terça-feira, 18 de agosto de 2009

Comida, diversão e arte


Se o brasileiro comum não vai ficar contra Lula só porque tem gente bem nascida e bem posta falando mal do presidente, tampouco vai apoiar Sarney só porque isso convém aos propósitos políticos de Lula e do PT

A esta altura, parece óbvio que o PT e o governo fazem uma leitura torta do episódio que envolve o presidente do Senado, José Sarney. Segundo o Datafolha, os que pedem a saída dele do cargo, temporária ou definitiva, superam inclusive o portentoso contingente de apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva. Existe um monte de gente por aí que gosta do governo Lula mas também acha razoável que Sarney se afaste.

Constata-se novamente que a consciência do cidadão não tem outro dono a não ser o próprio. Se o brasileiro comum não vai ficar contra Lula só porque há pessoas bem nascidas e bem postas falando mal do presidente, tampouco vai ficar a favor de Sarney só porque isso convém aos propósitos políticos de Lula e do PT. O cidadão-eleitor é cada vez mais dono do nariz. Até porque tem cada vez mais acesso a informação. Alguns só se lembram disso quando é a seu favor. Acabam quebrando a cara.

Os números do Datafolha sobre Sarney são um retrato dos furos da estratégia política do PT e do Palácio do Planalto neste caso. Segundo os petistas e o governo, as pressões contra o presidente do Senado são manobras para enfraquecer Lula. Isso pode ser lido assim: se você quer proteger Lula, precisa apoiar a manutenção de Sarney. Mas também pode ser lido assado: Lula usa sua força política para garantir a impunidade de gente que se não tivesse essa proteção ficaria em maus lençóis.

É óbvio que uma hora vai bater em Lula. Se não diretamente (pois o brasileiro comum confia nele e é grato pelos resultados de seu governo, como mostra o Datafolha), com certeza no processo eleitoral. Algum candidato vai dizer assim: “Eu vou manter o Bolsa Família e todos os programas sociais, mas não vou acobertar irregularidades dos meus aliados, não vou fechar os olhos às coisas erradas só por conveniência política”. Parece uma mensagem fácil de difundir por quem tenha credibilidade e identificação com o campo político de Lula.

A pesquisa também permite contestar outra tese, de que o eleitor pobre não está nem aí para os maus costumes políticos, desde que a economia caminhe bem. É uma versão repaginada do preconceito que produz expressões como “bolsa-esmola”. Alguns da oposição dizem que os programas sociais compram a consciência dos beneficiados. Ao argumentar que o pobre se lixa para o papel de Lula nas confusões do Legislativo, pois tem comida na mesa todo dia graças ao governo, o PT reforça “pela esquerda” os conceitos que gosta de espezinhar na direita.

Talvez porque tanto na direita como na esquerda brasileiras os formuladores e estrategistas nunca tenham sido pobres de verdade um dia. Historicamente, ambas conhecem o pobre só de estudar, só de ouvir falar. Daí a tendência ao pensamento elitista. Se Lula ajudou a tirar milhões da pobreza, então os gênios acham que esses milhões seguirão cegamente o presidente, como antes seguiam os coronéis que lhes lançavam algumas migalhas dos banquetes da oligarquia.

Errado. Quando o sujeito sai da pobreza, ele adquire também a possibilidade material de exercer, de fato, sua capacidade crítica cidadã. Como na música dos Titãs, as pessoas não querem só comida: elas querem comida, diversão e arte. Todas essenciais para encontrar a saída, para qualquer parte que seja.

Blog do Alon

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