segunda-feira, 4 de maio de 2009

Educação Pública


Meu pai e minha mãe não eram católicos praticantes, mas meu irmão e eu estudamos em colégios religiosos: maristas.
Além da proximidade da escola em relação a nossa casa, a principal justificativa é de que as vagas nas poucas escolas públicas já estavam preenchidas com os filhos das pessoas influentes, especialmente os deputados, senadores, vereadores, seus apadrinhados, ricos e bem conectados.
Ainda mais: as escolas religiosas eram baratas, os professores, missionários sem família nem salário. Não pagavam aluguel, nem impostos; os equipamentos eram apenas quadro negro e um simples laboratório de química e física.
Hoje, quando se propõe que os eleitos deveriam colocar seus filhos na escola pública, onde estudam os eleitores, a idéia é considerada demagógica.
Em 40 ou 50 anos, desde que a população pobre migrou à cidade e colocou seus filhos na escola pública, a parcela rica, inclusive os parlamentares, migraram para a escola privada.
A partir daí, a escola pública foi abandonada, entregue aos municípios.
Em pouco tempo, consolidou-se a ideia de que a apartação era legítima: ricos que podem pagar têm o direito de estudar em escolas particulares de qualidade; pobres, que não podem pagar, ficam em escolas ruins, precárias, sem equipamento, com professores mal pagos e desestimulados.
Quando se considera demagógica a ideia de fazer com que filhos de pobres e ricos, de eleitores e de eleitos, estudem na mesma escola, é porque se considera essa apartação legítima. Isso lembra o discurso de quem era contra a Abolição da escravatura, há 300 anos.
Quando, depois de 300 anos, surgiu a idéia da Abolição, ela foi vista como demagógica, impossível, injustificável.
Os argumentos então eram muitos. Primeiro, como considerar negros com direitos iguais aos brancos? Como fazer funcionar a economia sem escravos? Como tirar dos senhores o direito à propriedade que eles tinham comprado?
Pouco a pouco, a idéia virou realidade, ficou aceita e possível. Terminou acontecendo. Os proprietários foram desapropriados; os negros tiveram, é certo que apenas na lei, os mesmos direitos; e a economia não parou, ao contrário, adquiriu uma nova dinâmica.
O mesmo vai acontecer com a idéia da escola igual para filhos de eleitores e de eleitos. Terminará aceita, e trará um inegável impacto positivo na educação pública e, a partir daí, na democracia social ainda incompleta no Brasil.
Além disto, é uma maneira de comemorar os 120 anos da República: não é uma República plena aquela que tem uma escola para os eleitos diferente da escola dos seus eleitores.

Artigo para Blog do Kotscho
Cristovam Buarque
Brasília-DF, 29 de abril de 2009

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