sexta-feira, 6 de maio de 2011

Os limites do Código Florestal


Eron Bezerra 

 O novo código que será votado é a conciliação possível entre três concepções de uso dos recursos naturais (produtivismo, santuarismo e sustentabilismo), que pensam e agem de forma diametralmente opostas. São posicionamentos ideológicos, não de natureza ambiental, o que inviabiliza qualquer tipo de consenso, pois não há consenso em questões ideológicas antagônicas. O que há é um acordo possível.


Assim, naturalmente, o texto que vai a votos tem avanços e limites, maiores ou menores de acordo com a concepção do interlocutor. Esse arranjo só foi possível graças ao prestigio adquirido pelo relator, Deputado Aldo Rebelo, nos seus sucessivos mandatos, inclusive presidindo a Câmara Federal, além do fato de ser do PCdoB, partido cujo histórico de compromisso com o Brasil e os trabalhadores ninguém de boa fé ousa questionar. Isso possibilitou a necessária mediação, especialmente entre produtivistas e santuaristas.

Passemos ao mérito. A maioria dos cronistas data o Código Florestal como sendo um instrumento legal estruturado a partir de 1965. Na verdade ele remonta a 1934, governo Vagas, quando a legislação, válida para todo território nacional, permitia que se usasse 75% da área e preservasse 25%. Em 1965 o governo Castelo Branco reduziu a área de uso da Amazônia para 50% e ampliou a reserva legal para 50%. As demais regiões tiveram a área de uso ampliada para 80% e a reserva legal reduzida para 20%. Em 1996 o então governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso reduziu ainda mais a área de uso da Amazônia, limitando em 20% a área de uso e estendendo a reserva legal para 80%, sem alteração nas demais regiões.

Nesse período proliferaram as resoluções, portarias e interpretações a gosto de quem por ventura estava encarregado de gerir os órgãos ambientais, fazendo com que, na prática, não se tenha um instrumento legal, um marco único que discipline as ações no setor, o que exige, independente de qualquer outra questão, a urgência de um novo marco regulatório aplicável e capaz de ser cumprido e respeitado pelo conjunto dos envolvidos.

Ademais, “como o tempo não para”, em cada período de vigência da legislação ela foi ou rigorosamente aplicada ou solenemente ignorada, mas criou uma situação real concreta que não pode ser ignorada.

Vejamos um exemplo simples: na década de 70 milhares de pessoas foram levadas para a Amazônia pelo INCRA e receberam lotes de 100 ha e deles foi exigido que desmatasse 50% de sua área como condição básica para continuar recebendo apoio oficial. Quando FHC mudou a regra em 1996 os que tinham cumprido essa exigência legal ficaram na mais absoluta ilegalidade. Alguém certamente pode contra-argumentar que a averbação da área desmatada num cartório lhe evitaria qualquer problema. É verdade. Mas, a maioria, agricultor familiar, ou desconhecia esses preciosismos jurídicos ou não tinha dinheiro – difícil até para necessidades básicas - para gastar com essa “extravagância”. Legalizar essas pessoas é o mínimo que o bom senso e o sentimento de justiça recomenda.

Por que coisas aparentemente tão óbvias não são de pronto acatada por todos?

Porque a natureza desse debate é ideológico e não ambiental. Assim, para um “produtivista”, qualquer regra de preservação é uma violência contra a propriedade privada; por outro lado, para o “santuarista”, qualquer uso dos recursos naturais é uma agressão indevida do homem contra a “mãe natureza”; nós, “sustentabilistas”, compreendemos que o homem é parte do ambiente (não um corpo estranho) e que o desenvolvimento sustentado tem como premissa a elevação do padrão socioeconômico da humanidade e o uso da forma mais racional possível dos recursos naturais, assegurando que tais recursos sejam utilizados pelo período mais longo que a tecnologia (sempre em desenvolvimento) permitir.

Esse é o fundamento da sustentabilidade, em consonância com a dialética, que tanto reconhece que não há atividade antrópica ou natural sem impacto ambiental, como tem presente que “tudo que nasce deve morrer”, ou seja, sabe da finitude dos recursos naturais e da necessidade estratégica da preservação de parte de seus recursos. Marx, no Capital, preconiza que “como bons pais de família nós devemos utilizar os recursos naturais de tal maneira que seja possível assegurar o seu uso pelas gerações futuras”.

Assim, nem a política de terra rasa ou de santuário encontra amparo na ciência. São manifestações política, ideológicas, daí a impossibilidade de consenso nessa matéria.

O relatório procura enfrentar essa polêmica: mantém a reserva legal mas flexibiliza por bioma, dispensa tratamento diferenciado ao pequeno produtor, adota regras básicas de proteção a áreas sensíveis como margens de córregos e encostas e, principalmente, procura tirar da ilegalidade milhares de pequenos produtores rurais, muitos dos quais hoje com as suas propriedades penhoradas por terem cumprido a legislação que na época lhe impuseram.

Esse foi o acordo possível. Contempla, no fundamental, as ponderações mais caras a cada grupo de interlocutores. A votação do novo código florestal encerra uma etapa de incerteza jurídica (e mesmo técnica) e cria um ambiente capaz de assegurar a produção e a preservação para gerações futuras.

Vermelho

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...