terça-feira, 21 de abril de 2009
Projeto para habitação foca emprego e esquece moradias
Para especialistas, plano do governo federal é mais uma resposta “keynesiana” de geração de emprego do que uma política habitacional
Propagandeado como ação de combate à crise econômica e ao déficit habitacional no país, o programa para construção de 1 milhão de moradias destinadas à população de baixa renda foi lançado pelo governo federal no dia 25 de março. Ao todo, a União lançará mão de R$ 34 bilhões em empréstimos e subsídios, que abarcarão desde pessoas físicas até as construtoras, a partir deste mês. Especialistas entendem o plano como um conjunto de medidas keynesianas clássicas, descoladas de uma política habitacional efetiva.
Denominado "Minha Casa, Minha Vida", o pacote prevê a redução da carga tributária que incide sobre o setor da construção civil. Um dos carros-chefes será um subsídio de R$ 16 bilhões, por parte do governo federal, para as famílias que tiverem renda mensal de até três salários mínimos. Estas poderão pagar uma parcela mensal de R$ 50 ou 10% de seu rendimento, no decorrer de 10 anos.
O economista Paul Singer, secretário Nacional de Economia Solidária, destaca o caráter funcional do pacote: “é uma medida anti-cíclica da crise econômica, principalmente por gerar postos de trabalho na indústria de construção”. Na mesma linha, o plano também é visto pelos arquitetos urbanistas Raquel Rolnik e Kazuo Nakano, como um conjunto de medidas keynesianas clássicas, por mobilizar investimentos públicos com o fim impulsionar a geração de emprego e impulsionar a indústria de construção civil. Rolnik é relatora internacional do Direito à Moradia da Organizações das Nações Unidas (ONU). Nakano é técnico do Instituto Pólis.
Bom para empresários
Aliás, o setor de construção ficou mais que satisfeito com a elaboração do pacote, tendo sido até mesmo consultado durante o processo de confecção. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão afirmou recentemente que “o plano traduz, em grande parte, muito do que o nosso setor vem defendendo nos últimos anos”.
É fácil compreender porque eles vem defendendo a política do governo federal. No artigo “As armadilhas do pacote habitacional”, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, Rolnik e Nakano salientam que 2007 foi um excelente ano para o setor imobiliário. Das 500 mil unidades financiadas no país, 50% foram para famílias com renda superior a cinco salários mínimos mensais. Da parcela financiada com recursos do FGTS, 61% foram para famílias de baixa renda. Porém, eles argumentam no artigo que metade dos financiamentos acessados por essas famílias foi para compra de materiais de construção usados em loteamentos precários e favelas, sem assistência técnica que pudesse garantir edificações seguras e de qualidade.
O resultado, segundo os urbanistas, foi o adensamento nas favelas e periferias e uma sobreoferta de unidades habitacionais para a demanda de renda média que permanecem "encalhadas", engrossando o número de imóveis vazios, hoje quase em mesmo número que o déficit habitacional do país.
Descolados
Para os dois, “é perigoso confundir política habitacional com política de geração de empregos” que, embora tenham relações óbvias, “não são sinônimas”. “Na prática, sem regulação no mercado de terras, o subsídio será integralmente engolido pelos proprietários de terrenos (inclusive pelas incorporadoras que fizeram grandes estoques nos últimos anos)”, diz o artigo.
Uma política de ampliação do direito à moradia deve ser focada nas necessidades habitacionais das populações de baixíssima renda e na reabilitação de edifícios existentes localizados em espaços urbanos consolidados, em especial nos centros das cidades, aproveitados para moradias populares, evitando a criação de guetos nas periferias e enormes impactos ambientais e na mobilidade urbana.
Embora se configure como um pesadelo para construtoras, o Estatuto das Cidades poderia funcionar como um importante componente para a realização do sonho da casa própria junto à população de baixa renda. A quantidade de imóveis vazios no Brasil corresponde a mais de dois terços do déficit habitacional e, no Sul e Sudeste, esses valores são quase equivalentes. Por não cumprirem a sua “função social”, muitos estariam sujeitos a uma série de ações do poder público, como o IPTU progressivo no tempo e utilização compulsória.
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/projeto-para-habitacao-foca-emprego-e-esquece-moradias
por Michelle Amaral da Silva
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