Marcio Sotelo Felippe
“A questão social é caso de polícia”. A frase de Washington Luis é adequado exemplo da clássica contribuição de Marx à análise da História: o Estado como aparato repressivo a serviço da dominação de classe. O que é caso de polícia é caso de juízes. Uma estrutura de poder tem uma face tangível e um impulso intangível. O impulso de um cassetete cortando o ar é dado antes e legitimado depois por um “saber”. Este “saber” aparece como uma técnica fria e neutra: aos juízes, como juízes, compete aplicar leis, e não ter consciência social ou cogitar da justiça da norma.
Em uma sociedade estruturalmente desigual o juiz neutro é uma falácia risível. Um juiz que se pretende neutro diante do desigual equivale a matéria inerte, peça de uma engrenagem de dominação. O Judiciário era parte ontem da estrutura do Império escravocrata. Era parte ontem da estrutura da República Velha que fazia da questão social caso de polícia. É parte hoje da estrutura de dominação fundiária para quem o movimento dos sem terra é o tipo penal “bando ou quadrilha”. É parte hoje de uma mentalidade que pensa que estaremos mais seguros se o Estado responder à violência com mais violência e desrespeitando direitos básicos, sem se dar conta de que isto gera um círculo vicioso infernal que conduz à barbárie.
Há juízes no Brasil, no entanto. Há juízes cujas consciências lhes permitem agir como espíritos livres mesmo no interior da matéria inerte das engrenagens de dominação. Entendem que a função do Judiciário é garantir direitos; sabem que garantir direitos em uma sociedade desigual é o modo evidente de fazer justiça; compreendem que para isso há a exigência de olhar para a realidade social; e que princípios e valores devem subordinar normas positivas para que essa realidade se transforme e o Direito cumpra uma função social.
Na construção do processo democrático brasileiro juízes que escapavam do padrão conservador do Judiciário existiam, mas eram praticamente invisíveis. Nas décadas mais recentes começaram a se fazer notar. Há 20 anos alguns organizaram-se em uma associação que passou a ser o símbolo da idéia de um Judiciário aberto e moderno. Em 13 de maio de 1991 foi fundada a Associação Juízes para a Democracia, completando agora 20 anos. Tiveram a coragem de escolher o desassossego dos rebeldes em um meio em que o peso da tradição é tremendo.
Quem escreve a sério sobre a escravidão não pode omitir a função desempenhada pelo Judiciário no Império. Quem escreve a sério sobre a República Velha não pode omitir a função do Judiciário na “questão social como caso de polícia”. Quem escrever a sério sobre nosso tempo não poderá omitir o papel do Judiciário na criminalização dos movimentos sociais. Mas quem escrever a sério sobre o Judiciário no nosso tempo na perspectiva da construção do processo democrático brasileiro não poderá omitir a Associação Juízes para a Democracia.
Há juízesem Berlim. Há juízes no Brasil.
“A questão social é caso de polícia”. A frase de Washington Luis é adequado exemplo da clássica contribuição de Marx à análise da História: o Estado como aparato repressivo a serviço da dominação de classe. O que é caso de polícia é caso de juízes. Uma estrutura de poder tem uma face tangível e um impulso intangível. O impulso de um cassetete cortando o ar é dado antes e legitimado depois por um “saber”. Este “saber” aparece como uma técnica fria e neutra: aos juízes, como juízes, compete aplicar leis, e não ter consciência social ou cogitar da justiça da norma.
Em uma sociedade estruturalmente desigual o juiz neutro é uma falácia risível. Um juiz que se pretende neutro diante do desigual equivale a matéria inerte, peça de uma engrenagem de dominação. O Judiciário era parte ontem da estrutura do Império escravocrata. Era parte ontem da estrutura da República Velha que fazia da questão social caso de polícia. É parte hoje da estrutura de dominação fundiária para quem o movimento dos sem terra é o tipo penal “bando ou quadrilha”. É parte hoje de uma mentalidade que pensa que estaremos mais seguros se o Estado responder à violência com mais violência e desrespeitando direitos básicos, sem se dar conta de que isto gera um círculo vicioso infernal que conduz à barbárie.
Há juízes no Brasil, no entanto. Há juízes cujas consciências lhes permitem agir como espíritos livres mesmo no interior da matéria inerte das engrenagens de dominação. Entendem que a função do Judiciário é garantir direitos; sabem que garantir direitos em uma sociedade desigual é o modo evidente de fazer justiça; compreendem que para isso há a exigência de olhar para a realidade social; e que princípios e valores devem subordinar normas positivas para que essa realidade se transforme e o Direito cumpra uma função social.
Na construção do processo democrático brasileiro juízes que escapavam do padrão conservador do Judiciário existiam, mas eram praticamente invisíveis. Nas décadas mais recentes começaram a se fazer notar. Há 20 anos alguns organizaram-se em uma associação que passou a ser o símbolo da idéia de um Judiciário aberto e moderno. Em 13 de maio de 1991 foi fundada a Associação Juízes para a Democracia, completando agora 20 anos. Tiveram a coragem de escolher o desassossego dos rebeldes em um meio em que o peso da tradição é tremendo.
Quem escreve a sério sobre a escravidão não pode omitir a função desempenhada pelo Judiciário no Império. Quem escreve a sério sobre a República Velha não pode omitir a função do Judiciário na “questão social como caso de polícia”. Quem escrever a sério sobre nosso tempo não poderá omitir o papel do Judiciário na criminalização dos movimentos sociais. Mas quem escrever a sério sobre o Judiciário no nosso tempo na perspectiva da construção do processo democrático brasileiro não poderá omitir a Associação Juízes para a Democracia.
Há juízes
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