quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Poseidon

Franz Kafka

Posôidon sentou-se no escritório, revisando as contas. A administração de todas as águas dava-lhe um trabalho interminável. Ele poderia ter tantos assistentes quanto desejasse, e de fato tinha um grande número deles, mas, como levava seu trabalho muito a sério, teimava em reconferir todas as contas e assim os assistentes de pouco lhe valiam. Não se poderia dizer que ele se divertisse com a função,- levava-a adiante simplesmente porque era o que lhe haviam atribuído; em verdade, com frequência havia requisitado o que chamava de um trabalho mais alegre, mas, sempre que várias sugestões lhe eram oferecidas, o resultado era que nenhuma delas lhe era adequada como o era sua presente ocupação.


Não é preciso dizer que era muito difícil encontrar para ele qualquer outro trabalho. Afinal, ele não poderia ser responsável por um oceano em particular. Independentemente do fato de que num caso como esse o volume de trabalho envolvido não seria menor, apenas mais trivial, o grande Posêidon só poderia ocupar uma posição superior. E, quando lhe foi oferecido um posto não relacionado com as águas, essa mera possibilidade fez com que ele se sentisse doente, sua divina respiração tornou-se escassa e seu peito de aço começou a arfar. Para falar a verdade, ninguém levou sua reação a sério; quando um homem poderoso se queixa, todos devem aparentar concordar, por mais irreal que seja o caso. De fato, ninguém jamais considerou a possibilidade de retirar Posêidon de sua posição; ele estava destinado a ser o Deus dos Mares desde os tempos imemoriais, e assim era que devia continuar.


O que mais o aborrecia - e era esta a causa principal do seu desconforto com o trabalho - era saber dos boatos que circulavam a seu respeito; por exemplo, de que ele estava constantemente fazendo cruzeiros pelas ondas com seu tridente. E no entanto lá estava ele sentado nas profundezas do oceano do mundo revisando contas sem parar; uma visita ocasional a Júpiter era a única interrupção dessa monotonia; além do mais era uma visita da qual retornava invariavelmente furioso. Consequentemente, ele pouco via dos oceanos, a não ser de relance quando subia rapidamente ao Olimpo e, na verdade, nunca chegou a cruzá-los. Costumava dizer que estava adiando aquilo tudo até o fim do mundo, pois deveria então surgir um momento tranquilo quando, pouco antes do fim e tendo repassado a última conta, ele ainda teria tempo para fazer uma rápida excursão pelos mares.

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