sábado, 16 de maio de 2009

Outra vez as oligarquias: listas fechadas


O propósito da representação política é estabelecer as combinações possíveis de relação entre partidos e suas bases sociais. Se for isso que torna um sistema partidário eficiente, qual a contribuição das listas fechadas?

“Ah, recomeçar, recomeçar, como canções e epidemias...”
João Bosco e Aldir Blanc, Caça à Raposa

E ressurgem, como epidemias, não como belas canções, movimentos de oportunismo político até mesmo suprapartidário, com propostas oligarquizantes como a ora em curso de uma pretensa “reforma política”. Que tem entre seus pilares a instituição do voto, para o Congresso, em listas fechadas estabelecidas pelos partidos.

Em 2005, ressoou, na “mídia” e entre os “formadores de opinião”, o “escândalo” do “mensalão”. No momento, ressoam, na mesma “mídia” e entre os mesmos “formadores de opinião”, os “escândalos” do Congresso Nacional. Há, em meio a desmandos reais, uma agenda com claros propósitos de desqualificar a atividade legislativa, uma ofensiva clara contra as instituições políticas brasileiras.

Um marciano cínico e / ou paranóico poderia notar a coincidência cíclica com anos pré-eleitorais. Outro, com os mesmos sintomas, mas dotado de maior argúcia analítica, pensaria de imediato em restrição da institucionalidade democrática, mas deixemos isso para os marcianos.

Há quatro anos, Carta Maior publicou artigo (“Sobre listas e currais”, 2/7/2005) em que criticávamos proposta de “reforma”, de idêntico teor, então aventada. Na época, escrevemos:

“No tempo em que a votação para vereadores e deputados era feita com cédulas avulsas, era prática comum, nos ‘grotões’, que os ‘coronéis’ locais distribuíssem envelopes já com as cédulas para que seus eleitores ‘encabrestados’ depositassem na urna – sem abrir o envelope. O eleitor não fazia a menor idéia de em quem estava votando. A sigla partidária a que os candidatos pertencessem não tinha qualquer importância, já que a rigor os ‘partidos’ eram o Coronel Fulano ou o Coronel Sicrano. E é exatamente esse processo que se pretende restabelecer, agora em versão eletrônica, com a proposta de votação em listas partidárias fechadas.”

Destacamos que, ao contrário do que se alardeava e se alardeia, no sistema vigente “a votação é nominal, mas a eleição se dá por legenda, em função da soma de votos que o partido ou coligação tiver obtido, incluídos os votos ‘na legenda’ (sem individualizar candidato), dividida pelo chamado ‘quociente eleitoral’ (total de votos válidos dividido pelo número de cadeiras em disputa). (...) Por esse motivo existe a figura do ‘puxador de votos’, (...) valorizado pelos partidos exatamente porque a ‘sobra’ de sua votação nominal reverte para a legenda, contribuindo para aumentar-lhe a bancada. Ora, a votação em lista fechada não elimina essa figura; pelo contrário, a fortalece, permitindo-lhe reivindicar a ‘cabeça de lista’ bem como posições privilegiadas para os de seu grupo.”

Denunciamos que “o que os ‘neocoronelistas’ escamoteiam é que o voto em lista permitiria aos ‘caciques’ partidários eternizarem seu mando, e se eternizarem no legislativo, barrando o acesso a novas lideranças e novas forças sociais.” Uma das possibilidades em discussão para a ordenação das listas partidárias escancara esse objetivo, dando prioridade aos candidatos a reeleição. Ou seja, sequer precisariam encenar a farsa de “convenções” com resultados pré-combinados.

Não negamos que “o sistema partidário e eleitoral e a representação política podem e devem ser aperfeiçoados para se tornarem mais democráticos – por exemplo, eliminando a desproporcionalidade na representação por Estado na Câmara dos Deputados.” O que tampouco é contemplado pelas atuais propostas – assim como não se fala em acabar com as coligações nas eleições proporcionais, excrescência da qual se alimentam as “legendas de aluguel”.

E concluímos: “Não se fortalece partidos cristalizando o domínio de ‘caciques’ e ‘coronéis’. E não se robustece a democracia subtraindo ao povo uma instância de escolha. (...) A burocracia partidária, seja ela de que extrato for, procura acima de tudo sua perpetuação.”

Hoje, como então, voltam os argumentos do caciquismo que perpassa quase todo espectro partidário brasileiro. Tal como em relatório aprovado pela comissão especial do Senado, em 1998, argumentam que a proposta de lista fechada resultará em estabilidade política, maior organicidade partidária e controle do representante pelas bases. Nada mais falacioso.

Convém relembrar o que Robert Michels enfatizou em seu clássico “Los Partidos Políticos”. Para ele “a organização é o que dá origem à dominação dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre quem lhes delega poder. Quem fala em organização, fala em oligarquia”. Estas palavras, publicadas pela primeira vez, em 1911, perderam a atualidade?

O propósito da representação política é estabelecer as combinações possíveis de relação entre partidos e suas bases sociais. Se for isso que torna um sistema partidário eficiente, qual a contribuição das listas fechadas? Afirmar que a lei exigirá que ela seja votada pelos filiados, e isso é o suficiente para evitar a perpetuação de quem já controla a máquina soa risível. Esse tipo de argumentação precisa responder a uma perguntinha básica: que instrumento legal impede o aparelhamento? Até onde a vista alcança, o fim do voto nominal só fortalece as formas autoritárias de controle.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

Carlos Eduardo A. Martins é economista.

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