sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Previdência: A rejeição à ‘reforma’ e as armas do governo


Pesquisa realizada em capitais brasileiras mostra grande rejeição à proposta, em especial nas classes C, D e E. Mas argumentos de quem apoia a ‘reforma’ têm relação estreita com o esforço de propaganda do governo

Glauco Faria

Os dados do levantamento realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostrando que a “reforma” da Previdência tem apoio de somente 19,6% das pessoas que conhecem a proposta deixa mais evidente o que está em jogo na discussão sobre a PEC 287. E também quais são as táticas do governo para convencer a população de que ela é benéfica para o país.



A sondagem foi feita em fins de novembro, antes, portanto, da propaganda massiva do governo em prol da “reforma”. Ainda que seja razoável presumir que o quadro continue desfavorável à proposta governista, de lá pra cá, além da publicidade oficial, as mudanças do sistema previdenciário têm contado com um suporte importante da mídia tradicional.



Se levarmos em conta somente a primeira quinzena de janeiro, já tivemos uma série de reportagens veiculadas durante uma semana no Jornal Nacional, uma capa da Exame que se provou um tiro n’água e o início de outra série de matérias do Fantástico sobre envelhecimento baseada na BBC britância – como se a realidade dos idosos brasileiros fosse de alguma forma similar à do Reino Unido.



Entre aqueles que aprovam a PEC 287, os três principais motivos relacionados ao apoio são:



1 – “O número de pessoas mais velhas está crescendo e o de jovens diminuindo a cada ano e, se estas medidas não forem realizadas, a previdência não conseguirá se sustentar a longo prazo, prejudicando quem se aposentará futuramente” (50%)



2 – “A reforma tornará o sistema mais justo, eliminando as diferenças entre funcionários da iniciativa privada e públicos” (17,6%)



3 – “As pessoas estão vivendo mais tempo e com mais saúde, conseguindo trabalhar e ser produtivas por mais tempo” (12,8%)



Percebe-se, entre os motivos, que o primeiro é a linha mestra da publicidade oficial. Parte-se do princípio da “necessidade” da “reforma” diante da mudança demográfica da população para convencer a sociedade a consumir o “remédio amargo”, como disse o presidente do INSS. E quem discordar dessa premissa é, nas palavras do sempre sofisticado Arnaldo Jabor, “imbecil”, como salientou em comentário radiofônico reprisado pela CBN.



Ainda que se admita que o modelo precise ser discutido, o que o Planalto quer evitar é justamente… a discussão. O esforço do governo e de parte dos veículos midiáticos é para interditar o debate, impondo a proposta apresentada como uma solução única, ignorando que dezenas de países lidaram com a situação de forma diferente. E que mesmo países tidos como “modelos” têm condições sociais muito distintas das nossas. Ainda assim, não se tem notícia de que algum deles tenha feito uma mudança tão draconiana e lesiva como a pretendida pelo governo Temer.



O segundo motivo responde à tática da “escolha do inimigo”, também parte da estratégia governamental. Mira uma categoria sem considerar as suas especificidades, atuando, na verdade, para se nivelar tudo por baixo. Também não se menciona que a previdência dos funcionários públicos já foi alvo de sucessivas alterações desde a década de 1990. Na prática, a PEC 287 é um jogo de “perde-perde” para os trabalhadores de forma geral, com uns perdendo mais do que os outros, o que não constitui exatamente uma ideia de “justiça”.



Já o terceiro motivo, a tese do “envelhecimento saudável”, é a tecla que veículos como a Rede Globo têm batido em sua grade jornalística. No último domingo, no Fantástico, o telespectador conheceu a história do britânico Alan, de 82 anos, que “se recusa a se aposentar” e “em 11 anos, nunca tirou um dia de folga, simplesmente por que não consegue parar de trabalhar”. Seria interessante abordar, para efeito de comparação, a rede social, a extensão do sistema público de saúde e as condições de trabalho dos britânicos com a dos brasileiros, por exemplo.



O nó do apoio à reforma



Mas a pesquisa aponta o entrave para que a PEC 287 seja aceita pela população. Quando se analisam os segmentos socioeconômicos, o índice de rejeição à “reforma” chega a 58,9% nas classes C/D/E, enquanto nas classes A/B ele é de 38,3%. A publicidade oficial e o esforço de parte da mídia será voltado justamente a convencer esse segmento a respeito da pertinência da PEC 287.



Não é uma tarefa fácil, já que proposta atinge violentamente os mais pobres, podendo fazer com que quase 4,4 milhões de beneficiários do LOAS, aproximadamente 2 milhões de idosos e 2,4 milhões de pessoas com deficiência, recebam menos que um salário mínimo, o mesmo acontecendo com outros 4 milhões de beneficiários das pensões por morte. Com a informalidade no mercado de trabalho e o endurecimento das regras para acesso à aposentadoria, milhões de pessoas ficarão excluídas da previdência pública. O coordenador de relações sindicais do Dieese, Fausto Augusto Júnior, explica a crueldade dessa equação:



“Do ponto de vista bem objetivo, estamos falando que vamos deixar em torno de 70% [dos trabalhadores] fora do sistema previdenciário. Mais grave do que isso, é que a proposta é uma proposta para a desconstrução do setor da previdência pública no Brasil. Por que? Porque quem tiver alguma opção com as formas de inserção, com a possibilidade de efetivar sua aposentadoria, a tendência do cidadão comum é migrar para a previdência privada. Mas se a classe média, média-alta e alta migrarem para a previdência privada, o que vai sobrar para financiar de fato a previdência? A aposta do governo não é diminuir o gasto com a previdência como anunciado, a proposta é um processo acelerado de privatização da previdência.”



Ainda é preciso lembrar que a pesquisa foi feita apenas em capitais brasileiras, não alcançando as zonas rurais. É aí que está um dos principais prejudicados pela PEC 287, o trabalhador do campo, que vai passar a ter que fazer contribuições individuais em lugar do sistema atual, que prevê a aplicação de uma alíquota de 2,3% na comercialização de seus produtos. Com a sazonalidade da produção, ele pode ficar meses sem contribuir, além de ter que cumprir o requisito da idade mínima quando, em média, mais de 70% das mulheres e homens do campo começam a trabalhar antes dos 14 anos.



Os dados que justificam a rejeição das classes C/D/E à “reforma” são bastante evidentes. Cabe às entidades, movimentos e parte da classe política fazerem o embate da comunicação para que esse motivos fiquem evidentes e não sejam invisibilizados pela propaganda oficial e extra-oficial do governo.



Previdenciabrasil.info


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