polícia Militar trombetear que irá bater o recorde mundial de revistar 11 milhões de pessoas este ano. De uma polícia que tem um dos melhores programas de informação computadorizada no continente se espera uma total transparência sobre suas revistas e abordagens. Deveriam estar acessíveis dados sobre quem sofre tais batidas (idade, gênero, raça), as áreas em que as revistas têm lugar e sobre como são responsabilizados os policiais que abusarem de seu poder. Para que as autoridades, como o ministério público e a sociedade civil monitorem essas práticas.

Maiores poderes deveriam ser concedidos por lei à Ouvidoria da Polícia para avaliar esses dados e fazer recomendações.

Cabe às autoridades públicas informar os cidadãos, em particular aos mais pobres, sobre quais são seus direitos e como podem fazer valer esses direitos nos seus contatos com os policiais militares. Já faz 25 anos que terminou a ditadura e é inaceitável que práticas autoritárias e atrabiliárias de repressão à maioria pobre continuem sendo apresentadas como solução mágica para assegurar segurança, tranquilidade e paz à população.


Estado de São Paulo

sábado, 20 de novembro de 2010

União e consciência negra




A comemoração da memória do Zumbi é importante em um Brasil que ainda mantém uma herança de forte desigualdade social

Marcelo Barros

No Brasil, esta semana começa pela recordação do dia em que foi implantada a República (15 de novembro) e se encerra com o dia consagrado à União e Consciência Negra. Segundo historiadores recentes, no Brasil, a mudança da Monarquia para a República aconteceu quase por engano ou por acaso. Não era a opção profunda do Marechal Deodoro e de seus companheiros. E não significou uma verdadeira transformação da forma de exercer o poder que continuou com as elites (Cf. Fábio Konder Comparato em Caros Amigos, nov. 2010).

O segundo fato recordado nesta semana ocorreu em 20 de novembro de 1696. Neste dia, Zumbi dos Palmares, líder da resistência negra contra a escravidão, foi martirizado. Atualmente, em várias cidades, este dia é feriado e conclui uma semana de comemorações culturais. Uma criança perguntou à mãe se união tem cor e o que significa “consciência negra”. A unidade das raças e a igualdade entre os seres humanos supõem que cada cultura e cada povo tenham consciência de sua dignidade. Chama-se “consciência negra” o fato das pessoas afro-descendentes assumirem sua identidade cultural, conscientes do imenso valor de sua cultura, para contribuir com as outras na riqueza intercultural do Brasil.

A comemoração anual da memória do Zumbi é importante em um Brasil que ainda mantém uma herança de forte desigualdade social. Em inúmeros casos, na realidade brasileira, ser negro é quase sinônimo de ser pobre e ter menos acesso à escolaridade e às condições sociais de outros brasileiros. José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, afirma: “A cor negra da pele de homens e mulheres, assim como sua raça e cultura própria, foram motivos de crueldade humana e de barbárie que mancharam e continuam manchando a dignidade da humanidade” (Carta Capital, 12/11/2008,p. 60). Por isso, são sempre importantes e oportunos os programas que fomentam a igualdade de condições e a integração social de negros e brancos. Conforme a Constituição Brasileira, devem ser respeitadas e valorizadas as comunidades remanescentes de Quilombos. São grupos que, desde os tempos da escravidão, reúnem negros, seus aliados e descendentes, em uma comunidade com cultura e valores próprios. Eles devem ter direito à terra coletiva e merecem das autoridades públicas a proteção e o apoio necessários. Estas comunidades estão organizadas em quase todos os estados e somam mais de dois mil grupos e comunidades.

Algumas delas mantêm elementos de idioma, de danças e costumes ancestrais que são de uma riqueza incalculável para todo o Brasil.

Uma das mais profundas riquezas das culturas afro-descendentes é a espiritualidade viva e bela das comunidades negras. A Mãe África permanece viva e atuante na memória religiosa dos seus filhos e filhas. Para serem escravas nos diversos países da América, foram sequestradas pessoas de diferentes áreas do continente africano. Para evitar rebeliões, os senhores separavam os escravos vindos do mesmo clã ou região.

Misturavam etnias. Proibiam que falassem as suas línguas e praticassem as suas religiões. Mesmo impedidos de saber onde estavam outros membros de sua família, também sequestrados, os afro-descendentes conseguiram manter as línguas, contar a seus filhos as histórias dos seus antepassados, guardar as canções da Mãe-África e reconstituir muitas expressões culturais e religiosas.

Só podiam cultuar à noite, enquanto os brancos dormiam. Como objetos de culto, só possuíam seus corpos, suas vozes e os terreiros das senzalas, seus templos. Foram obrigados a adaptar antigos costumes da África às novas condições de clima, ao pouco tempo livre de que dispunham e à sua extrema pobreza. Fundiram costumes religiosos, adaptaram mitos e elaboraram oralmente uma explicação religiosa do mundo e da sua história. Esta teologia narrativa deu origem a religiões novas como o Candomblé, o Batuque, o Tambor de Minas, a Santeria cubana e o Vodu haitiano. Durante séculos, de geração em geração, se transmitiram ritos, cânticos e histórias ancestrais.

Um Cristianismo, testemunha de que Deus é amor e inclusão, não pode deixar de respeitar e valorizar estas religiões que, na história, foram responsáveis pela resistência dos nossos irmãos e irmãs negras em meio a um sofrimento tão intenso e continuado. A base da fé cristã é que a Palavra divina se fez carne e se revelou no meio de nós através da pessoa de Jesus de Nazaré que assumiu toda a condição humana e todas as culturas com seus valores para revelar em tudo o que é humano a presença divina. Nós somos chamados a continuar este caminho de reverência amorosa e delicadeza no diálogo e na colaboração com as outras religiões e culturas.


Brasil de Fato

FHC: "Somos todos mestiços, senão de sangue, de alma"



Fernando Henrique Cardoso

A oportunidade de nova edição do livro organizado por Emanoel Araújo, A mão afro-brasileira, oferece-nos mais uma fresta, melhor dito, uma porta escancarada para reavaliarmos a contribuição dos descendentes de africanos e dos mestiços em geral para a formação de algo que se pode chamar de "cultura brasileira". Conceito esquivo, este de cultura brasileira, mas essencial para melhor sabermos donde proviemos, o que somos e o que ainda poderemos fazer no futuro com a base cultural que criamos nestes cinco séculos de presença multirracial e multicultural no Brasil.

Houve tempo em que esteve na moda, repetindo Paulo Prado, dizer que somos o fruto de "três raças tristes", tal como fomos descritos em Retrato do Brasil, publicado em 1928. Será? Paulo Prado escreveu seu livro famoso depois da Semana Modernista de 1922 e era colega de Mário de Andrade, que, em Macunaíma, pinta uma imagem marota do brasileiro, mas não triste. Talvez por trás das observações de Paulo Prado, que fizeram tanto sucesso na época, subsistisse, sem que o autor quisesse ou talvez nem mesmo se apercebesse, a falta de confiança no futuro em uma nação composta por "três raças". Se pelo menos fosse uma só, e se esta fosse branca, no máximo com alguns salpicões indígenas, quem sabe poderíamos ser depositários de maiores esperanças...

Se essa era (e ainda é em alguns círculos) a atitude dos bem-pensantes, sobre as raças formadoras do Brasil e sua miscigenação, é inegável que nas décadas recentes a inclinação das avaliações mudou. Acho que o autor paradigmático dessa mudança recente, seguindo as pegadas de Gilberto Freyre, que, desde décadas antes, proclamava as virtudes da mescla, foi Roger Bastide. Francês que se dispôs a entender o Brasil a partir da "luneta africana", como escreveu, fala da "interpenetração de civilizações" para descrever o que outros chamavam de sincretismo religioso. Com a ideia de civilização, e não apenas de culturas (quer dizer, de modos de pensar, sentir e fazer), mostrava "os grandes feitos", materiais ou não, os resultados das culturas em contato. Foi outro francês, Pierre Verger, quem nos ensinou o quanto de "africano" havia em nossa cultura, ou melhor, como nos apropriamos dos saberes, artesanias, sensibilidades que vieram da África. Olhando as fotos de Verger, ora tiradas na Bahia, ora no Benim, qual de nós, sem ler a legenda, seria capaz de dizer "essa foi tirada no Brasil, aquela na África"? Qual de nós identificaria nos objetos rituais algo de "propriamente brasileiro". Mas haverá tal coisa, algo propriamente brasileiro?

Há, só que o que nos é próprio é precisamente a interpenetração das civilizações. Não podemos falar de uma "cultura negra" no Brasil como quem sabe os americanos possam, referindo-se ao que ainda hoje existe nos Estados Unidos, uma identificação à parte de cada uma das suas culturas. Tampouco de uma "cultura branca". Isso, de "música de negros" - como Sergio Cabral mostra em seu ensaio neste livro -, era o olhar do branco preconceituoso. O negro, o mulato, discriminados, embora escravizados mesmo, pouco a pouco venceram culturalmente os vencedores sociais: a música "deles" é a nossa. Tomara que a "nossa" seja deles. Mas haverá, culturalmente falando, um nós e um eles? Socialmente, nas hierarquias e distinções, a marca da sociedade escravocrata, como antevia Joaquim Nabuco, não se extinguiu com a Abolição. Mas a cultura se misturou mais que o sangue, em um povo racialmente bastante mesclado.

É só folhear este admirável livro para que o leitor se dê conta de que muito do que é o "orgulho de nossa cultura" nasceu de mãos e cérebros negros ou mulatos e, se alguém se der à pachorra de pesquisar, verá também que muito do que foi incorporado à produção cultural que primevamente era negro, como o samba, é obra dos brancos da terra... Mais significativo do que tudo, este livro mostra a abrangência da presença negra e mulata no tempo, no espaço e na diversidade das contribuições culturais. Da escultura, quase todos sabem, Aleijadinho e mestre Valentim são ícones da nacionalidade. Mas e o resto? A música sacra das Minas Gerais, de Goiás ou do Rio não expressa a espiritualidade "católica" dos afrodescendentes? Que dizer das pinturas admiráveis do barroco "brasileiro", isto é, afro-português e até ameríndio, transposto como "coisa nossa", porque, de fato, tornou-se marca brasileira - que se espalha por todo lado - de Minas, Rio, Bahia, Pernambuco, Maranhão e até de São Paulo? E não foi Carlos Lemos quem mostrou neste livro o talento de outro arquiteto, o Aleijadinho paulista Joaquim Thebas, ele próprio ex-escravo? E a santaria "brasileira", ora de molde português, ora de pura inventiva ingênua, não teve tantas mãos de escravos, ex-escravos e seus descendentes?

Seria longo o desfilar das proezas de nossos artistas, dos carpinteiros, marceneiros, ferreiros, ourives que das artesanias passam à arte num sopro de sensibilidade. É só folhear o livro.

Não quero terminar sem uma palavra de sociólogo; esta coletânea mostra também a "ascensão social" do ex-escravo, do negro e do mulato. Se, no século XVIII, o barroco domina tudo, se são as corporações de ofício as que contratam obras, é por intermédio delas que os excluídos da sociedade dos brancos buscam se classificar.

Não consigo deixar de mencionar uma reminiscência: foi em Ouro Preto, em 1954, que eu e Ruth Corrêa Leite, minha mulher, começamos a aprender a admirar a arte feita por alguns destes, que ora gabamos, e, com Gilda de Mello e Souza, que nos guiava naquelas paragens, quando fazia uma pesquisa sobre o tema, conseguimos aprender também que as irmandades dos negros e mesmo as confrarias religiosas em geral eram portas de entrada para a ascensão social dos ex-escravos. No século XIX, como se vê nos capítulos correspondentes deste livro, foram as academias de belas artes que cumpriram este papel. Já no século XX, além da música e dos esportes, a própria literatura escrita por mulatos se incorporou à "cultura brasileira", que é a cultura de todos nós, independentemente da cor de nossa pele.

E por falar em cor da pele, esta coletânea não deixa de mostrar como, ao lado da continuidade da presença negra e mulata, até nossos dias, na escultura, na pintura, nas letras ou onde mais haja contribuição cultural, também houve certa continuidade na dissimulação dos vestígios de sangue africano. Sem propriamente denunciar, o livro mostra que alguns artistas, escritores e políticos, de visível mestiçagem, preferem calar sobre suas origens ou não se referir em suas obras e ações a tal marca. Debalde, tantas são as misturas que formam o arco-íris nacional e tão crescentemente se valoriza exatamente não só a interpenetração das civilizações, mas das "raças", conceito abalado nas ciências. Melhor seria proclamar de uma vez que quase todos somos mestiços, se não de negros ou de índios, das várias tonalidades de pele, de sangues e de elementos culturais que provêm do mundo afora, Europa e Ásia incluídas.

A esse respeito, uma pequena história conclusiva: o papa João Paulo II visitou o Brasil quando eu ainda exercia a presidência. Ao chegar ao aeroporto do Galeão, no Rio, onde fui recebê-lo, ajudei-o a impedir que a brisa constante levasse do púlpito as páginas de um primoroso discurso. Nele, o Santo Padre fustigava tudo que fosse discriminação e desprezo pelos indígenas e pelo direito que têm ao uso de suas terras. No dia seguinte tive o prazer de receber o papa no Palácio das Laranjeiras.

Antes de o levar à presença de dezenas de convidados, recebi-o só com meus familiares e, em amável conversa, houve referência a seu discurso. Elogiei-o, pois era uma página em defesa dos direitos humanos, mas ponderei que no Brasil a questão mais numerosa, embora nessa matéria não se deva contar por números, era a questão dos negros e seus descendentes, posto que cerca de metade da população é composta por estes. Para ser mais convincente, tomei as mãos do Santo Padre e aproximei as minhas das suas. Perguntei-lhe, fazendo-o olhá-las: o senhor é branco, alvíssimo, disse. Acredita que minha pele seja igual à sua? Não foi preciso ouvir a resposta.

Um sorriso bondoso anuiu com o significado do que eu queria transmitir-lhe. De um jeito ou de outro, somos todos mestiços, senão de sangue, de alma.


Terra

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O crack é um desafio para segurança pública em Natal




Edmilson Lopes Júnior

Uma epidemia, que se espalhou das capitais nordestinas para as pequenas cidades do interior. Não me refiro à dengue. Trata-se do consumo do crack. O Nordeste vive hoje, em relação aos efeitos devastadores dessa droga, o que São Paulo enfrentou na primeira metade da década de 1990. É um problema de segurança, sim, mas também de saúde pública. Jovens e adolescentes, em sua quase totalidade pobres e residentes nas franjas periféricas, são as vítimas primeiras. Ao seu lado, impotentes e derrotados, os seus familiares.

Na campanha eleitoral que terminou, pelo menos no Rio Grande do Norte, o crack foi abordado à exaustão. Isso não significa que tenham sido apontadas propostas concretas para o seu enfrentamento. Mesmo quem fez do combate à droga o seu mote de campanha, apresentou muito pouco de substancial. Tudo se passando como se o problema pudesse ser enfrentado com as mesmas receitas ineficientes de sempre: aumento da repressão e encarceramento dos usuários.

Mas, mesmo assim, essa abordagem primeira, mesmo que superficial e pautada pelas últimas notícias dos telejornais locais, já é alguma coisa. Até bem recentemente, apenas os centros terapêuticos ligados às igrejas evangélicas respondiam aos dramas das famílias desesperadas diante do envolvimento de seus membros mais jovens com a droga. Talvez esse uso político do combate ao consumo do crack, mesmo que dominado pelo viés da mundialmente fracassada "guerra às drogas", possa ser o anúncio de que os atores políticos locais começam a sair da passividade de um problema dos mais graves.

Os efeitos dessa "guerra" e da dinâmica perversa do mercado da droga, especialmente nas cidades da região metropolitana de Natal, traduzem-se no aumento do número de homicídios entre jovens e adolescentes e no ressurgimento de grupos de extermínio.

Estes últimos são responsáveis por chacinas e pela emergência de um clima de medo que assusta até veteranos policiais. Não por acaso, as edições dos jornais locais das terças-feiras destaquem sempre os "balanços" das "ocorrências policiais" nos finais de semana. Geralmente, em média, temos meia dúzia de assassinatos, atribuídos, de bate pronto pelas autoridades de plantão, a questões relacionadas à venda do crack. O perfil das vítimas é o de sempre: jovens e adolescentes pobres.

Em trabalho de pesquisa ainda em andamento, o Professor Flávio Henrique, do Departamento de Estatística da UFRN, apresenta dados que confirmam esse cenário. Ao estabelecer uma relação entre as taxas de homicídios nas regiões metropolitanas de Natal e Recife, o pesquisador verificou que, enquanto na capital pernambucana, a tendência é de queda da taxa de mortes por causas externas (dentre as quais se incluem os assassinatos), em Natal, a tendência é de alta. "Na Região Metropolitana de Natal, apesar do nível da mortalidade por homicídio ser bem menor do que na Região Metropolitana de Recife, a tendência de crescimento é evidente, sobretudo, a partir de 2004", afirma ele. O crack é o diferencial nessas tendências em oposição.

A expectativa agora, especialmente se levarmos em conta que a Governadora eleita do RN, a Senadora Rosalba Ciarline, que destacou os problemas relacionados ao consumo do crack em sua campanha, inicie a sua gestão apontando políticas concretas. Ou, pelo menos, assuma uma posição de mobilização da sociedade local para a construção de políticas consistentes e eficazes no enfrentamento das mazelas diversas produzidas por essa terrível droga em território potiguar.

Terra

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Correios, João Pessoa, Paraíba

Sugestões para reformas no Judiciário



Por que para a mais alta Corte judicial do país não existe qualquer critério, na nossa Constituição Federal, a não ser o subjetivo, e os ministros do Supremo são escolhidos por um homem só? A questão é levantada pelo advogado e presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio, Ives Gandra da Silva Martins, no artigo "A escolha de ministros para o STF", publicado no Folhão desta 2ª feira (leia a íntegra).

O jurista retoma uma discussão proposta por ele em 1988, durante a Assembléia Nacional Constitunte e propõe um novo sistema de indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ives Gandra sugere uma ampliação no processo de escolha, com a participação de entidades representativas do Direito na definição dos escolhidos.

Segundo a proposta de Ives Gandra, o presidente da República faria a escolha do representante da Corte Suprema, a partir de uma lista de 18 nomes indicados pelo Conselho Federal da OAB (6); Ministério Público (6); e pelos tribunais superiores (dois do STF, dois do STJ e dois do TST).

Desta forma, afirma o advogado, as três instituições participariam da indicação. Ao Senado Federal, porém, caberia continuar - como agora - a examinar e aprovar o candidato escolhido através de uma comissão especial, integrada por senadores com "a melhor formação jurídica entre seus pares". Ives Gandra também sugere a manutenção do "quinto constitucional", sistema em que três dos 11 ministros viriam da advocacia e do Ministério Público, com alternância de vagas.

O advogado reafirma "o mérito e o valor dos 11 ministros do STF - e mérito reconheço também no presidente Lula e nos ministros Márcio Thomaz Bastos e Tarso Genro, que souberam bem escolher tais julgadores". Gandra adverte porém sobre o "risco potencial de uma escolha mais política do que técnica" no atual sistema de nomeações.

Neste sentido, poderíamos ampliar as discussões e pensar, por exemplo, sobre o caráter de vitaliciedade dos cargos de ministro do STF. Um mandato de 12 anos para seus titulares, por exemplo, é um bom ponto para iniciar esse debate.



Blog do Dirceu

ELITES CONTROLAM O SISTEMA JUDICIAL, MOSTRA PESQUISA DA USP



Há, no sistema jurídico nacional, uma política entre grupos de juristas influentes para formar alianças e disputar espaço, cargos ou poder dentro da administração do sistema. Esta é a conclusão de um estudo do cientista político Frederico Normanha Ribeiro de Almeida sobre o judiciário brasileiro. O trabalho é considerado inovador porque constata um jogo político “difícil de entender em uma área em que as pessoas não são eleitas e, sim, sobem na carreira, a princípio, por mérito”.

Para sua tese de doutorado A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil, orientada pela professora Maria Tereza Aina Sadek, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Almeida fez entrevistas, analisou currículos e biografias e fez uma análise documental da Reforma do Judiciário, avaliando as elites institucionais, profissionais e intelectuais.

Segundo ele, as elites institucionais são compostas por juristas que ocupam cargos chave das instituições da administração da Justiça estatal, como o Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça, tribunais estaduais, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Já as elites profissionais são caracterizadas por lideranças corporativas dos grupos de profissionais do Direito que atuam na administração da Justiça estatal, como a Associação dos Magistrados Brasileiros, OAB e a Confederação Nacional do Ministério Público.

O último grupo, das elites intelectuais, é formado por especialistas em temas relacionados à administração da Justiça estatal. Este grupo, apesar de não possuir uma posição formal de poder, tem influência nas discussões sobre o setor e em reformas políticas, como no caso dos especialistas em direito público e em direito processual.

No estudo, verificou-se que as três elites políticas identificadas têm em comum a origem social, as universidades e as trajetórias profissionais. Segundo Almeida, “todos os juristas que formam esses três grupos provêm da elite ou da classe média em ascensão e de faculdades de Direito tradicionais, como o Faculdade de Direito (FD) da USP, a Universidade Federal de Pernambuco e, em segundo plano, as Pontifícias Universidades Católicas (PUC’s) e as Universidades Federais e Estaduais da década de 60”.

Em relação às trajetórias profissionais dos juristas que pertencem a essa elite, Almeida aponta que a maioria já exerceu a advocacia, o que revela que a passagem por essa etapa “tende a ser mais relevante do que a magistratura”. Exemplo disso é a maior parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), indicados pelo Presidente da República, ser ou ter exercido advocacia em algum momento de sua carreira.

O cientista político também aponta que apesar de a carreira de um jurista ser definida com base no mérito, ou seja, via concursos, há um série de elementos que influenciam os resultados desta forma de avaliação. Segundo ele, critérios como porte e oratória favorecem indivíduos provenientes da classe média e da elite socioeconômica, enquanto a militância estudantil e a presença em nichos de poder são fatores diretamente ligados às relações construídas nas faculdades.

“No caso dos Tribunais Superiores, não há concursos. É exigido como requisito de seleção ‘notório saber jurídico’, o que, em outras palavras, significa ter cursado as mesmas faculdades tradicionais que as atuais elites políticas do Judiciário cursaram”, afirma o pesquisador.

Por fim, outro fator relevante constatado no levantamento é o que Almeida chama de “dinastias jurídicas”. Isto é, famílias presentes por várias gerações no cenário jurídico. “Notamos que o peso do sobrenome de famílias de juristas é outro fator que conta na escolha de um cargo-chave do STJ, por exemplo. Fatores como estes demonstram a existência de uma disputa política pelo controle da administração do sistema Judiciário brasileiro”, conclui Almeida.


Fazendo Media

Desembargador: Classe social influi na liberação de jovens





“Quatro jovens acusados de agressão na Avenida Paulista são liberados da Fundação Casa na última segunda-feira (15)

Dayanne Sousa

A classe social interfere em decisões que envolvem a internação de jovens infratores, opina o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da infância e da juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na segunda-feira (15), cinco adolescentes de classe média alta acusados de agressão na Avenida Paulista foram liberados da Fundação Casa, antiga Febem. No grupo de vítimas havia homossexuais e a polícia investiga se a violência foi motivada por preconceito.

"Não quero acreditar que nesse caso isso (influência da classe social) aconteceu, mas pode influenciar, sim", lamentou Malheiros. Em entrevista a Terra Magazine, ele defendeu a condenação dos jovens. "Como cidadão, me revoltou muito, não consigo entender a violência gratuita, o que me faz pensar a favor da internação imediata", opina. O processo, porém, ainda não foi concluído.

Apesar da crítica, ele avalia que a Justiça falha no caso de internações imediatas - antes de um julgamento. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que um menor não pode ficar internado sem julgamento por mais de 45 dias. Passar esse prazo, porém, não é raro. "É uma falha da estrutura do Judiciário". A situação piora para os mais pobres porque, em muitos dessas situações, a Defensoria Pública gratuita está sobrecarregada e não apresenta o pedido de habeas corpus para que o réu aguarde o julgamento em liberdade, defende.

No Rio de Janeiro, por exemplo, a Justiça organiza uma espécie de mutirão no Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador, para que jovens que estão há mais de 45 dias internados sejam julgados antes do Natal. Assim, os julgados inocentes poderiam passar as festividades em casa.

Em 2008, um menor chegou a ficar detido por 266 dias sem julgamento no Piauí, acusado de homicídio. O adolescente só foi liberado após decisão do Supremo Tribunal Federal, que defendeu que ele aguardasse julgamento em liberdade.

No caso dos jovens paulistas, pesou a favor da liberação o fato de os pais estarem presentes e de serem estudantes, o que a Justiça avalia como alguma garantia de que eles não voltariam a cometer infrações.

Os quatro adolescentes passaram a madrugada de domingo para segunda numa unidade da Fundação Casa na capital e foram soltos pela tarde. Há ainda um maior de idade envolvido, que também responderá em liberdade. Houve uma sequência de agressões no domingo com três vítimas. Todos os suspeitos responderão por roubo, lesão corporal gravíssima e formação de quadrilha. O maior de idade ainda pode responder por corrupção de menores, segundo o delegado do caso, Alfredo Jang em reportagem do Terra.”

Terra

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Reforma política: o primeiro desafio

José Dirceu

Nossa primeira presidenta eleita no país, Dilma Rousseff tem grandes desafios pela frente. Seu governo será confrontado constantemente com os preconceitos arraigados por séculos em relação às lideranças femininas no Brasil. Nesse sentido, Dilma guarda semelhanças com o presidente Lula, primeiro chefe do Executivo de origem popular. Tal qual Lula, Dilma terá que superar essas dificuldades com a realização de um grande governo.

Com amplo apoio no Congresso Nacional —maioria qualificada na Câmara e no Senado—, Dilma reúne condições para realizar a reforma política, “a mãe das reformas”. Os mecanismos da nossa democracia representativa não condizem com o status de potência que pretendemos assumir globalmente, por isso, a importância de aprovar a reforma política já no primeiro ano de governo. Assim, o novo sistema partidário e eleitoral passaria a valer nas próximas eleições municipais.

O debate em torno do novo sistema deve envolver toda a sociedade e o Congresso. Felizmente, o presidente Lula já sinalizou que irá colaborar no que for possível para a formação de consensos em torno da reforma. Sua participação será importante, porque sem acordo político não se faz reforma política. É preciso costurar um acordo que melhore o sistema brasileiro na direção de afastar a influência do poder econômico, fortalecer os partidos, aproximar os eleitos dos eleitores, aprimorar o funcionamento do Congresso e também dar mais eficiência de gestão aos governos.

Há muitas propostas já apresentadas, como o fim da reeleição e mudança para mandato único de cinco anos para os cargos Executivos. Alguns defendem também descasar as eleições majoritárias das eleições proporcionais e tornar obrigatória a realização de prévias para escolha de candidatos, ideias que causam polêmica. Como são controversas, igualmente, o fim do voto obrigatório e a realização da reforma por uma Constituinte exclusiva.

Mas o importante é a aprovação de alterações que ataquem nossos maiores problemas. É o caso do financiamento público de campanha, que permitiria baixar significativamente o custo de uma eleição e ajudar a combater a corrupção, além de diminuir o espaço para o caixa dois. É um passo decisivo para reduzir o peso do poder econômico e dos interesses privados nas campanhas. Outra proposta que atua nesse sentido é acabar com a suplência para senadores, que, em muitos casos, virou instrumento de negociação pecuniária.

Recentemente, aprovou-se a fidelidade partidária, fundamental para que os eleitos tenham maior compromisso programático. Mas decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) têm tirado a eficácia da medida, que precisa ser resgatada no processo de aprovação da reforma.

Sabemos que o sistema eleitoral brasileiro é eivado de peculiaridades que acaba por prejudicá-lo. É inevitável caminhar para uma sistemática mais racional, como o modelo de voto em lista, que favorece as escolhas baseadas em propostas concretas e não em personalidades que muitas vezes utilizam de sua fama para angariar votos.

Mas há quem sustente ser importante limitar o poder dentro dos partidos na escolha dos candidatos. A alternativa, então, é adotar o sistema distrital misto proporcional, em que o eleitor vota duas vezes: no seu distrito —definido a partir da densidade populacional— e na lista —pré-estabelecida pelos partidos.

Assim, ampliamos o poder de fiscalização da sociedade sobre seus representantes e fortalecemos os partidos e o caráter programático deles.

A partir de 2011, haverá uma maioria na Câmara e no Senado para aprovar essa reforma. A sociedade brasileira também está madura e certamente pressionará seus representantes para mudar nosso sistema político e eleitoral. O Governo Dilma será tão mais reconhecido na história do Brasil quanto maior for seu êxito na aprovação das reformas. Sem dúvida, seu primeiro grande desafio é aprovar a reforma política.

Blog do Noblat

Justiça, remédios, saúde e vida

O direito à saúde do brasileiro enfrenta resistências no Brasil por interesses econômicos discutíveis. O Poder Judiciário é usado pela indústria farmacêutica como recurso para impedir o lançamento de remédios mais baratos, em um país onde cerca de 30 milhões de pessoas (15,5% da população) vivem com menos de R$ 140 ao mês(ou R$ 4,60 ao dia). São definidas como pobres, segundo os critérios do Bolsa Família.

Reportagem de Vera Batista, publicada sábado no Correio Braziliense e no Estado de Minas, estima que os laboratórios mantenham, atualmente, 270 ações judiciais para retardar, o máximo possível, a entrada no mercado de mais de 20 genéricos, que, por lei, devem ser liberados até 2012. “Quando as patentes expiram, os preços dos remédios caem até 50%”.

ESTRATÉGIA VERGONHOSA

Segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), das 270 ações judiciais, pelo menos 180 estão espalhadas pelos tribunais do Rio de Janeiro e 40, nos de Brasília. “As empresas também estão usando a estratégia, exposta em mais de 50 processos, de forjar o uso de novos princípios ativos nos remédios, como forma de caracterizar uma nova patente”.

Os que defendem os genéricos pediram ao à Justiça para agilizar a análise e julgar todas as ações em bloco. “É a melhor forma de impedir as tentativas ilegais de extensão de patentes e a estratégia vergonhosa de alongamento de prazo”, disse Aristóbolo Freitas, advogado da PróGenéricos.

Freitas ressaltou que, de 2001 para cá, os consumidores brasileiros economizaram cerca de R$ 15 bilhões substituindo produtos de marcas tradicionais por genéricos.

Calcula-se que o Ministério da Saúde tem um gasto extra anual de R$ 800 milhões por ano para o Ministério da Saúde em razão da ação dos laboratórios contrários aos genéricos.

ASSÉDIO E RISCO

O problema é agravado pelo lobby das empresas sobre médicos e demais profissionais da saúde, segundo pesquisa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O grau de assédio é grande. O estudo, divulgado pela Folha de S. Paulo, envolveu entrevistas com mais de 700 médicos, gestores e responsáveis pelas farmácias dos SUS de 15 capitais brasileiras.

Entre os gestores, 75% relataram que recebem visitas mensais de representantes da indústria farmacêutica - só 15% deles são visitados por fabricantes de genéricos. “A estratégia de promoção de produtos mais utilizada é a distribuição de brindes com o nome dos remédios. Cerca de 40% dos 700 médicos ouvidos admitem que podem ser influenciados por esse tipo de abordagem na hora de receitar”.

Este cenário, em última análise, coloca em risco a vida das pessoas, sejam pobres ou ricos.


Jornal do Brasil

Em decisão inédita, TST proíbe câmeras de segurança em vestiários de empresas

Os trabalhadores têm direito à privacidade nos vestiários das empresas, que não podem instalar câmeras de segurança nesses locais. É o que diz decisão inédita do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que julgou o assunto em sua Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC).

A medida tem aplicação imediata apenas em relação ao dissídio coletivo do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e do Material Elétrico de Caxias do Sul (RS), mas deverá servir como base para outros casos semelhantes que chegarem à corte. A decisão não deve ser alterada por recurso.

A reivindicação chegou ao TST como um protesto contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que aderiu à proposta dos empregadores de colocar câmeras em todo o ambiente de trabalho.

No TST, os empregados pretendiam impedir a instalação de câmeras não só nos vestiários, mas também em refeitórios, locais de trabalho e de descanso. A alegação é que a prática causaria “constrangimento, intimidação, humilhação e discriminação aos trabalhadores.”

O recurso foi acatado em parte pelo ministro Walmir da Costa, que proibiu a instalação de câmeras apenas nos vestiários, afirmando que isso “certamente exporá a intimidade do empregado”. Quanto à vigilância em outras áreas da empresa, ele afirmou que, “desde que não cause constrangimento ou intimidação, é legítimo o empregador utilizar-se de câmeras e outros meios de vigilância, não só para a proteção do patrimônio, mas, de forma auxiliar, visando à segurança dos empregados”.

Paraíba on Line

Abandonados e esquecidos

Pacientes atendidos no Hospital de Trauma sem identificação

Rafael Oliveira



Muitos pacientes são atendidos diariamente no Hospital de Emergência e Trauma, em João Pessoa, sem serem identificados logo que chegam. A maior parte deles é reconhecida pelos documentos que portam ou através de contato feito com as famílias. No entanto, existem pacientes que dão entrada em estado grave e sem qualquer possibilidade de se conseguir informações sobre eles. O hospital os acolhe, na esperança de não ser mais um na dura lista dos pacientes abandonados e esquecidos nos .

Sem conhecer histórico de quem chega ao hospital, atendimento é prejudicado

Atualmente, o Hospital de Trauma possui dois casos de pacientes sem identificação. Um deles, com idade estimada em 45 anos, sofreu um atropelamento de moto no centro de João Pessoa no dia 30, e sofreu traumatismo craniano. Desde então, o paciente nunca deu uma palavra. A dona de casa Maria das Dores, que estava cuidando do filho Heitor, 15, na maca ao lado, tenta algum tipo de comunicação com ele desde que chegou, há três dias. "A gente puxa conversa, mas ele só sabe balançar a cabeça dizendo sim e não, e ele só faz isso quando quer. E ninguém da família apareceu ainda para vir cuidar dele", diz a dona de casa.

O outro caso é mais grave. Vítima de agressão física no Centro da Capital, um jovem com idade aparente entre 18 e 20 anos está internado desde o dia 13 de outubro. "Ele está a quase um mês aqui, e ninguém veio procurá-lo. Provavelmente é um morador de rua, pois estava seminu e sem nenhum documento quando foi encontrado", explica a assistente social Yara Leite.

A assistente social estima que pelo menos 200 famílias chegam ao Hospital de Trauma em busca de parentes desaparecidos este ano. "Não temos certeza, porque o atendimento é informal. Mas, ao perceberem o desaparecimento, vão em delegacias, no instituto de medicina legal e nos hospitais", explica.


O Norte

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Pior não é para quem vai e sim para quem fica

Quando alguém é preso, geralmente não vai para a cadeia sozinho pagar pelo crime que cometeu. Junto vão muitas mães, irmãs, esposas, filhas, avós que, religiosamente, fazem filas nas portas dos centros de detenção e presídios, desde as primeiras horas nos dias de visita. Um lanche, um bolo de fubá, revistas, pilhas para o radinho, uma muda de roupa, pacotes de cigarros – que servem de moeda e diversão. No final, a pena de muitas dessas mulheres termina no dia em que seus filhos, maridos, pais, irmãos deixam a cadeia. Quando deixam.

(É triste que as mesmas filas não se formem do lado de fora dos presídios femininos. A quantidade de companheiros e familiares que vão visitar mulheres encarceradas são em número vergonhosamente menor, uma vez que a quantidade de mulheres nessa situação que são abandonadas é bem maior que a de homens. Mulheres, com notáveis exceções, têm sido criadas para acompanhar e servir. Homens para serem idiotas e egoístas.)

É doloroso viver com uma parte de você em outro lugar. Uma perda que não se completa, sobre a qual não se chora o luto, mas se sente a dor da distância e da saudade.

Incerteza, às vezes, é pior do que a morte, doença ruim que não é causada pelo ar ou água e sim pela distância. Em muitas regiões pobres, principalmente do Nordeste e do Vale do Jequitinhonha, mulheres vêem seus maridos irem embora e dedicam-se a cuidar da casa, da terra, da família. Como os homens passam a maior parte do tempo trabalhando fora, as “viúvas de marido vivo” – como são chamadas a contragosto suas esposas – acabam se tornando assumindo um papel que seria de dois, aguardando um retorno que nem sempre vem.

Nesse meio tempo, o telefone encurta a distância, mas nem sempre. E o peito começa a apertar quando o número de ligações vai escasseando, a freqüência diminuindo, quando a saudade falada já não convence. O coração fica mirradinho, mirradinho. Não são poucos os homens que, longe de casa, arrumam uma outra mulher. Conheci Ritinha durante uma reportagem que fui fazer no Norte de Minas Gerais há muitos anos. Seu marido decidiu ir tentar a sorte em São Paulo. No princípio, foi junto, acompanhá-lo. Antes unidos na dificuldade, do que separados. Pouco depois, ele a mandou de volta. Com o passar do tempo descobriu-se que tinha outra.

Por algum tipo de justiça estranha ou mera coincidência, ele adoeceu em seguida. Na época em que conheci Ritinha, seu ex-marido estava pedindo para voltar. Ela não queria, mas balançava. “É difícil criar os filhos sozinha”, completou sua irmã.

E as novidades não ficam apenas em um novo travesseiro na cama. Às vezes se estendem também para uma nova casa, novos filhos. Enfim, uma nova vida. Eliane, outra pessoa que conheci nas mesmas circunstâncias também no Vale do Jequitinhonha, passou por poucas e boas para ficar com o homem que amava. Com a família de seu marido a detestando, casaram-se. Segundo a sina de muitos sertanejos, ele foi empurrado para ser mão-de-obra barata no corte da cana longe dali. Veio a primeira filha e ele estava longe. No começo, ficava um tempão fora, mas voltava. Um dia foi e não voltou.

Passaram-se meses, anos. No começo, cartas chegavam. Depois foram desaparecendo. O dinheiro idem. Eliane passava dificuldades, mas aguentava na esperança de rever o marido.

De repente reapareceu. Fez um filho e sumiu de novo. Ela, cansada arranjou um outro companheiro. Pouco depois começou a frequentar a igreja evangélica. E então fizeram-na escolher: ou seu companheiro ou Deus, pois ela, uma mulher casada nos laços sagrados do matrimônio, não poderia viver em pecado com seu esposo ainda vivo. Ficou sozinha com Deus. O antigo marido reapareceu mais uma vez e disse que desta vez seria para sempre. Eliane não quis, mas devido à insistência da filha, cedeu. De novo.

Um tempo depois, ele confessou que formou família em São Paulo, com outra filha e tudo. Ela enraiveceu, mas como, segundo ele, tudo tinha acabado, perdoou. As coisas apertaram e voltou às usinas de cana. Então soube que o marido morrera de ataque cardíaco. Na época em que a conheci, trabalhando como empregada, corria para sustentar os filhos e manter-se forte diante das constantes crises de depressão de um deles. Pensão? Nem pensar. Provavelmente a outra família de seu marido é que a recebia do governo.

Desculpem o texto fora de contexto. Tudo isso para dizer que senhoras de cabelos brancos não deveriam tomar chuva e passar frio para visitar seus filhos.

Blog do Sakamoto

Seul entre Keynes e Marx

Por Mauro Santayana

Os cenários mudam, envelhecem os tempos, a retórica ganha novos vocábulos, mas o problema real é sempre o mesmo: o do confronto entre o predador e a presa; entre a presunção de que a força faz o direito e a resistência das vítimas; entre os ricos e os pobres. O encontro de Seul anuncia o malogro: todos querem ampliar o seu mercado, seja para obter matérias primas, seja para vender os seus produtos. Retorna-se ao cínico axioma dos anos 30: “Beggar thy neighbor” – empobreça o seu vizinho. Nesse movimento, a moeda deixa de ser o que deveria ser, um instrumento de trocas justas (a convenção que torna iguais as coisas diferentes, no pensamento clássico grego), para se transformar em uma arma de guerra.

A moeda é uma construção mental, como todos os símbolos que o homem criou para fazer a sua história. Ao vê-la assim, ao lado da linguagem e da ciência, concluímos que a economia, ou seja, a organização e evolução do trabalho, foi uma astúcia da espécie. Chegou o momento em que o sistema de trocas foi substituído pela adoção da moeda. Mas o valor da moeda depende da credibilidade de quem a emite. Mais do que o peso do metal e da perfeição gráfica do papel-moeda, é essa confiança que garante o valor real do dinheiro.

No passado, todas as moedas tinham lastro em bens tangíveis, fosse o ouro, fosse o trigo. A partir do encontro de Bretton Woods, em 1944, o dólar passou a ser a moeda de referência, garantida pelos estoques de ouro dos Estados Unidos. Com base nessa garantia, os norte-americanos passaram a comprar o mundo, com a moeda que emitiam sem que se comprovasse sua relação com as barras de ouro guardadas em seu cofre de Fort Knox. Vinte e sete anos depois de realizado o encontro de Bretton Woods e 25 anos depois de entrar em vigor, o presidente Nixon, dos Estados Unidos, revogou-o: o principal articulador e beneficiário da convenção de Bretton Woods não garantia mais o acordo. A razão era singela: De Gaulle havia anunciado que queria trocar os créditos franceses em dólar por ouro, ouro, mesmo. Outros países pretenderam seguir o seu exemplo: já previam o aumento dos preços do petróleo, diante da organização dos países produtores. Foi assim que, em um dia de agosto de 1971, o colunista pode assistir a uma situação insólita: nos bancos e casas de câmbio da Europa o dólar amanheceu sem cotação. Todas as moedas eram aceitas, em taxas arbitrárias e quase aleatórias – menos a moeda norte-americana. A partir de então, o dólar passou a valer o que queriam os norte-americanos. Fort Knox foi substituído pelos mísseis.

Desde a primeira crise do liberalismo de 1929 (que contribuiu para a 2ª Guerra Mundial) e outras delas menores, até a mais grave, de 2008, o mundo está em busca de uma solução permanente para a guerra cambial, para o controle do mercado financeiro pelos estados nacionais, e para a moralização de um sistema que, a cada nova revelação, mais se assemelha às gangs de Chicago e Nova Iorque. A comparação entre aqueles rapazes e os bandidos de Wall Street é moralmente favorável a Al Capone, Dillinger, Lucky Luciano e outros, que arriscavam a sua vida, e de vez em quando eram abatidos. Madoff nunca andou armado, nem teve que escapar de emboscadas.

Muitos se voltam para Keynes, a grande presença teórica de Bretton Woods, que foi vencido na ideia da criação da moeda mundial (“bancor”) e de um banco internacional de compensações; e outros desejam a volta ao padrão-ouro. A decisão do Fed em colocar mais US$ 600 bilhões em circulação, sem qualquer lastro sólido que os garantam, é mais um argumento para abandonar o dólar como moeda de referência mundial.

O capitalismo terá que inventar logo um novo Keynes, antes que os pobres descubram um novo Marx.

Jornal do Brasil

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Apan: obras no Bessa podem extinguir tartarugas marinhas

Prefeitura já estaria retirando a vegetação rasteira para o início da obra

Integrantes da Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (Apan), junto com moradores do bairro do Bessa, em João Pessoa, estão se mobilizando para impedir construção de uma via para veículos, bicicletas e pedestres, no trecho entre o Mag Shopping e o Iate Clube.

De acordo com a presidente da Apan, Socorro Fernandes, a obra é um projeto da Prefeitura de João Pessoa, que já está derrubando o muro de algumas casas, apesar da licitação ainda estar acontecendo: “Além da derrubada dos muros das casas, que está sendo feita de forma truculenta, também estão retirando a vegetação rasteira. O que pode ser caracterizado como crime ambiental”.

Ainda segundo Socorro Fernandes, essa via vai ajudar na extinção das tartarugas marinhas, pois o local é usado pelos animais para a colocação dos ovos: “Além das tartarugas, o local é visitado por golfinhos, peixes-boi e outros animais. A praia do Bessa é a única nativa em área urbana do Brasil e do mundo”.

Na tentativa de evitar a construção desse projeto, a Associação está elaborando um grande movimento para chamar a atenção dos moradores da cidade e da imprensa para os perigos dessa obra.

“Estamos aguardando apenas a chegada de uma liminar que impede a construção, e em seguida estaremos chamando toda a imprensa para enfatizar a importância de manter a praia intacta. Queremos fazer uma ação grande e forte em nome da preservação da natureza”, destacou Socorreo Fernandes.

Wscom on line
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