segunda-feira, 23 de março de 2009

Do pescoço para baixo

SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2009

Se a solução da crise no Senado exige mais concursos em vez de terceirizações, e mais aperto nas licitações, por que fazer justamente o contrário no Poder Executivo?

O leitor que acompanha o noticiário da crise no Senado poderá imaginar que uma consequência positiva da confusão será mais rigor nos gastos públicos, com mão-de-obra e contratos em geral. Afinal, é evidente que no Senado as terceirizações saíram do controle, assim como é inexplicável o aumento explosivo de despesas. Um caminho para corrigir as coisas é fazer concursos em vez de terceirizar, e endurecer as licitações em vez de deixar o gasto flutuar ao sabor das conveniências políticas.

Mas em Brasília, como se sabe, enquanto um diabo é expulso pela porta outro já pensa em como entrar pela janela. Alguns ministros estiveram recentemente no Congresso para pressionar a favor do projeto que cria as assim chamadas fundações estatais de direito privado. O nome diz bem do que se trata: instituições que combinariam docemente a garantia de receitas característica do Estado com a liberdade de gestão característica da empresa privada. Parece-lhe levemente semelhante com o que se passa no Senado? Pois é.

Seria uma espécie de paraíso na terra. Os dirigentes das tais fundações, que por serem estatais teriam caixa garantido, poderiam gastar o dinheiro público sem ficarem submetidos a essa coisa chata de fazer concursos e licitações nas regras atuais. Se nos métodos para administrar o Senado a fórmula colhe rejeição geral, no caso do Executivo a ideia vem preventiva e espertamente embalada com os notórios e sempre à mão rótulos de “modernidade”, “desengessamento”, “meritocracia” e “eficiência”.

Se a solução da crise no Senado exige mais concursos em vez de terceirizações, e mais aperto nas licitações em vez de mais facilidades aos ordenadores de despesa, por que fazer justamente o contrário no Poder Executivo?

Os ministros acaso consideram que determinada atividade é incompatível com as duras regras que devem balizar o gasto público? Proponham transferi-la à esfera privada. Os ministros eventualmente acham que funcionários públicos estáveis não são adequados para ocupar certas funções? Proponham privatizar o serviço. Mas o que vem por aí, como acontece amiúde, é a dissimulação. Privatização é palavra que anda fora de moda. Defende-se então o direito de gastar com liberdade, lastreado numa teoria supostamente meritocrática, mas aplicada apenas do pescoço para baixo.

Ministros geralmente não precisam se preocupar em excesso com o próprio desempenho. Afinal, eles estão ali para garantir ao governo o apoio de um naco do Parlamento. Quantos ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva passariam no vestibular da eficiência, se a nota de corte fosse uma destas exigidas nas melhores faculdades do país? Talvez alguns. Já outros gostam de peneirar desculpas e explicações para a própria inação. O meu ministério vai mal? Premiem-me, deem-me mais liberdade para gastar.

A tese das fundações estatais de direito privado encontra especial acolhida na área da Saúde. Melhor dizendo no Ministério da Saúde, pois a última conferência nacional do setor rejeitou a ideia. O que parece não sensibilizar a pasta. A política costuma ter coisas assim. Gente que gosta de democracia e participação popular quando é a favor. Quando é contra, manda-se ao arquivo a opinião majoritária e toca-se a vida como se nada tivesse acontecido.

O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), parece ter decidido colocar em pauta os projetos polêmicos, como uma maneira de tirar a Casa do atoleiro do noticiário negativo. Um desses projetos é o das fundações estatais de direito privado. Será certamente um belo debate. Teremos a oportunidade de entender por que algo péssimo para o Legislativo seria ótimo para o Executivo. Veremos quiçá os argumentos de sempre contra o concurso público e a favor da terceirização, contra a “excessiva dureza” da legislação sobre licitações. Possivelmente vindos dos mesmos que hoje exigem “mais rigor” no Senado.

Vai ser divertido.

blog do Alon

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