Minhas homenagens ao Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, primeira e única a organizar-se para atender à demanda dos movimentos populares em seus enfrentamentos com o poder da grilagem de supostos donos da terra e da continuada violência do poder público, como foi a primeira a formar-se no país, servindo de paradigma e exemplo para todas as demais, essas decorrentes de imposição constitucional.
Sempre atuante, a Defensoria Pública, e, nela, o seu Núcleo de Terras e Habitação, tem representado hoje, quando a população pobre desta cidade vive um dos mais dramáticos momentos de sua história, e essa gente, há muito tempo radicada em espaços e moradias duras e penosamente conquistados e construídos, vem sofrendo insidiosas ações de remoção seguidas de irreparáveis atos demolitórios. Foi assim em algumas comunidades, localizadas significativamente na Barra e no Recreio, como Restinga, Vila Harmonia, Recreio II, e em outras mais de diferentes regiões, como Campinho, Metrô e Vila das Torres.
Entenda-se a conjuntura criada pela Prefeitura. Sob o comando do Prefeito, seu Secretário de Habitação e subprefeitos das áreas atingidas, toma como pretexto – ou, segundo tais figuras administrativas – razão, preparar a cidade para os jogos da Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, de 2016, mas desrespeitando sem cerimônia o dever institucional de respeito à Constituição Federal, cujo artigo 1º assegura em cláusula pétrea absoluta o respeito à dignidade do homem e da mulher, e no artigo 5º a garantia da desapropriação, com pagamento prévio de preço justo àqueles que têm a casa destinada a qualquer fim de interesse ou necessidade pública. Não cumprem sequer a regra contida no artigo 429 da lei Orgânica, que introduziu no direito municipal, somente em situações de risco, ressalve-se o direito ao remanejamento, proibindo definitivamente as remoções, prática que no Brasil, quando estatísticas oficiais mostram que 70% dos 10% mais pobres da população são negros, beira o racismo.
Quem sabe o Prefeito, seu Secretário de Habitação e os subprefeitos regionais entenderam mal a Senhora Presidenta da República ao propor a erradicação da pobreza como primeiro e fundamental programa de seu governo, aliás um princípio objetivo da Constituição Federal (artigo 3º, III). Não, senhores, não é com operações cirúrgicas de extinção das comunidades despossuídas, que se pretende executar a ética e louvável proposta da Presidência da República… Pois é dentro deste quadro de extermínio das comunidades pobres que ganha relevo o Núcleo de Terras da Defensoria Pública, cuja dedicação vem sendo o quase solitário ponto de resistência jurídica ao retorno das hediondas e já banidas remoções. O “quase” deve-se ao importante apoio da Subprocuradoria de Direitos Humanos do Ministério Público do Rio de Janeiro. No campo institucional, ninguém mais, nem o Tribunal de Justiça, nem a Procuradoria Geral do Estado, nem na União Federal, os Ministérios das Cidades e de Direitos Humanos, todos de olhos vendados e cúmplices pelo silêncio do massacre comunitário do povo pobre do Rio.
Agora uma inevitável nota em torno da manifestação dos movimentos populares no dia em que o Prefeito visitaria a Defensoria Pública. Diante do quadro de sofrimento das comunidades e considerando a organização do povo, social e politicamente bem definida em associações e conselhos, sua presença no ato pareceu-lhes natural e até desejável. Temiam que as artimanhas da Prefeitura e o poder de sedução do Prefeito levassem a Defensoria Pública, através de tratativas de boa fé, a limitar sua capacidade de enfrentamento na expectativa de eventuais acordos.
Quem viu, ao vivo ou pela televisão, o Prefeito sambando desajeitadamente com o povo no desfile da Portela, nem de leve suspeitaria ser ele o principal responsável pela remoção dos moradores da vizinha Vila das Torres (Madureira e adjacência) em tempo simultâneo, ou quase. Aliás, já tivera ele o mesmo comportamento com a Defensoria Pública, pois enquanto preparava sua visita à entidade seus “soldados” promoviam a demolição das casas de Vila Harmonia, no Recreio dos Bandeirantes.
Legítima e natural, portanto, a manifestação das comunidades na porta da Defensoria Pública no dia programado para a visita e palestra do Prefeito naquela importante e por sua essência democrática casa, enfim prova de como será importante a urgente criação da programada Auditoria Social, o melhor meio de manter um permanente canal de comunicação entre o órgão e seus assistidos. Se a Auditoria Social já estivesse formada e funcionando, teria ficado absolutamente claro o sabor republicano e cidadão da manifestação, evitando-se leituras equivocadas do ato.
Ao povo despossuído do Rio de Janeiro, por sua organização e mobilização, à Defensoria Pública e, nela, o Núcleo de Terras e Habitação, por sua incansável atuação a favor dos despossuídos presta-se este tributo na esperança de que da luta comum surja uma nova cidade, mais humana e solidária.
(*) Miguel Baldez é procurador do Estado do Rio de Janeiro aposentado e professor.
Fazendo media
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