terça-feira, 21 de novembro de 2017

O poder dos juízes

Michel Zaidan Filho

Acabei a leitura de uma tese doutoral sobre o controle da jurisdição constitucional pelos magistrados. Esta é uma tese que, apesar de cada vez mais atual, não é nem simples nem unanimamente aceita. Sua origem mais remota está na obra dos "pais fundadores" da Constituição norte-americana. Ou seja, a ideia de que a soberania popular – expressa através de seus representantes – precisa ter limites (a tirania da maioria). E este limite tem que estar fora do Poder Legislativo e do Poder Executivo, portanto, no Poder Judiciário. É o que se conhece como "review Justice". Vem daí a supremacia constitucional da Corte. Mas há outra fonte de poder dos juízes que é o controle da jurisdição constitucional, de Hans Kelsen, em seu debate com Carl Schmidt. O controle concentrado de constitucionalidade das leis e fatos jurídicos ganhou reputação e se generalizou, depois da segunda guerra mundial, com o modelo preconizado por Kelsen e corporificado na figura de um Tribunal Constitucional alemão.




A primeira recepção brasileira do controle concentrado de constitucionalidade foi na Constituição de 1891, copiada ou adaptada por Rui Barbosa do modelo americano. Aqui caberia um parênteses sobre até que ponto pode-se tomar a engenharia institucional americana como padrão ou modelo de constitucionalismo moderno. Haja vista que até um estudioso do Direito Constitucional norte-americano admite a necessidade de adaptação desse modelo, levando em conta os valores, a cultura e as singularidades de cada povo ou nação. De toda maneira, seguimos a tradição americana na relação entre os poderes e na necessidade de se colocar esse controle fora do âmbito dos dois outros poderes (Legislativo e o Executivo). A questão central, no entanto, seria perguntar se esse sistema de freios e contrapesos aqui no Brasil tem funcionado a contento, ou seja, qual o grau de autonomia, independência e imparcialidade da Suprema Corte diante dos fatos jurídicos.



Aqui temos de admitir que o nosso judicial é alopoiético, para usar a expressão do alemão Luhmman. Isto é, não possui autonomia diante do sistema político, é vulnerável a pressões e a interferência dos outros poderes. Daí se dizer que são corte políticas, antes de qualquer coisa, e pior: sem legitimidade para dizer das leis ou feitos legais. E o que dizer da presumida, pretensa "imparcialidade" dos juízes? Está o excelente artigo, recém publicado, do advogado da União, Douglas Carvalho (hoje lotado na UnB), para desmascarar esse grande impostura. Pior, sua subserviência aos ditadores de turno, desde Floriano Peixoto, Getúlio Vargas, os generais de 64 e, agora, aos mentores do golpe parlamentar contra a presidente Dilma. Sempre é possível se arrancar algum parecer ou sentença, de juízes complacentes ou acovardados, para justificar atos de violência contra a Constituição.



A propósito, é de se ver qual será o posicionamento da alta magistratura – como Corte Constitucional – quando nela chegar uma ação direta de inconstitucionalidade contra a PEC dos Gastos Públicos, tal a quantidade de ilegalidades e inconstitucionalidades que ela contém. Mesmo que o chamado "efeito vinculante" das decisões desse tribunal não obriguem o Legislativo a acatar a decisão, será muito instrutivo acompanhar a posição dos excelsos ministros na consideração das ofensas às "cláusulas pétreas" do texto constitucional (como a separação de poderes e o voto secreto).



E o que dizer do "ativismo judicial" ou da "judicialização das relações sociais"? – Uma mera mudança de atitude dos ministros diante de uma mudança da ideologia constitucional brasileira? – Ou uma tomada clara, aberta de posição por parte dos juízes em favor de um dos partidos (de interesses) em litígio no Brasil? Seria muito cômodo e simples analisar essa mudança de postura como resultado da crise de representação do Poder Legislativo, assaltado por uma miríade de corporações. Infelizmente, é mais do que isso. O atual ativismo judicial brasileiro não é prova da autonomia, independência ou imparcialidade dos ministros do STF; ao contrário é prova provada de sua tomada de posição. E não necessariamente a serviço da Constituição, da Legalidade, dos Direitos e Garantias individuais.


Brasil 247



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