terça-feira, 22 de março de 2011
Mais comum nas áreas rurais, trabalho degradante cresce em obras
MARÍLIA ROCHA
Doente e dividindo com outros 28 operários um dormitório onde só cabem dez pessoas, Josivaldo Santos Batista, 37, foi flagrado na periferia de Campinas há uma semana em condições degradantes de trabalho --situação que, no interior de São Paulo, era comum apenas nas áreas rurais.
Na região, a exploração de trabalhadores como Batista está migrando das lavouras de cana de açúcar para a construção civil, segundo o Ministério Público do Trabalho em Campinas.
O crescimento da mecanização no campo, o aquecimento do setor imobiliário e a "profissionalização" de agenciadores que buscam mão de obra barata são apontados como fatores decisivos para essa mudança.
Contrariando determinações trabalhistas, os alojamentos desses operários não têm condições de higiene, ventilação nem conforto mínimo como camas --substituídas muitas vezes por colchões no chão.
Nos casos mais graves, o trabalhador é aliciado com promessas de trabalho ou salário bem diferentes dos encontrados na prática. Outro agravante é a restrição de mobilidade -quando patrões retêm documentos para impedir que o trabalhador consiga outro emprego.
SEM ÁGUA
Batista saiu da Bahia em outubro com a promessa de ganhar R$ 800 por mês, mas nunca recebeu mais do que R$ 600 -ele diz que, muitas vezes, parte do salário é descontada sem razão aparente.
"A gente dormia embolado e mal, depois trabalhava o dia todo, às vezes sem nem beber água", conta ele.
Rerison Charles da Silva Santos, que trabalha na construção de escola em Hortolândia (SP), disse que ele e colegas receberam comida estragada: "Eu não sou de comer carne estragada."
"Há oito anos, recebíamos uma denúncia semanal nas lavouras de cana de açúcar e praticamente nenhuma na construção civil. Hoje, é exatamente o inverso", afirma a procuradora do Ministério Público Eleonora Coca.
Desde fevereiro, o órgão flagrou trabalhadores em situação degradante em seis obras em Campinas.
Entre elas, estão uma escola estadual sob responsabilidade da construtora Itajaí, uma obra de galpões da Norpal, um condomínio residencial da MRV e outro da Goldfarb e da Odebrecht.
Para um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Campinas e Região, Paulo Martins, a situação piorou com o aquecimento do setor.
"Depois que lançaram incentivos à construção, tem muita gente precisando de trabalhador, e outros se aproveitando disso", afirma.
OUTRO LADO
O diretor da Norpal Norberto Paller, que emprega Josivaldo Santos Batista, culpa a pouca oferta para locação e os próprios funcionários. "Eles muitas vezes não cuidam do seu ambiente", diz.
A Staldach Montagens Industriais, contratada pela Norpal para prestar serviços na montagem de estruturas, diz que o alojamento em que Batista está foi reformado.
O empreiteiro responsável, que se identificou como Leoni, afirma que não levará mais operários por não ter como cumprir as exigências.
Para o diretor da regional Campinas do sindicato da construção civil, Luiz Cláudio Amoroso, as pequenas empreiteiras --que contratam parte dos operários-- enganam as construtoras.
"O empreiteiro coloca o trabalhador em moradias sem condições, e quando chega a multa quem paga é a construtora", diz.
A Itajaí, responsável pela obra de uma escola estadual em Hortolândia, afirma que cumpriu acordo com o Ministério Público do Trabalho e contratou diretamente os funcionários. "O problema foi pontual", diz Carlos José Ramires, gerente técnico.
Sobre a alimentação dos operários, diz que a empresa responsável foi trocada e que não houve "registro formal de alimentos estragados".
A MRV afirma que já solicitou a desativação de alojamentos superlotados e que intensificará as fiscalizações nas empresas parceiras.
Goldfarb e Odebrecht dizem que se responsabilizaram pelos trabalhadores pagando salários e regularizando os alojamentos.
Folha de São Paulo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário