sábado, 25 de novembro de 2017

O STF, o grande golpe do país da impunidade e o avanço da arbitrariedade

“não se combate a corrupção combatendo direitos fundamentais"

Mauro Santayana

Quando todos estiverem gritando a mesma coisa, desconfie. Quem defende a democracia não pode apoiar,ainda por cima seletivamente, o uso da Justiça na disputa política

Hipocrisia e falso moralismo – como Hitler e Mussolini já mostraram – são escadas para a estupidez e o autoritarismo

Contrariamente ao que determina o texto constitucional – quem for contra que se candidate e altere a legislação no Congresso –, a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros vai questionar no Supremo Tribunal Federal as decisões de assembleias legislativas estaduais que liberaram parlamentares da prisão ou do cumprimento de cautelares.



A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou mensagem aos ministros do STF, nesse sentido.



E membros do Ministério Público também defenderam, reunidos no 34ª Encontro Nacional dos Procuradores da República, na semana passada, por meio de carta aberta, que “a execução da pena após a decisão condenatória de segunda instância e a atual legislação que prevê as colaborações premiadas são medidas essenciais ao combate à impunidade, devendo-se evitar retrocessos".



A desculpa para a pressão política e corporativista é a mesma de sempre.



A velha conversa do “Grande Golpe do País da Impunidade”, alicerce da eleição de Jânio, do avanço do Lacerdismo, da hipocrisia udenista, agora reforçada pelo conceito demagógico, hipócrita, mendaz e oportunista de uma intocável e incontestável campanha de combate à corrupção, que justifica indiretamente os discursos do “bandido bom é bandido morto”; da diminuição da idade penal; da defesa da tortura como método de investigação e punição de quem nasce ou ousa se colocar à margem do Sistema; da criminalização da política e do presidencialismo de coalizão; da desvalorização, desobediência e desprezo pelo Estado de direito, com a eliminação prática de direitos e garantias individuais, começando pelo habeas corpus e a ampla defesa; da prisão sem flagrante indefinidamente estendida, visando à extorsão de confissões e delações sem provas; da delação como método institucionalizado de investigação, livramento de corruptos comprovados, detenção e punição de – políticos ou não – desafetos; da banalização da violência e do genocídio executado nas periferias contra uma população majoritariamente composta de descendentes de escravos por um dos aparatos de “segurança” que mais mata no mundo; da institucionalização da guerra civil por meio do rearmamento da população; do crescimento e manutenção de privilégios em corporações como a Polícia, a Magistratura e o Ministério Público, no crescimento da estrutura repressiva do Estado, por meio do aumento do salário, do poder e de benefícios injustificáveis da alta plutocracia, criando castas cujos rendimentos passam de 100 vezes o que ganha a base da população, castas essas que pretendem, com base em meros concursos de discutível qualidade, e até eventualmente fraudados, interferir no processo político, e transformar-se em uma armada de supostos ungidos, “Salvadores da Pátria”, destinada a tomar de assalto o Estado e a tutelar a República.



Se muitos definem o Brasil como o país da impunidade, nós poderíamos apresentá-lo, perfeita e paradoxalmente, como, na verdade, o país da arbitrariedade.



Afinal, que raios de impunidade é essa, se, por aqui, com a desculpa de que a polícia prende e a justiça solta, centenas, milhares de pessoas são executadas pelas forças de segurança, todos os anos, mesmo estando desarmadas ou dominadas e sob a mira de celulares ou câmeras de vigilância?



Que raios de impunidade é essa, se, em alguns estados, mais de 60% dos presos que se encontram atrás das grades, muitas vezes há meses, anos, sequer tiveram direito a julgamento ou a qualquer tipo de assistência jurídica?



E o índice de encarceramento, nos últimos 10 anos, foi um dos que mais aumentaram no mundo?



Como pode o Brasil ser o país da impunidade, se os efeitos da punição de perda de liberdade se multiplicam ao infinito – com o “pagamento” das penas – tendo estas sido fixadas pela Justiça, ou, eventualmente, informalmente, pelo delegado ou carcereiro da delegacia da esquina – porque são cumpridas em condições animalescas com a quinta maior superlotação do mundo – o que obriga o preso a ficar de pé noite e dia, ou a se pendurar em gangorras improvisadas nas grades da cela se quiser enganar-se a si mesmo e fingir que está dormindo por alguns minutos?



No qual presos ficam detidos em gaiolas e contêineres, adolescentes permanecem presas por semanas em celas masculinas e a mesma acumulação sádica de presos em espaços exíguos facilita a disseminação de doenças, com milhares de detentos morrendo todos os anos – em um índice maior do que o das centenas que perecem assassinados nas mesmas celas – sem assistência médica, por doenças tratáveis como a aids, a tuberculose, a hanseníase e infecções de pele?



No entanto, é essa mesma justiça, incapaz de investigar mais do que uma fração de 60 mil assassinatos por ano, ou de impedir massacres feitos costumeiramente por membros de forças de segurança, ou de garantir a incolumidade física de detentos sob custódia do Estado, na qual há juízes que tiram dois meses de férias ou que recebem em um único mês meio mais de meio milhão de reais, que quer posar de exemplo para o mundo, como implacável e impiedosa paladina de um pseudo combate à corrupção e à impunidade.



Da destruição da engenharia brasileira, de grandes empresas, punidas no lugar de seus eventuais corruptos, que foram levadas a demitir mais de um milhão de trabalhadores nos últimos quatro anos, de multas “morais” aleatórias e absurdas, com justificativas absolutamente subjetivas, da ordem de vários bilhões de reais, da interrupção e sucateamento de dezenas de bilhões de dólares em obras e projetos, muitos deles estratégicos para a nação, nas áreas de energia, infraestrutura e defesa, – no contexto do mesmo Grande Golpe do País da Impunidade – é melhor nem falar.



Basta que se pergunte quem se beneficiou com isso.



Começando por nossos concorrentes externos – que incensam com espelhinhos e missangas nossos heroicos cavaleiros do Judiciário e do Ministério Público, muitos deles “treinados” anteriormente nesses mesmos países.



E por suas grandes companhias, que estão adquirindo hoje, a preço de banana, os ativos colocados à venda, apressadamente e em péssimas condições, pelas empresas que estão sendo destruídas nesse mesmo altar de um suposto combate à impunidade, em que se imolam touros premiados com a desculpa de matar seus carrapatos, enquanto se recupera, efetivamente, migalhas, quando comparadas ao que já foi direta e indiretamente arrebentado juridicamente nos últimos quatro anos na economia brasileira.



Além dos ativos que estão sendo “privatizados” e desnacionalizados por um governo que usa as mesmas justificativas para entregar a gringos, e até mesmo para empresas estatais estrangeiras, também na bacia das almas, quando não com bilionário, trilionário prejuízo para o país – vide a isenção tributária do último leilão do pré-sal – o nosso patrimônio público.



E como vamos corrigir esses absurdos?



Reforçando princípios universalmente aceitos, como a necessidade de provas, a presunção de inocência, o imprescindível esgotamento de todas as instâncias de defesa?



Ou aumentando ainda mais – como se pretende agora – a vulnerabilidade do indivíduo frente a um estado brutal, injusto, primitivo, medieval e assassino, na repressão e punição a investigados e suspeitos de terem cometido crimes?



Ou será que medidas supostamente criadas para atingir nababos não irão igualmente se abater sobre a cabeça de pequenos traficantes de beco de cracolândia e de ladrões de galinha?



Toda unanimidade é burra.



Quando todos estiverem gritando a mesma coisa, desconfie!



Independentemente do caráter ou da orientação ideológica de seus adversários, quem defende a democracia não pode entrar nesse jogo de apoiar, ainda por cima seletivamente, o uso da Justiça na disputa política.



A hipocrisia e o falso moralismo – como a ascensão de Hitler e de Mussolini mostraram sobejamente na década de 1930 – são escadas, com consequências terríveis, criminosas, horrendas, para a vitória da demagogia, da estupidez e do autoritarismo.



O que a nação precisa, agora, é voltar a colocar os pingos nos is, em defesa da preservação possível da liberdade e da dignidade humana.



Equilibrando o discurso denuncista, inquisitorial, punitivista, com a retirada, entre outras coisas, da faculdade do Ministério Público de negociar delações “premiadas”, fixando penas, e acordos de leniência que depois são contestados por outros órgãos, culminando com a volta da urgente discussão da questão do abuso de autoridade.



Nesse sentido, representa um tênue brilho de honra, lucidez e esperança a carta enviada por 72 procuradores municipais à organização do congresso nacional da categoria, realizado esta semana em Curitiba, alertando para a partidarização da classe e pedindo o cancelamento da presença do juiz Sérgio Moro para discursar na abertura do evento, ou que ao menos fosse feito um contraponto, com o convite a alguém com uma opinião divergente, como o ex-ministro da Justiça e ex-procurador federal Eugênio Aragão.



Em protesto contra a recusa dos organizadores de fazerem uma coisa ou outra, procuradores vaiaram Moro quando ele estava falando, e abandonaram o recinto, marcando posição e mandando uma poderosa e corajosa mensagem não apenas para a República de Curitiba, mas para todo o país.



"Nem todo mundo na classe está idiotizado", disse o ex-presidente da ANPM, Guilherme Rodrigues, sublinhando que “não se combate a corrupção combatendo direitos fundamentais” – uma frase que resume aquele que deveria ser o grande debate do Brasil neste momento e que demonstra, de forma cabal, que não existe, quanto à Operação Lava Jato, a unanimidade que querem fazer crer certa mídia e alguns ministros do STF.



Se cederem às pressões e chantagens – cada vez mais fortes, frequentes e descaradas – que estão sendo movidas contra eles, os membros da Suprema Corte, cujo principal papel seria justamente o de resistir, como uma rocha, em defesa do Estado de direito, usando a própria Constituição como manual e limite para evitar meter-se na seara política, podem renunciar às suas prerrogativas e atribuições, e trancar, à chave, e com correntes e cadeados, as portas do prédio do Supremo Tribunal Federal.



O último a sair que apague as luzes, sem esquecer os holofotes que iluminam a estátua de certa senhora sentada à frente do prédio.



Uma Justiça cega e sem balança, que o escultor Alfredo Ceschiatti, ao que parece, dotou perigosa e profeticamente apenas de uma espada, ao arrancá-la do coração de um bloco de granito, na década de 1960.


Rede Brasil Atual


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