terça-feira, 28 de outubro de 2014

PT: uma Derrota na Vitória


O PT pode vencer Aécio, mas sairá derrotado das eleições

Raphael Tsavkko

Quem primeiro preferiu Aécio foi o PT. A campanha suja do PT contra Marina visava impedir que esta concorresse em um eventual segundo turno (no que foi bem sucedida) e deixasse o espaço pro Aécio, que os petistas pensavam ser fraco, incapaz, etc... Não nego que Aécio seja tudo isso, mas pelo visto os brasileiros discordam. E há o perigo real de Aécio vir a ser o presidente e com um agravante: com o apoio da Marina.

É óbvio que Marina é movida em parte por ressentimento, mas como condenar? Ela viu seu sonho de ser presidente ser destruído não apenas pelos erros dela - e sim, foram muitos -, mas por ter sido pesadamente bombardeada para além da política por seus ex-companheiros. Ex-companheiros estes que continuam sendo incapazes de qualquer autocrítica, e mantêm a carga contra Marina mesmo depois de ela ter sido derrotada.


O PT ajudou Aécio, colocou-o no segundo turno e a virulência de sua campanha foi tamanha que agora se vê perdido, incapaz de reagir. Claro, o PT pode ainda vencer, tudo é possível, mas cada vez mais o cenário se mostra complicado. Se os votos de Marina já estavam indo em sua maioria para o PSDB, agora provavelmente fluirão mais facilmente.


O PT, como já escrevi inúmeras vezes, se acomodou no poder. Acomodou-se com a certeza de que a esquerda iria sempre apoiá-lo. Não importa o quanto fosse para a direita, sempre aqueles à esquerda, como o PSOL e muitos apartidários mais críticos, iriam eventualmente dar seu voto ao PT para evitar o "mal maior".


Isso explica, aliás, por que o PT preferiu disputar com Aécio e não com Marina, que ganharia imediatamente os votos do PSDB (os antipetistas ou não) e ainda poderia disputar votos da esquerda que o PT tem como seus. Com Marina a esquerda não iria automaticamente para sua asa e o PT seria forçado a fazer um debate de verdade sobre seus rumos e os rumos do país, em que a militância fanática e as manipulações teriam efeito limitado.


O problema (para o PT) é que basta uma olhada nas discussões da esquerda para ver que muitos optaram pelo voto nulo, não compactuarão com um governo que elege Katia Abreu e a coloca na propaganda eleitoral para atrair o voto de fascistas. O PT colocou a esquerda numa caixa de sapatos no alto da estante achando que ficaria lá, guardada, tranquila, cordial, pronta para ser usada sempre que necessário. Mas a caixa, pelo visto, foi aberta e o voto da esquerda está longe de ser garantido, e pior, periga sequer ser capaz de ser disputado.


Aparentemente, o PT chegou em um ponto em que parte da esquerda não quer mais acompanhá-lo e o Aécio conseguiu angariar os votos da direita, da extrema-direita e até de setores da esquerda, com Eduardo Jorge e agora com Marina (não considero Marina de esquerda, mas parte de seu eleitorado sim o é), que o PT é incapaz de atrair.


Há, de fato, um antipetismo histórico, um ódio de classe tremendo, vemos isso no preconceito contra nordestinos, contra programas sociais e etc, mas seria irresponsável e mesmo criminoso creditar a este setor uma eventual vitória de Aécio. Há setores da esquerda que não suportam mais o PT no poder, há setores de uma direita liberal "ilustrada", e há o eleitor que simplesmente se vê esgotar o lulismo e as respostas que dava aos problemas sociais 12 anos atrás. É um eleitorado vasto e nem de longe homogêneo.


O PT por sua vez é incapaz de apresentar algo novo, algo além do Lulismo. Afasta a esquerda, "coopta" setores da direita e governa para estes setores, mas ainda assim não consegue mais atrair os votos necessários (pelo contrário, esta cooptação de setores da direita acaba radicalizando ainda mais o antipetismo e os antipetistas). Tornou-se um partido que apenas entende do poder, mas se desconectou da realidade e repudiou seu passado.


Mesmo que vença a eleição, terá perdido.


Perdeu o eleitor de esquerda de verdade e não conquista o eleitor de direita. Baseia-se na tese do "mal maior/mal maior" para manter a esquerda num cabresto e não é capaz de dar as respostas necessárias e nem de fazer qualquer autocrítica.


Se questionado sobre a campanha contra Marina, chama-a de magoada, ressentida. Se questionado sobre a esquerda que se recusa a apoiá-lo, ataca xingando-a de "coxinhas". Se questionado sobre indígenas, direitos LGBTs, respondem que ou fazem o que fazem pela governabilidade, ou acusam o crítico de mentiroso, pese a realidade ser clara e indisfarçável.


Um partido incapaz de assumir qualquer erro, mas sempre culpar o outro, está fadado a fracassar.


Marina, lógico, se enterra e se mostra incapaz de levar adiante o que ela chama de "nova política". Seu ressentimento, por mais compreensível que seja, acaba por colocar uma pá de cal em suas aspirações.


O PT é o grande responsável pelo crescimento do fundamentalismo evangélico no país. Aliou-se a ele, governou com e para ele. Criou as condições econômicas para que crescesse, ao incentivar o consumismo sem que a educação a acompanhasse. Aliou-se a ruralistas e abandonou a reforma agrária. Engessou movimentos sociais, tornando-os meros braços dos interesses do partido, enquanto criminalizava aqueles que saíam às ruas. E tudo isso com o discurso prepotente de que os insatisfeitos seriam fascistas, retrógrados etc.


Eis algumas das razões para tentar entender a atual situação do PT:


- Guinada para a direita afastou eleitorado de esquerda, além da campanha suja petista que afastou outros tantos.


- Protesto de junho e repressão durante a Copa (o número de votos nulos, brancos e abstenções em estados como Rio e São Paulo foi enorme, o que denota um cansaço do eleitorado).


- Apoio do PT a candidatos milicianos e bastante duvidosos (no Rio em especial, os Tatto em São Paulo etc.).


- Apoio do PT a candidatos abertamente fascistas, como Katia Abreu ou Collor, ou ainda Lobão Filho, Helder Barbalho etc. o que, no fim, diminui a visibilidade do PT e também afasta o eleitorado de esquerda.


- O PT lançou candidatos fracos em estados como São Paulo e Santa Catarina (dentre outros), o que diminuiu a visibilidade/atratividade dos demais candidatos a deputados.


- Um esgotamento natural do lulismo/petismo.


Hoje o congresso é o mais conservador desde 1964, e imensa parte dele é formada por aliados e ex-aliados do partido, que abriu mão de disputar cargos importantes para abrir espaço a aliados que são francamente direitistas e perigosos.


Enfim, toda essa salada, esse frankestein de políticas, aliados e atitudes, resultou no cenário atual, no perigo real de ser derrotado nas eleições e, pior, de ser derrotado por aliados e ex-aliados que tratou como lixo ou que foi incapaz de agradar o suficiente.


Se não descer do pedestal, o PT não irá apenas perder, como pode enfrentar imensas dificuldades para se reerguer, já que dificilmente teria moral para, por exemplo, se engajar novamente em lutas sociais, as mesmas que hoje criminaliza.


Mais que não ter moral, dificilmente seria aceito entre aqueles que ontem brutalizava, especialmente sem qualquer autocrítica e com a eterna atitude de superior e de bastião da esquerda.


Ou o PT se renova, realiza uma imensa autocrítica ou, não importa se vencer ou perder, será um partido zumbi, existindo apenas pelo poder, mas absolutamente vazio e afastando cada vez mais a esquerda, até o ponto em que o discurso do "mal maior" não terá mais qualquer efeito.


Raphael Tsavkko Garcia, jornalista, doutorando em Direitos Humanos pela Universidad de Deusto e mestre em Comunicação.

Correio da Cidadania

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