Luiz Werneck Vianna - Março 2009
Gramsci e o Brasil
Despotismo fabril e dignidade da pessoa humana: o caso da Embraer
O acento pessimista, a versão de que o Brasil perdeu a crença em si
mesmo, incapaz de formular um destino de afirmação para seu povo,
entregue à servidão voluntária e aos mecanismos de mercado, parece
se ter tornado uma nova moda entre intelectuais. De fato, há bons
motivos para o desalento, sobretudo quando se atenta para a situação
de degradação em que se encontra o sistema dos partidos e da
representação política no país. Também não é animadora a distância
que a sociedade civil mantém em relação à esfera pública, confiada
quase que exclusivamente ao controle dos profissionais da política.
Esta hora de crise mundial do sistema financeiro ainda mais
generaliza o azedume na mídia e nos chamados formadores de opinião —
não haveria mais lugar para as pretensões de mais um surto de
modernização. A escalada da violência urbana e a sucessão de
escândalos na “classe política” apenas confirmariam o diagnóstico de
esgotamento das antigas promessas de se instituir, aqui, uma cultura
e uma civilização originais.
O diagnóstico a tal ponto se acha confundido com o senso comum que
os fortes sinais que o infirmam ou são ignorados, ou têm sua
interpretação rebaixada. A decisão do Tribunal Regional do Trabalho
da 15ª Região, no caso da demissão de mais de quatro mil
trabalhadores da Embraer, de mandar, por medida liminar, suspender
as rescisões contratuais, é um destes vigorosos sinais.
Em primeiro lugar, porque dá plena consequência aos princípios e aos
direitos fundamentais estatuídos na Carta de 88 no mundo do mercado
de trabalho, trazendo para a dimensão sistêmica da economia o valor
ético “dignidade da pessoa humana”. São claros os termos da decisão
ao mobilizar o texto constitucional: “o poder diretivo do empregador
[...] não é absoluto, encontrando limites nos direitos fundamentais
da dignidade da pessoa humana”, para, mais à frente, sentenciar que
“a dignidade da pessoa humana é um valor superior que deverá
presidir as relações humanas, entre as quais as relações
jurídico-trabalhistas”.
Em segundo lugar, pelo próprio contexto em que a decisão foi
produzida, propício, diante da gravidade da crise
econômico-financeira, a admitir exclusivamente argumentos e
intervenções de caráter instrumental em detrimento de razões
estranhas à lógica do mercado. A decisão judicial, porém, dirige-se
a este mundo e às suas contingências, e não ao mundo da lua. E,
nesse sentido, não desconhece que o mercado está submetido a leis
próprias e não tem como ser dirigido pela força de canetadas, embora
deva operar em comunicação com os valores, práticas e instituições
que lhe chegam de outras regiões do social. Assim, não vai se negar
o caminho das demissões dos trabalhadores de empresas que perderam,
ou estão perdendo, a sua viabilidade econômica, desde que a sua
necessidade seja comprovada em um cenário de negociação sindical, em
obediência ao que dizem as leis, em particular as de proteção do
trabalho, e sob a arbitragem do poder judicial.
Em terceiro lugar, pela evidência de que o movimento sindical trouxe
para si os fundamentos e os princípios da Carta de 88, e passa a
provocar a ação do juiz a fim de arbitrar questões que transcendem a
região do econômico-corporativo, na medida em que, quando suscita o
valor da dignidade da pessoa humana, no interior de um confronto
tradicionalmente interpretado como de natureza mercantil, envolve a
sociedade inteira. E, finalmente, pela indicação de que há poderes,
em nossas instituições republicanas, capazes de se pôr em sintonia
com os comandos constitucionais que nos orientam no sentido de
criarmos uma sociedade mais justa.
Rio de Janeiro, 06 de março de 2009.
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Luiz Werneck Vianna é professor do Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Coordenador do Centro de
Estudos Direito e Sociedade (Cedes/Iuperj).
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.
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