terça-feira, 31 de março de 2009
Do orador ao demagogo: um passo perigoso
......O presidente Lula sabe falar, tem empatia e carisma, como um orador competente. Mas pára aí. O apreço que tem por ele mesmo, que o leva aos extremos do egocentrismo e o faz transbordar para a demagogia mais irresponsável, o impede de ser um líder positivo neste aspecto: seu objetivo é seduzir, conquistar adeptos e impor a sua vontade. Seu discurso não é uma forma de aprendizado, o exercício do melhor da dialética, o diálogo que incorpora e acumula conhecimentos para possibilitar o crescimento do orador e do público, e o aprimoramento dos interlocutores. Ele é um demagogo com um pé na democracia e outro no despotismo. É um autocrata contido — pelas próprias virtudes intuitivas e naturais, que o identificam com o povo, e pela complexidade da sociedade brasileira, muito maior do que a venezuelana, por exemplo (o que explica o que Hugo Chávez está conseguindo ser e o que Lula não pôde tentar ser).
Uma pessoa letrada e com razoável informação se choca com o que o presidente da república diz nos seus improvisos. Ele se deixa levar pela emoção do momento, ou pelos seus objetivos políticos, nem sempre explícitos, e por outras conveniências. Não tem qualquer compromisso com a veracidade do que diz. Repete o que ouviu dos assessores de orelhada porque, como já confessou, nada lê.
Esta é uma lacuna grave. Não exatamente por não ler nada além de sumários com finalidade operacional específica, mas pelo que representa o ato de se abrir um livro: o reconhecimento da própria ignorância, o desejo de diminuí-la, a busca do saber. Aquele que jamais abre um livro tem a presunção do sabe-tudo, daquele tipo de pessoa inteligente e de raciocínio rápido, que “saca” tudo, mas de uma superficialidade atroz. Que não cria interlocutores porque quer apenas seguidores.
Vários jornalistas pegaram no pé quebrado do presidente na quinzena passada. Para atacar seus adversários de São Paulo, o governador tucano José Serra e o aliado dele, o prefeito Gilberto Kassab, Lula mais do que dobrou o índice de analfabetismo do Estado, ao confundir a proporção que ele representa do todo nacional com o que é internamente, citando 10% como sendo 4,6%. Assim, não há debate que valha a pena. A divergência e a controvérsia se tornam bate-boca de geral de campo de futebol entre torcedores fanatizados. E fanatismo, como se sabe à exaustão, não combina com democracia nem com processo civilizatório.
Lula, como o dono da bola, recria as regras do jogo com a disputa em andamento para atender seus interesses. Mesmo que sejam os melhores, de boas intenções o inferno está cheio. Na Venezuela, com um ditador plebiscitário, Chávez realizou a utopia de Charles de Gaulle, acrescendo-lhe fortes pitadas de perversidade. O preço desse gozo momentâneo e curto será de longo e penoso resgate. Por enquanto, só na Venezuela.
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Lúcio Flávio Pinto - Março 2009
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