Com legalização distante, Frente pró-aborto quer conter retrocessos
Em reunião plenária, Frente Nacional pela legalização do aborto discute como enfrentar conservadorismo reacendido pela eleição presidencial de 2010. Com poucas chances de ver bandeira ser votada, Frente tenta conter a aprovação de retrocessos, como o Estatuto do Nasciturno, que proíbe cirurgia mesmo em casos de estupro.
Bárbara Lopes - Especial para a Carta Maior
BRASÍLIA – A Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto aproveitou que milhares de militantes feministas foram a Brasília participar da Marcha das Margaridas e realizou, na última quinta-feira (18/08), uma reunião plenária. O era clima defensivo e tinha uma interrogação no ar: como enfrentar o avanço do conservadorismo?
Ao colocar o aborto no centro do debate político, a eleição presidencial de 2010 reacendeu sentimentos conservadores na sociedade e, por consequência, entre os representantes dela no Congresso Nacional, onde aliás aconteceu a plenária.
Para as militantes da Frente, não apenas aumentaram as dificuldades no debate sobre a legalização do aborto, como agora é preciso lutar contra projetos que restringem ainda mais as possibilidades de interrupção da gravidez já permitidas pela legislação brasileira.
Na Câmara dos Deputados, por exemplo, há uma proposta de Estatuto do Nascituro, que proíbe o aborto mesmo em casos de estupro, ao dar a embriões a mesma proteção jurídica de crianças e adolescentes. Uma outra proposta oferece benefício financeiro para vítimas de estupro que decidam levar a gravidez adiante.
Os dois projetos foram aprovados pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. “Tem pelo menos quatro projetos tramitando no Congresso para transformar o aborto em crime hediondo e dois deles para transformar em crime de tortura”, disse Silvia Camurça, da Articulação de Mulheres Brasileiras, uma das entidades participantes da Frente, ao lado da Marcha Mundial de Mulheres, da Liga Brasileira de Lésbicas e da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Além de tentar barrar essas propostas no Legislativo, a plataforma da Frente passa por garantir o atendimento do SUS para o aborto legal, melhorar a oferta de métodos contraceptivos nos serviços de saúde e promover o Estado laico, se opondo ao ensino religioso e ao acordo Brasil-Vaticano.
“Nós queremos fazer o debate do aborto a partir da realidade que as mulheres vivem, e não a partir dos valores e concepções de alguns setores da sociedade”, afirmou Sonia Coelho, da Marcha Mundial de Mulheres.
Para outra representante da Marcha, Nalu Farias, a situação atual é paradoxal. Houve um retrocesso na discussão sobre a legalização do aborto ao mesmo tempo em que se acumulam vitórias de governos populares na América Latina.
Na avaliação de Nalu, a ruptura que o Brasil fez com alguns aspectos do neoliberalismo dos anos 1990 foi incompleta, pois não chegou a usos e constumes. A situação se agravou durante as eleições presidenciais de 2010.
Uma pesquisa do instituto Sensus divulgada dois dias antes da plenária da Frente dá uma ideia da força conservadora no país. A aprovação do casamento gay pelo Congresso tem apoio de 37% dos brasileiros e a da descriminalização das drogas, de 17%. Já a redução da maioridade penal é defendida por 81%.
Apesar disso, a possibilidade de legalização do aborto no Uruguai e na Argentina é vista como uma oportunidade pelas militantes defenderem a bandeira no Brasil. No Uruguai, um projeto havia sido aprovado pelo Parlamento, mas vetado pelo então presidente Tabaré Vázquez. O atual presidente, José Mujica, anunciou que não vetará a lei se for apresentada novamente.
Na Argentina, um projeto de descriminalização da prática está em andamento e as organizações feministas locais estão otimistas com relação às chances de aprovação. Com esse quadro, Nalu Farias defendeu que a Frente leve o debate sobre o aborto para os espaços de integração latino-americana, como a Cúpula dos Povos, que será realizada em 2012.
Na plenária, também foi apresentado o estudo “Advocacy para o acesso ao aborto legal e seguro”, que analisou os efeitos do aborto clandestino em Pernambuco, Bahia, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Coordenada pelo Ipas Brasil e Grupo Curumin, a pesquisa demonstrou que os maiores impactos – com mortes e seqüelas para a saúde – se dá entre mulheres pobres, negras ou indígenas, jovens e de baixa escolaridade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que complicações decorrentes do aborto matem 6 mil mulheres todos os anos na América Latina.
Antes da plenária, algumas militantes participaram de audiência pública da Subcomissão Permanente em Defesa da Mulher, vinculada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.
A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) opinou que o retrocesso no debate sobre o aborto aconteceu pela presença de uma mulher na disputa presidencial. “O movimento de mulheres está sendo lançado ao gueto, cada vez mais colocado na ‘marginalidade’, depois que se colocou no debate político no Brasil no período eleitoral ser contra ou a favor do aborto. Nenhum homem enfrentou essa discussão”, disse.
Carta Maior
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