Desde o lançamento dos estudos "Farra do Boi" e "A Hora da conta", realizados pela organizações Greenpeace e Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, respectivamente, a pecuária mais uma vez foi o alvo das discussões sobre a preservação da floresta amazônica. Os documentos deixavam clara a participação de grandes frigoríficos em atividades ilegais de exploração, o que gerou diversas reações do Ministério Público, como ações civis, assinaturas de Termos de Ajuste de Conduta e recomendações de embargo para redes varejista.
Dois meses após as ações do MPF, é dada a primeira resposta do setor rumo a resolução da problemática do gado na Amazônia. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras), entidade da sociedade civil que integra as grandes redes varejistas do país, divulgou no começo de agosto um novo programa de certificação que pretende atestar a origem da carne bovina vendida nos supermercados de todo país.
A nova ideia já tem apoio das três maiores redes varejistas do país -Wall Mart, Pão de Açúcar e Carrefour- e grupos frigoríficos (Marfig, Bertin e JBS), que foram alvos das denuncias. A Abras planeja que nos próximos 90 dias, o sistema já tenha um projeto piloto e esteja operando sobre toda a cadeia de produção da pecuária.
Em entrevista para o site amazonia.org.br, o presidente da Abras, Sussumu Honda, explica como surgiu a necessidade de criar este mecanismo, bem como quais serão as vantagens para o meio ambiente e para o consumidor quando a certificação estiver funcionando. Leia abaixo na íntegra.
Por que há necessidade de fazer esta certificação?
Sussumu Honda - Nós tivemos uma recomendação por parte do Ministério Público (MP) do Pará de não aquisição de produtos oriundos de fazenda listadas pelo Ibama, de fazendas que estariam operando de uma forma ilegal em função de desmatamento e ocupação do solo. Esta recomendação do já não existe mais hoje, já que uma série de ações por parte do governo do Pará fez as empresas assinarem Termos de Ajuste de Conduta. Paralelamente a esta recomendação do MP teve a denuncia do Greenpeace no começo de junho, na qual a organização divulgou o estudo "A farra do boi". Apesar da denúncia, o MP sim fez uma recomendação, logo, nós não estamos falando de uma denúncia de uma ONG, mas sim do poder público. Para o setor de varejo, que tem trabalhado dentro de legislações, a recomendação não nos pegou só de surpresa, mas colocou estas empresas numa situação muito desconfortável diante da opinião pública e diante seu público. São as três maiores empresas do setor no Brasil, que tem capital aberto, não só no Brasil, mas também na Europa e em outros países.
Desta forma, as empresas realmente decidiram seguir a recomendação do MP, suspenderam as compras dos produtos que não tivessem origens atestadas. O problema é que a carne é produzida, mas nós não temos mecanismos para saber onde ela foi produzida. Daí sim a criação deste programa da certificação de origem. Uma vez que nós vemos o ministério do Meio Ambiente, ministério do Trabalho e ministério da Agricultura, não com interesses difusos, mas sem um consenso dentro de algumas questões, o setor privado não pode ficar esperando algumas resoluções. Já que nós somos abastecedores, temos a responsabilidade de criar este programa e acredito que vá realmente colocar uma visão muito mais clara a origem dos produtos que estamos vendendo.
Quais serão as exigências feitas pelo programa para aderir à certificação?
Honda - É um programa que ainda está sendo construído pela SGS, que é uma certificadora de âmbito internacional. Os procedimentos técnicos eu não poderia te dizer, mas é preciso lembrar que os três grandes frigoríficos que abastecem nosso setor, que são os mesmos das denuncias, o Marfig, Bertin e JBS, já aderiram a instalação deste programa, e temos mais frigoríficos que querem aderir. Além disso temos as três grandes redes de distribuição de carne aderentes. Então é um programa que já nasce com adesões, mas ainda faltam 60 ou 90 dias para realmente criar o programa.
Haverá alguma parceria com outro setores da cadeia produtiva da carne?
Honda - Acredito que sim, é um programa de interesse tanto nosso como do pecuarista. Nós sabemos que grande parte da produção é feita de forma legal. Nós não podemos deixar que as empresas e pecuaristas legalizados concorram com produtores que tem um custo de produção menor.
Quando você trabalha de forma legal, você tem um desmate menor, você segue as regras, logo tem um custo maior efetivo na produção. Agora, não é possível que aquele que não respeita as leis participe do mesmo mercado, é uma concorrência desleal, pois o ilegal produz com menos custos, logo ele entra no mercado trazendo o preço do boi para baixo. Eu acho que este é um dos pilares da certificação. Ele vai permitir acesso ao mercado às empresas que efetivamente estiverem dentro das normas.
Para o setor de varejo, isto é o que importa, já que o consumidor pergunta-se sempre, já que a informação tem chegado de forma muito consistente a nossos consumidores através das mídias, sobre a origem. Assim como eles compram produtos orgânicos, eles vão comprar carne certificada.
Esta certificação vai envolver só a questão ambiental ou haverá outros critérios também, como sociais e econômicos?
Honda - Nós não temos intenção de ampliar este processo, é uma certificação de origem. Para as questões ligadas ao ambiente já existe o ministério (Ministério do Meio Ambiente) para cuidar. Nós temos que seguir também algumas questões ligadas aos ministérios, já que nós não vamos fiscalizar as propriedades como tem fazem os ministérios. Realmente o processo de certificação de origem é mais preocupado com origem. A pecuária nacional já participa de processos com oeste para atender a demanda de exportação. Infelizmente quando falamos de mercado interno nós não temos visto a mesma preocupação, mas vai ter de existir a partir de agora.
O senhor falou da responsabilidade do setor público em manter a fiscalização. Haverá alguma parceria com o governo para realizar auditorias sobre o sistema?
Honda - Não, é um sistema de certificação independente. Nós não querermos envolver o governo neste processo. Temos que utilizar mecanismos de fiscalização do governo, mas não queremos envolvê-lo pois vai tornar o processo muito moroso, já que nós sabemos a velocidade do governo. Nós queremos isto pronto em 60 ou 90 dias. Estamos conversando órgãos independentes, já conversamos por exemplo com o BNDES, que é um órgão de governo, mas na questão do financiamento, ele pode financiar as adequações dos frigoríficos e pecuaristas a estas novas regras, já que ele também foi citado por este processo de denuncias como financiador do desmate. Existe um processo de co-relações, mas nunca parceria com o governo. Estamos alinhados com o ministério, mas este programa não inclui a participação de nenhuma entidade do governo.
O senhor acredita que este novo selo vai impedir que a carne comercializada favoreça o desmatamento na Amazônia?
Honda - Eu acho que é muito claro hoje que o Brasil não precisa desmatar para produzir. Você consegue produzir até muito mais em áreas no sul e do sudeste que não estão sendo utilizadas para produção. Temos muita terra improdutiva. Esta ideia de desmatamento não é uma coisa tão simples.
Quando nós falamos de floresta amazônica, a primeira coisa que se tira da floresta é a madeira. O Boi chega depois. O primeiro processo de ocupação é pela madeira, então acho que nós precisamos saber criar prioridades. Hoje ela é o boi, mas não vejo isso no setor madeireiro.
O Brasil tem um problema muito sério no setor de madeira. O setor de pecuária está mais avançado do que a madeira e neste setor o jogo é pior em ações que são efetivamente ilegais.
Por Fabíola Munhoz, Flávio Bonanome
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