Quarta-feira, 11 de Março de 2009
Com exceção da TV Globo, boa parte da mídia criticou a postura conservadora,
fundamentalista, do bispo de Olinda e Recife, que excomungou a equipe médica
responsável pelo aborto salvador de uma menina de nove anos. Na mesma toada, ela
poderia difundir mais amplamente a posição corajosa e progressista da Comissão
Pastoral da Terra, que condenou os ataques despropositados do presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF) ao Movimento dos Sem-Terra. O ministro Gilmar
Mendes bem que poderia ser “excomungado” por suas atitudes reacionárias.
Reproduzo a elucidativa nota da CPT intitulada “Ai dos que coam mosquitos e
engolem camelos”:
As prioridades do ministro
A coordenação nacional da CPT diante das manifestações do presidente do STF,
Gilmar Mendes, vem a público se manifestar. No dia 25 de fevereiro, à raiz da
morte de quatro seguranças armados de fazendas no Pernambuco e das ocupações de
terras no Pontal do Paranapanema, o ministro acusou os movimentos de praticarem
ações ilegais e criticou o poder executivo de cometer ato ilícito por repassar
recursos públicos para quem, segundo ele, pratica ações ilegais. Cobrou do
Ministério Público investigação sobre tais repasses.
No dia 4 de março, ele voltou à carga discordando do procurador-geral da
República, Antonio Fernando de Souza, para quem o repasse de dinheiro público às
entidades que “invadem” propriedades públicas ou privadas, como o MST, não deve
ser classificado automaticamente como crime. O ministro, então, anunciou a
decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual ele mesmo é presidente,
de recomendar aos tribunais de todo o país que seja dada prioridade a ações
sobre conflitos fundiários.
1.493 trabalhadores assassinados
Esta medida de dar prioridade aos conflitos agrários era mais do que necessária.
Quem sabe com ela aconteça o julgamento das apelações dos responsáveis pelo
massacre de Eldorado de Carajás, (PA), sucedido em 1996; tenha desfecho o
processo do massacre de Corumbiara (RO-1995); seja por fim julgada a chacina dos
fiscais do Ministério do Trabalho, em Unaí (MG-2004); seja também julgado o
massacre de sem terras, em Felisburgo (MG-2004); o mesmo acontecendo com o
arrastado julgamento do assassinato de Irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA) no ano
de2005, e cuja federalização foi negada pelo STJ, em 2005.
Quem sabe com esta medida possam ser analisados os mais de mil e quinhentos
casos de assassinatos de trabalhadores do campo. A CPT, com efeito, registrou de
1985 a 2007, 1.117 ocorrências de conflitos com a morte de 1.493 trabalhadores.
Em 2008, ainda dados parciais, são 23 assassinatos. Destas 1.117 ocorrências, só
85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e
absolvidos 49 e condenados somente 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra
preso. Ou aguardam julgamento das apelações em liberdade, ou fugiram da prisão,
muitas vezes pela porta da frente, ou morreram.
Parcialidade do presidente do STF
Causa estranheza, porém, o fato desta medida estar sendo tomada neste momento. A
prioridade pedida pelo CNJ será para o conjunto dos conflitos fundiários ou para
levantar as ações dos sem terra a fim de incriminá-los? Pelo que se pode deduzir
da fala do presidente do STF, “faltam só dois anos para o fim do governo Lula” e
não se pode esperar, “pois estamos falando de mortes”, nos parece ser a segunda
alternativa, pois conflitos fundiários, seguidos de mortes, são constantes.
Alguém já viu, por acaso, este presidente do Supremo se levantar contra a
violência que se abate sobre os trabalhadores do campo, ou denunciar a grilagem
de terras públicas, ou cobrar medidas contra os fazendeiros que exploram
mão-de-obra escrava?
Ao contrário, o ministro vem se mostrando insistentemente zeloso em cobrar do
governo as migalhas repassadas aos movimentos que hoje abastecem dezenas de
cidades brasileiras com os produtos dos seus assentamentos, que conseguiram, com
sua produção, elevar a renda de diversos municípios, além de suprirem o poder
público em ações de educação, de assistência técnica, e em ações comunitárias. O
ministro não faz a mesma cobrança em relação ao repasse de vultosos recursos ao
agronegócio e às suas entidades de classe.
“Que Deus nos livre de Mendes”
Pelas intervenções do ministro se deduz que ele vê na organização dos
trabalhadores sem terra, sobretudo no MST, uma ameaça constante aos direitos
constitucionais. O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que
lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso ele é um
representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e
para elas os que valem, são os que impulsionam o “progresso”, embora ao preço do
desvio de recursos, da grilagem de terras, da destruição do meio-ambiente, e da
exploração da mão de obra em condições análogas às de trabalho escravo.
Gilmar Mendes escancara aos olhos da Nação a realidade do Poder Judiciário que,
com raras exceções, vem colocando o direito à propriedade da terra como um
direito absoluto e relativiza a sua função social. O poder judiciário, na
maioria das vezes leniente com a classe dominante, é agílimo para atender suas
demandas contra os pequenos e extremamente lento ou omisso em face das justas
reivindicações destes. Exemplo disso foi a veloz libertação do banqueiro Daniel
Dantas, também grande latifundiário no Pará, mesmo pesando sobre ele acusações
muito sérias, inclusive de tentativa de corrupção.
O Evangelho é incisivo ao denunciar a hipocrisia reinante nas altas esferas do
poder: “Ai de vocês, guias cegos, vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo”
(MT 23,23-24). Que o Deus de Justiça ilumine nosso País e o livre de juízes como
Gilmar Mendes!
Preconceito e rancor de classe
Também de forma contundente, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no
Campo (FNRA), que reúne as principais entidades do setor, condenou as
“declarações carregadas de preconceito e rancor de classe do presidente do STF,
Gilmar Mendes, apoiadas pelos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, contra os movimentos sociais e sindicais do campo... Nunca a
sociedade brasileira ouviu do ministro condenação aos grupos de latifundiários
armados ou às concessões de financiamentos públicos aos grandes grupos
econômicos, que tem provocado o trabalho escravo, chacinas contra populações
tradicionais e crimes ambientais”.
“A luta pela reforma agrária não vai recuar diante de declarações imponderadas
como esta do ministro Gilmar Mendes. Ao contrário, elas fortalecem a luta do
FNRA contra as legislações que institucionalizam a criminalização das
organizações e que impedem as legítimas ocupações e a favor da emenda
constitucional que limita o tamanho da propriedade rural e da portaria que
atualiza os índices de produtividade. Atualmente existem cerca de 250 mil
famílias de sem-terra acampadas nas beiras de estradas. Os recursos
orçamentários da União destinados à reforma agrária não dão conta desta demanda,
apesar de estar comprovado que o Estado possui recursos suficientes para
realizar a reforma agrária em menos de três anos. Adiar este processo significa
promover e estimular a violência no campo, colocando em risco a vida de milhares
de famílias”.
Postado por Miro às 13:16
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