segunda-feira, 4 de maio de 2009

Keynes e Marx



MARX E KEYNES têm pelo menos três curiosos
paralelismos. Primeiro, um bando de fanáticos dogmáticos
que pretendem ter o monopólio do entendimento de suas
teorias transformaram-se em sacerdotes de suas igrejas.
Dizem (e, quando têm poder, fazem!) as maiores
barbaridades em nome dos seus deuses, comprometendo as
suas memórias.
Segundo, a relação dos dois com economistas que os
precederam envolve um considerável cinismo e a sutil
apropriação de ideias que reconhecem muito mal. Os dois
foram, obviamente, fatos novos. O problema é que se
pretendem sem raízes.
A relação de Keynes com Marx é das mais ambíguas. As
referências a Marx na "Teoria Geral" (1936) ou são inócuas
ou depreciativas. Ainda em 1934, ele diz a Bernard Shaw
que "meus sentimentos em relação ao "Das Kapital" é o
mesmo que tenho em relação ao Alcorão...", reafirmando o
que já havia dito em 1925: que não podia aceitar uma
doutrina fundada numa "bíblia acima e além de qualquer
crítica, um livro-texto obsoleto de economia que eu sei que é
cientificamente errado e sem interesse de aplicação no
mundo moderno".
O enigma (o "conundrum", como diria um velho ex-quase
"maestro" do Fed que ajudou a meter o mundo na confusão
em que se encontra) é que em 1933 Keynes estava
elaborando a sua revolucionária Teoria Monetária da
Produção. Nela, a moeda produz efeitos reais sobre a
produção e o emprego, ao contrário do que supõe, até hoje, a
maioria dos economistas, para os quais a moeda é neutra no
longo prazo.
De acordo com notas publicadas por alguns alunos, ele se
referia nas aulas ao famoso problema da "realização", isto é,
a possibilidade de vender a produção para "realizar" o seu
valor em moeda, e dizia que "em Marx há um núcleo de
verdade"!
Chegou a utilizar a conhecida fórmula de Marx em que este
havia mudado a ênfase de uma economia de trocas: trocar
bens ("commodities" em inglês) por moeda, para comprar
bens (C-M-C), para uma economia da produção, onde a
moeda compra bens para a produção e esta é vendida por
moeda (M-C-M). Esta mudança na forma de ver o mundo é
uma das bases da construção keynesiana.
O terceiro ponto é que a conclusão da obra de ambos não
deixa de ser paradoxal e frustrante. Marx comprometeu sua
vida estudando o capitalismo e, por isso, não teve tempo de
nos ensinar como construir o socialismo; Keynes construiu
uma teoria para salvar o capitalismo e terminou com uma
receita ("a coordenação estatal dos investimentos para
manter o pleno emprego") que não conseguiu explicar como
realizar sem levar a alguma forma de socialismo...

Folha de S.Paulo, quarta-feira, 29 de abril de 2009
ANTONIO DELFIM NETTO

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