domingo, 26 de outubro de 2014

Chico de Oliveira reafirma voto em Dilma


 
'O futuro não é uma coisa em aberto'

Sociólogo não concorda com leitura de que o país passa por clima de polarização e descarta comparações com as eleições de 1989 por entender que não há neste momento confronto ideológico radical

Renato Brandão

Chico Oliveira: "Sou sempre crítico, mas votei em Lula e votei na Dilma. Eu não vou votar nos tucanos"

São Paulo – Fundador e um dos maiores críticos do Partido dos Trabalhadores, o sociólogo Francisco de Oliveira surpreendeu esta semana ao declarar voto na reeleição da presidenta Dilma Rousseff. E mais: por meio do canal oficial de vídeo da campanha petista, o cientista político marxista justificou seu apoio à petista por “representar uma continuidade das melhores tradições” da esquerda do Brasil.

Apesar disso, em entrevista à RBA ele afirmou enxergar certa convergência ideológica entre a candidatura oficial e a da oposição, representada pelo senador mineiro Aécio Neves, do PSDB. “A presidenta Dilma é de uma certa tradição e o candidato Aécio Neves é de outra tradição, mas eles não são inimigos, são apenas adversários políticos”, diz.

“Ninguém está tentando romper com o capitalismo, ninguém está propondo sequer romper com o modelo que vem sendo adotado. São candidaturas partidariamente diferentes, mas ideologicamente não tem uma radicalização como tinha em 1989”, acrescenta o sociólogo, que cunhou o termo “ornitorrinco” como uma metáfora para definir o capitalismo brasileiro, que estaria no meio do caminho da linha evolutiva, assim como a espécie atípica de mamífero semiaquático natural da Austrália. Assim, o país seria uma simbiose entre o moderno e o arcaico, que não avança nem retrocede na escala do desenvolvimento.

Para o professor emérito da Universidade de São Paulo, seu conceito manifestado em ensaio no ano de 2003 continua muito atual. “É difícil que em uma geração se realize todas as reformas que são consideradas necessárias por essa parte da esquerda brasileira. Não é fácil fazer reformas. É fácil falar, mas muito difícil realizá-las.”

Chico de Oliveira acredita que essas reformas, embora muito importantes, ainda não são populares e imediatas necessidades do povo. “São reformas políticas muito importantes que esperemos que venham a ter maior inserção e expressão na vida política. Por enquanto, não têm.”


Duas das principais bandeiras da campanha presidencial do PT, a reforma política e a democratização da mídia, não são ideias aprofundadas ao eleitor, na visão do crítico marxista. “Ninguém vai propor nada disso no Congresso, isso não passa. Ademais de que é vago. O que quer dizer isso? Ninguém explicita. É só retórica eleitoral.”


Em um vídeo de apoio à reeleição da presidenta Dilma Rousseff, o senhor diz que ela “representa a continuidade das melhores tradições da esquerda brasileira” e de que “é preciso dar uma marca nessas eleições” que “aponta para o futuro”. Quais são essas tradições e esse futuro aos quais se referiu?


Os avanços sociais, a inclusão social. Tudo isso são promessas que a esquerda sempre se fez e de algum modo ela representa essa continuidade. O futuro não é uma coisa em aberto. O futuro é o que os homens e as mulheres traçam e executam. Essa tradição a esquerda brasileira sempre imprimiu, não esteve no poder, mas é uma tradição que impulsiona. E a presidenta Dilma está fazendo parte dessa tradição. Não é uma coisa óbvia, é até muito difusa, mas se percebe pelo esforço de inclusão social.


Existe contradição entre ser um crítico contundente dos governos Lula e Dilma e votar neles?


Eu sou sempre crítico, mas votei em Lula e votei na Dilma. Eu não vou votar nos tucanos. Eu sou crítico, não abro mão deste papel, mas votei no PT, votei em Lula e voto na Dilma. No Aécio é que não vou votar (risadas)... Então é isso, minha trajetória é esta, ser crítico contundente, mas eu voto no que me parece dentro das circunstâncias da política brasileira que eu posso fazer.


Qual a sua opinião quanto ao cenário desse pleito presidencial, principalmente no segundo turno?


Minha opinião é exatamente isso. A presidenta Dilma, que é candidata à reeleição, representa essa tradição. O Aécio Neves, eu não o desqualifico, não se trata de um pilantra, nada disso. É um candidato digno, que representa outra proposta. Eu estou com a presidenta Dilma, e não com o candidato Aécio.


O senhor avalia que houve uma polarização maior nesta eleição, que poderia guardar semelhanças com a corrida presidencial de 1989?


Não, não, não. A polarização de 1989 era maior, mais radical, os candidatos representados não tinham nenhuma semelhança. Agora as coisas não são tão radicais. A presidenta Dilma é de uma certa tradição e o candidato Aécio Neves é de outra tradição, mas eles não são inimigos, são apenas adversários políticos. Em 1989, havia uma radicalização maior, tinha-se saído da ditadura e as candidaturas ainda possuíam uma marca, elas apareciam como continuidade daquele período.


Em relação ao eleitorado, às pessoas, e não às candidaturas, o senhor acredita que haja uma divisão ideológica, até mesmo do país?


Não tem nenhuma radicalização ideológica, isso é invenção. As candidaturas ideologicamente são muito parecidas. Ninguém está tentando romper com o capitalismo, ninguém está propondo sequer romper com o modelo que vem sendo adotado. São candidaturas partidariamente diferentes, mas ideologicamente não têm uma radicalização como tinha em 1989. O futuro dirá se isso é melhor ou pior para o Brasil. Na minha avaliação, não há nada pior. Quer dizer, o candidato Aécio é um candidato digno, com um passado político respeitável e apenas está em uma outra linha partidária, mas não propriamente uma linha ideológica tão diferente. A presidenta Dilma representa essa outra proposta dentro de um campo ideológico que é muito parecido. Não tem ninguém propondo coisas radicais.


Alguma das candidaturas conseguiu incorporar de alguma forma as insatisfações manifestadas nos protestos de junho de 2013?


Não, não, não. Estão muito distantes dos protestos de junho do ano passado. Os protestos eram mais radicais, mas não foram incorporados assim tão diretamente por nenhuma das candidaturas, né. Ninguém faz proposta para perder. E os protestos de junho eram muito radicais dentro da tradição brasileira. Ninguém é candidato para perder.


E qual é a sua avaliação sobre a candidatura de Marina Silva?


Sem muita base popular. As propostas de ambientalismo não são populares, não. É uma coisa mais, digamos, refinada, que não está nas preocupações populares. O fracasso dela se deve a isso, e não à inconsistência. Havia certa inconsistência nas propostas, mas não foi isso que a derrotou. O que a derrotou foi que ambientalismo é uma coisa muito vaga, não se incorpora concretamente a nenhuma proposta popular. Então, era de se esperar o desempenho. O desempenho maior dela, na verdade, foi a mídia que fez. Mas não são propostas populares.


O senhor foi surpreendido pelo apoio de Marina a Aécio?


Eu não fiquei surpreendido com nada. É tão inconsistente a posição dela que poderia ter apoiado um ou outro. E não adiantaria nada demais, carregaria votos, mas não é assim uma coisa tão radical como se pensa.


O próximo Congresso Nacional terá um perfil mais conservador. Caso seja reeleita, a presidenta Dilma terá maiores dificuldades em colocar em pauta bandeiras da campanha petista, como a reforma política?


Isso é conversa de auditório. Quem vai propor reforma política para valer? Nem tem força para isso. Nem a democratização dos meios de comunicação. O que isso quer dizer? Que tem que mudar a propriedade de rádio e TV, jornal? Pode dizer da boca para fora, mas ninguém faz isso em canto nenhum do mundo. Isso é conversa fiada, quer dizer, é conversa eleitoral. Ninguém vai propor nada disso no Congresso, isso não passa. Ademais de que é vago. O que quer dizer isso? Ninguém explicita. É só retórica eleitoral.


Em relação aos partidos de esquerda, principalmente à esquerda do PT e ao Psol, por que essas forças não conseguem maior inserção no cenário político brasileiro?


Porque não são populares. Eu mesmo sou do Psol, quer dizer, voto no Psol, mas o Psol não é uma proposta popular que possa ser abraçada por um contingente expressivo de eleitores. O Psol é uma radicalização do PT, uma ala esquerda que, no PT, não consegue mais inserção e, então, criou-se um novo partido. É um partido importante porque ele cutuca a direita, mas não tem força para ser maioria eleitoral. Ainda não. Esperemos que, com o passar do tempo, vá conseguindo uma maior inserção popular. Ainda não tem.


O que continua atual daquilo que escreveu em ‘O ornitorrinco’?


Quase tudo continua muito atual. É difícil que em uma geração realize todas as reformas que são consideradas necessárias por essa parte da esquerda brasileira. Não é fácil fazer reformas. É fácil falar, mas muito difícil realizá-las. É preciso um grande apoio popular e essas reformas, tais como são pregadas pelo Psol, não são populares. Não estão nas imediatas necessidades do povo. São reformas políticas muito importantes que esperemos que venham a ter maior inserção e expressão na vida política. Por enquanto, não têm.



Ao longo dos últimos anos, o senhor chamava a atenção para o esgotamento da política como capacidade de representação e da possibilidade da mudança, dentre outras coisas, por conta de atores poderosos, como o mercado financeiro. Sustenta essa posição?



De certa forma, sim. A política institucional, aquela que está nos partidos, é quase irrelevante. Na verdade, as grandes decisões são tomadas fora do âmbito dos partidos. Na verdade, quem manda no Brasil não são os partidos, mas a estrutura financeira, de bancos, da capacidade de financiamento, e as federações de indústrias. São essas que fazem a política concreta. Os partidos estão sempre a reboque. São importantes na vida política, mas têm muito pouca relevância do ponto de vista de medidas concretas.



Como o senhor encara o que se convencionou chamar de ‘lulismo’?



É uma forma de política que o Lula encarna. Não é, possivelmente, uma forma de política que tenha no PT a sua maior expressão. O lulismo ultrapassa o próprio PT e eu não sou propriamente favorável ao lulismo. Acho que é um desvio de propostas que o PT fez algumas vezes. Como o Lula é superior ao partido que o projetou, o lulismo está sempre acima das propostas do campo do PT. Não é a minha preferência.



O senhor acredita no esgotamento desse modelo, do ‘lulismo’, de apaziguamento de conflitos?



Ele vai se esgotar, não tem tanta força como pretende. Na verdade, a força do ‘lulismo’ já com Dilma Rousseff é uma força declinante. Será mais declinante ainda se a Dilma se reeleger. No futuro, as decisões políticas vão se apartar cada vez mais do ‘lulismo’. O 'lulismo' não é uma posição ideológica para ter força que consiga se sustentar. O 'lulismo' depende muito da própria presença pública de Lula e assim será declinante.



Qual será o lugar do governo Lula na história?



Vai estar em um lugar importante porque, de alguma forma, é uma irrupção de forças mais populares na política brasileira – eu não digo mais à esquerda porque o Lula não é de esquerda. Não é tão radical quanto se pensa. Bastava ter ouvido o discurso de Lula agora no último evento (PUC), que é um discurso tradicional, não tem nada de radical.



O PT foi um catalisador de demandas até a chegada ao poder em 2003. Qual a função do PT hoje?



A função dele é menor do que a do próprio Lula. De alguma forma. A expressão do PT está muito vinculada à de Lula, isso declinará no futuro, porque o Lula não vai ter uma projeção tão grande quanto tiveram no passado outras forças políticas, como a própria influência de (o ex-presidente Getúlio) Vargas. A influência de Lula empalidece quando comparada com a força de Vargas, que é o político mais eminente do Brasil. Essa força se declinará ainda mais no futuro, porque os candidatos vão criando autonomia. Já se vê a própria Dilma, produto do lulismo, fazendo esforços para não ser ligada como dependente do Lula. Ela, certamente, não precisa prevenir, mas não quer ser identificada como uma figura exclusiva dependente dele.



Rede Brasil Atual

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