sábado, 21 de julho de 2018

Chico de Oliveira: 'Brasil: uma Biografia Não Autorizada'

Preferia não fazê-lo 


Em obra, Francisco de Oliveira expõe ceticismo sobre Brasil e lulismo.  Recém-lançado reúne ensaios e entrevistas publicados entre 1997 e 2016

Naief Haddad

São incontáveis os casos de mudança de rota ideológica entre os mais influentes pensadores brasileiros. Em geral, partem do abraço ao marxismo na juventude à adesão ao liberalismo econômico nos anos de maturidade.

Professor titular aposentado do departamento de sociologia da USP e ex-pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Francisco de Oliveira se aproxima dos 85 anos com uma trajetória intelectual sempre à esquerda, como se verifica no recém-lançado “Brasil: uma Biografia Não Autorizada”, que reúne ensaios e entrevistas publicados entre 1997 e 2016.

Não que as ideias de Oliveira estejam imunes a algum grau de reavaliação, mas neste caso a inflexão é de outra ordem. O sociólogo já teve expectativa —sem grande entusiasmo, é verdade— na capacidade do Estado de reduzir o que ele chama de “hegemonia burguesa”. Acreditou, por exemplo, que a política econômica do governo Lula poderia se contrapor às diretrizes da gestão Fernando Henrique —como todos sabemos, não foi o que ocorreu.



Os últimos anos são de desencantamento. A produção intelectual de Oliveira tem sido marcada por um acentuado ceticismo, evidente já no título do mais longo ensaio do novo livro, “O Adeus do Futuro ao País do Futuro”.



Para o sociólogo, “não há mais futuro porque ele já está aí”. Grosso modo, seu argumento é o seguinte: no Brasil globalizado da virada do século 20 para o 21, não existem mais formas de avanço do capital “que, ao se realizar, liquidassem todas as anteriores formas ‘feudais’ ou ‘pré-capitalistas’”. Coexistem neste momento no país “todas as eras geológicas” do capitalismo.



Em outras palavras, o Brasil já não reúne condições para um arranjo capitalista moderno, menos desigual. Eis a nossa tragédia, anuncia o autor. Essas são ideias desenvolvidas no livro “Crítica à Razão Dualista/O Ornitorrinco”, de 2003, e agora retomadas na nova obra.



O ano de 2003, aliás, marca o aprofundamento nas reflexões de Oliveira dessa “negatividade determinada”, como escrevem Fabio Mascaro Querido e Ruy Braga na apresentação do livro. Não por acaso, esse é o ano inicial da primeira das duas gestões de Lula.



“Uma Biografia Não Autorizada” faz uma síntese do processo de formação do país, a partir do período colonial. São poucas páginas, uma forma de preâmbulo para o que mais interessa ao autor, o Brasil recente, especialmente os governos FHC e Lula.



Não há novidades nas ressalvas duríssimas de Oliveira à gestão tucana, semelhantes às feitas pelo PT na época. Mais proveitosas para o debate público são as críticas também contundentes ao governo petista porque partem de um intelectual que ajudou a fundar o partido em 1980 e, decepcionado, desfiliou-se 23 anos depois.



Em ensaio de 2007 (primeiro ano do segundo mandato petista), publicado originalmente na revista piauí, o sociólogo aponta completa falta de rumo do governo. “Lula não tem objetivos porque não tem inimigos de classe”, escreve Oliveira, à luz de uma visão marxista. Com iniciativas como o Bolsa Família (“um desastre”), o líder petista “despolitiza a questão da pobreza”.



Não é preciso concordar com as teses de Oliveira para perceber a riqueza e a atualidade da discussão levantada por ele.



Em entrevista de 2006, reproduzida no final do livro, o sociólogo trata o lulismo “como uma perversão do petismo. É esse carisma de Lula combinado com assistencialismo”. A única reação possível, diz ele, “é que a militância faça a diferença para salvar o partido”.



Passados 12 anos da entrevista, a militância parece mais empenhada em fortalecer o lulismo do que em salvar o PT.



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