sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A democracia representativa pode ser também participativa

Quem tem medo da sociedade civil

Setores do Legislativo atacam decreto sobre Participação Social. Querem proteger grupos que já têm acesso privilegiado ao poder… e manter-se como intermediários

Felipe Amin Filomeno

A reação negativa das presidências da Câmara e do Senado Federal e dos partidos de oposição ao governo federal diante do decreto 8243 de 2014, que institui a Política Nacional de Participação Social, é uma tentativa de conter o avanço de uma democracia participativa no Brasil. Esta tentativa busca, fundamentalmente, proteger os interesses daqueles grupos sociais que, historicamente, já tem acesso privilegiado ao Estado, porém é apresentada ao público como defesa do princípio da separação dos poderes.

Contrariamente à oposição, juristas do porte de Fabio Konder Comparato, Celso de Mello e Dalmo Dallari entendem que o decreto respeita a Constituição Federal e não fere o princípio da separação dos poderes. Lendo o decreto, constata-se que a política se aplica apenas a administração pública federal, dando extensão e detalhamento a processos participativos já existentes e com menção explícita aos limites estabelecidos na legislação em vigor. Por exemplo, artigo 10 do decreto apresenta diretrizes para a constituição de novos conselhos e para a reorganização dos conselhos já constituídos “ressalvando o disposto em lei”. Já o parágrafo segundo do mesmo artigo afirma que a “publicação das resoluções de caráter normativo dos conselhos de natureza deliberativa vincula-se à análise de legalidade do ato pelo órgão jurídico competente”. Ou seja, tais mecanismos de participação operarão nos limites da legislação existente e não substituirão os representantes eleitos pelo povo na função de legislar. A democracia representativa pode ser também participativa. Além disso, são várias as regras voltadas a garantir a transparência, a responsabilidade, a diversidade e a rotatividade de representação nestes mecanismos de participação, o que minimiza o risco de se constituírem como objetos de cooptação da sociedade civil pelo Estado. Basta ler o texto.

Mais do que isto, o decreto é uma resposta direta da Presidência da República às mobilizações de massa que ocorrem no Brasil desde 2013. É uma medida que contribui para solucionar o problema do “você não me representa”. Não é à toa que a oposição principal ao decreto vem do partido DEM, um grupo político conservador, vinculado a oligarquias, que é também um desdobramento direto do partido dominante da ditadura militar (ARENA). Estes grupos conservadores tem procurado utilizar as mobilizações em massa apenas para desestabilizar o governo Dilma, sem terem um compromisso real com o povo. Afinal, quando surgem propostas para aprofundar a participação popular na democracia brasileira, eles trabalham contra elas (desde as propostas de reforma política à política nacional de participação social). Basta lembrar que o DEM, então sob a sigla PFL, esteve na base de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso, que, por anos, abusou das medidas provisórias para legislar sem precisar de aprovação imediata do Parlamento. Mas, agora, o DEM resolve defender a separação dos poderes e a independência do poder legislativo. Num nível mais prático, a própria tática utilizada pelo DEM para se opor ao decreto — a obstrução de votações na Câmara através do uso da fala em plenário e da ausência voluntária de parlamentares — já é sugestiva de uma política feita “na marra”.

Ao tentar conter a participação social na administração pública federal, mesmo quando se propõe que esta ocorra dentro dos limites da lei, a oposição e as presidências do Congresso Nacional só mostram, uma vez mais, que não nos representam. Afinal, quem tem medo da sociedade civil?


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