segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Não existe almoço grátis, a não ser que seja para mim


Outro dia, na minha aula de espanhol, a professora levou um texto do El País que falava sobre o Bolsa Família para que lêssemos e depois discutíssemos. Lemos rapidamente e ela perguntou a minha opinião sobre esse programa de transferência de renda do Governo Federal. Vocês sabem, eu tenho um opinião bastante favorável a ele. Após o meu discurso pró-Bolsa Família, a professora começou a desancá-lo, utilizando velhos argumentos: isso é bolsa-esmola; está ajudando a criar vagabundos; quanto menor o Estado melhor; o Estado não tem que se meter nem na vida das pessoas nem na economia; o Estado é essencialmente corrupto; o Estado é feio, bobo e tem cabeça de melão...

Então eu contra-argumentei e a discussão se prolongou até o final da aula, claro que sem levar a lugar nenhum, pois são inconciliáveis visões de mundo tão diferentes como a minha e a dela. Mas esse papo me deixou muito irritado, vocês podem imaginar.

Aí, finda a aula, a professora perguntou:

- Bruno, você é urologista, né?

- Quase, sou residente ainda..., eu respondi.

- Ah tá, é que eu tô com um cálculo no rim, tenho até um raio-X aqui comigo... Quer dar uma olhada?

Eu pensei: "olha, não existe almoço grátis...", mas respondi: "claro, pega lá, deixa eu dar uma olhada".

Aí eu olhei o raio-X, fiz as orientações e disse: "acho que você deveria fazer um ultrassom, mas já te adianto que provavelmente você vai ter que operar". E ela: " É, eu já sabia, meu médico disse a mesma coisa que você" e depois perguntou:

- Você opera pelo SUS?

- Eu só atendo e opero pelo SUS.

- Tem como eu marcar uma consulta com você?

Eu quase falei: "Uai, mas o Estado não é feio, bobo e tem cabeça de melão?", mas disse: "Claro" e a orientei sobre o que ela teria que fazer para marcar a consulta.

***
Essa historinha é só para ilustrar o espírito da nossa classe média. Ela pensa, normalmente papagaiando o que lê nos jornalões ou na Veja, que o Estado é a encarnação do mal. Acha que políticas de distribuição de renda só servem para "criar vagabundos" e são o "maior programa de compra de votos do mundo"; que trabalha muito para sustentar um Governo gastador; que o Estado é essencialmente corrupto, então sonegar impostos passa a ser defensável ("Vou pagar imposto pra quê? Para eles roubarem?)... Mas, curiosamente, acha que o Estado deixa de ter cabeça de melão quando oferece a ela alguma bolsa de estudos ou quando precisa usar serviços do SUS, por exemplo (tenho uma colega de trabalho que é neoliberal militante, participou até de passeata pelo fim da CPMF, e não se constrange em pegar medicações fornecidas pelo SUS para tratar sua hepatite C crônica. Com isso ela economiza mais ou menos 2 mil reais por mês. Afinal, "o Estado tem que servir para alguma coisa, né?") . E mesmo pede mais Estado quando é assaltada ("Tem que investir mais em segurança!") ou quando seu filho se forma e não encontra trabalho ("Pô, será que não vão abrir outro concurso público?").

Essa é a nossa classe média e eis o seu lema: não existe almoço grátis, a não ser que seja para mim.
Blog do Bruno, em Vi o Mundo

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