segunda-feira, 23 de março de 2009

Remunerações apontam falência da autoregulação


AIG, antes, a maior seguradora, hoje, o símbolo do fracasso da autoregulação, analisa Drummond

O episódio da remuneração principesca dos executivos que conduziram à falência a maior seguradora do mundo, a AIG, é um símbolo do fracasso do princípio da autoregulação. Como disse o insuspeito Henry Paulson, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, acionador do botão que fez explodir o banco Lehman Brothers, em setembro do ano passado, o sistema atual incentiva as empresas a procurar a regulamentação que melhor lhes convém. Ou, como sentenciou o economista Joseph Stiglitz: a autoregulação é um oxímoro. A palavra designa a figura de linguagem em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente mas que, em um contexto específico, reforçam determinada expressão. Exemplos relacionados pelo dicionário Houaiss; obscura claridade, música silenciosa.
Consagrada na iniciativa privada, a autoregulação foi a melhor resposta encontrada pelas empresas para justificar tanto a desqualificação do estado como o enaltecimento do mercado, suposto portador de virtudes capazes de conduzir o mundo à bem-aventurança.
Na prática, a autoregulamentação consiste em uma combinação letal de responsabilidades limitadas dos executivos e risco ilimitado da sociedade, com o aval do estado que deveria protegê-la. Foi o que se viu na crise subprime, de modo geral, incluindo o aspecto da remuneração nababesca dos executivos. A pergunta dos americanos e do mundo é: como se explica que executivos causadores de um rombo de 180 bilhões de dólares, coberto com dinheiro da sociedade, recebam uma gratificação de 165 milhões de dólares pela sua atuação?
O primeiro aspecto a ser considerado, na busca de uma resposta, é que a remuneração não está ligada de nenhuma maneira evidente à gestão efetiva implementada por esses executivos. Uma falha clamorosa do princípio da autoregulação, pois as empresas supostamente seriam capazes de determinar o seu rumo em direção à eficiência econômica, pelo menos. De quebra, a falência de uma outra referência empresarial: a meritocracia.
Um estudo com os cinco principais executivos de 1500 corporações, citado pelo economista Dean Baker, constatou que o pagamento no período de 1993 a 2003 aumentou quase duas vezes mais rapidamente que o crescimento do lucro. A explosão dos pagamentos dos CEO (chief executive officer, função equivalente à do presidente nas empresas brasileiras) americanos, que não encontra equivalente no mundo, ocorreu fundamentalmente porque são os próprios executivos os signatários dos seus cheques. Os pagamentos são determinados por conselhos cujos integrantes são indicados com a anuência dos CEOs. Na prática, permite-se que os conselhos escolham um grupo de amigos para decidir quanto eles deverão ganhar.
Em princípio, os acionistas podem organizar e empossar diretores menos condescendentes quanto ao pagamento aos presidentes, mas a mobilização e a organização de acionistas é demorada e os regulamentos da maior parte das empresas são feitos de modo a barrar iniciativas de mudança dos planos da administração. Por exemplo, eles permitem que a companhia considere as procurações não exercidas como votos em apoio à posição da administração.
Os obstáculos à participação dos acionistas faz com que eleições pendam em favor da administração. Poucos dissidentes conseguem eleger-se, na prática. É muito mais fácil um acionista vender a sua posição em determinada companhia do que tentar influir na sua administração.
Além da esfera da corporação, no entanto, há a alçada de responsabilidade dos governos, que sancionam as normas de surgimento das companhias e as regras sobre as quais elas operam. Quando a lei estabelecer explicitamente que os conselhos de administração devem obrigatoriamente conter os pagamentos aos presidentes aos níveis do mercado e os diretores puderem ser responsabilisados pessoalmente quando falharem nesse encargo, possivelmente as gratificações dos dirigentes serão muito menores.
Carlos Drummond. De Campinas (SP). Segunda, 23 de março de 2009
Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp.

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