sexta-feira, 13 de julho de 2018

Televisão; Rubem Fonseca

Eu gostava de desenhar. Estava sempre desenhando. Isso antigamente. Agora perdi a vontade de desenhar, ou melhor, não sei o que desenhar. Eu desenhava tudo, mulheres nuas, homem morto, flor –flor eu não gostava muito, só do cheiro- desenhava ruas, letreiros luminosos, pessoas em volta de uma mesa jantando ( ou almoçando), dois sujeitos jogando sinuca, aleijadinho –aleijadinho eu gostava de desenhar, vários tipos de aleijadinho, sem perna, em cadeira de rodas, sem braço, mas o que eu gostava mesmo era do aleijadinho com duas muletas e sem as duas pernas. Eu desenhava a cara desse aleijadinho como a de um homem feliz, feliz porque podia passear pelas ruas, ainda que fosse de muletas.

Havia uma coisa que eu detestava: desenho abstrato. “Abstração: uma coisa de difícil compreensão, obscura”, diz o dicionário. Novamente o dicionário: Abstrato: que não é claro para o espírito. Que é difícil de compreender, de explicar.”

Você desenha uma porcaria que não quer dizer nada e diz “é uma abstração”, e os bestalhões dizem “muito interessante”. Será que essa gente não sabe que arte tem que ter um significado? Tem que exprimir algo?.

Voltando ao meu problema. Eu sento à mesa, o papel e os crayons na frente, e não consigo desenhar. Na verdade nem sento mais à mesa. Vou direto pra televisão ver uma das porcarias que exibem.

Falta inspiração? Isso parece coisa religiosa e eu sou ateu. Falta motivação? O artista precisa estar motivado? Isso me parece pueril, uma tolice.

Eu sento à mesa, com o material para desenhar, espero um minuto. Desenhar o quê ? Vou para a poltrona e ligo a televisão. Penso, amanhã vou desenhar. Mas volto a ver televisão. Vejo televisão todos os dias. Isso é coisa de débil mental. Mas vejo televisão, e vejo novamente, e novamente, e novamente. Ver televisão deixa o sujeito maluco.

Compro um revolver, vou dar um tiro na cabeça.

Mas em vez de dar um tiro na cabeça atiro na televisão. Vários tiros, destruo aquele monstro.

Não demorou muitos dias para que eu voltasse a desenhar.

Televisão? Nunca mais. Sem televisão eu fiquei bom, deixei de ser um neurótico, ou coisa parecida.

Mas quando passo na vitrine de uma loja e vejo um aparelho de televisão confesso que meu coração bate apressado e minha boca se enche de saliva.

Histórias Curtas

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