sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Pastor Ariovaldo: ‘Os evangélicos descobriram o que Lula não conseguiu: para vencer é preciso Mídia’

Ninja

A ascensão do protestantismo no Brasil é um fenômeno eminentemente urbano. O crescimento se explica, em grande medida, pelo acolhimento que a igreja consegue dar à base da pirâmide social: os não-brancos, as mulheres, os pobres. Trabalho que a esquerda brasileira deixou de lado desde que alcançou o executivo, se afastando das periferias e deixando espaço para um projeto de direita conservador e moralista.



“O que move a história é a religião” decretou uma vez o historiador britânico Arnold Toynbee, reconhecido por afirmar premonitóriamente o fim da União Soviética pela inexistência de uma fé que sustentasse sua ideologia.



O projeto de poder da ‘Nação Evangélica’, capitaneado pela Igreja Universal do Reino de Deus, acaba de vencer as eleições em uma das maiores cidades brasileiras com uma mensagem popular e uma teologia que entende na prosperidade e no dinheiro a benção divina.



Crime organizado, legalização das drogas, diversidade sexual, o anti-petismo e a resistência evangélica são alguns dos temas que a Mídia NINJA procurou compreender ao entrevistar o Pastor Ariovaldo Ramos, ex-presidente da AEVB (Associação Evangélica Brasileira) e um dos fundadores da potente Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito, uma resposta ao grande número de fieis expulsos de suas igrejas por criticarem o golpe de estado em curso no país.


Os evangélicos no Brasil


Pastor Ariovaldo: O avanço do protestantismo tem duas respostas: uma é a do fiel, que vai dizer “é Deus”. Outra possível, que não anula Deus, é a de que esse é um fenômeno eminentemente urbano, em que 85% do povo brasileiro mora na cidade.



Os Evangélicos no Brasil são um grupo crescendo desde a década de 1980: multifacetado, com muitas denominações e unidades independentes, com uma teologia rarefeita e, portanto, sem um discurso único, unidos basicamente pela confissão que Jesus Cristo é o único salvador. Como a maioria é pentecostal, vem da lógica que são batizados pelo Espírito Santo.



No entanto, as confissões de fé não são equânimes: há um número de evangélicos que se reconhece como tais, mas provavelmente não se encaixam em muitas doutrinas protestantes. É um movimento popular crescendo na base.



Em 1996, o Instituto de Estudos da Religião detectou que o movimento evangélico tinha chegado à base da pirâmide, e isso é um fenômeno. É a primeira vez na história moderna que uma fé estrangeira - precisamos lembrar que a fé evangélica como a gente conhece chegou aqui no século XIX - consegue chegar na base da pirâmide. Quando você consegue chegar lá, mexe com a cultura, pois ela é preservada na base.



Os evangélicos chegaram lá através dos pentecostais, e esse movimento explodiu. Os ‘históricos’ [protestantes tradicionais] têm uma definição mais conceitual, já os ‘pentecostais’ têm uma definição mais empírica, uma experiência que traz manifestações visíveis, notórias e perceptíveis.



Isso é o que eu diria dos evangélicos: é uma teologia muito rarefeita e multifacetada.



Há outra coisa que une: a figura do pastor. Sua liderança é muito forte e a fidelidade a ela também. Isso é menor nos históricos que vieram da reforma protestante, mas mesmo entre eles essa força institucional do líder começou a ganhar força. A maioria consegue esmagar a minoria e a força pentecostal é gigantesca em número, presença e volume.



Nós moramos em 200 cidades que são as que têm entre 150 e 200 mil habitantes, e o homem urbano é um homem de migração, ele saiu de sua localidade natural para buscar uma oportunidade fugindo de ‘N’ problemas que o Brasil tem e conhece, seja ambiental, da seca, ciclos climáticos ou mesmo a grilagem de terras, entre outros.



O homem rural foi sendo expulso: cerca de 40% a 50% das terras brasileiras estão com 2% da população, e onde está esse povo rural? Nas cidades. A cidade desassocia o ser humano da sua fonte primeira de construção de identidade, porque ele não está mais em um ambiente de segurança, não está mais no ambiente familiar, não está mais na região rural, não é mais “o filho do seu João”, agora ele é um número.



Quando chega à cidade precisa de comunidade e de acolhida, precisa ser reconhecido através de um nome. Então constrói comunidades do jeito que ele é, por exemplo, ele toma cachaça no mesmo bar, compra pão na mesma padaria, passa para ler as manchetes de jornal na mesma banca, anda no mesmo ônibus, no mesmo horário, e assim vai criando uma comunidade, alguém que o reconheça e que saiba dele, e nesse sentido a igreja evangélica é imbatível.



Quando ele entra na comunidade e é acolhido como um ser humano, é chamado pelo nome, recebe palavras que o dignificam e deixa de ser um sujeito perdido na cidade para ser um potencial de Deus, isso recupera a dignidade dele. Agora não é mais alguém da drogadição, do alcoolismo: agora tem uma comunidade, tem gente que ora por ele, gente que torce por ele, gente que o abraça.



Ele muda a forma de vestir, ascende socialmente.Pode ser obreiro, evangelista, líder, pastor. Em que outro lugar da cidade ele consegue isso? Que outro lugar do estado permite isso? Onde essa elite sub-desenvolvida no Brasil, que acha que a nação é só deles, permite um espaço desse? Não tem jeito, não tem como competir com isso. Lá o cara volta a ter nome, e mais, se ele tiver experiência com Deus, passa a ser referência, é o cara que fala com Deus, o cara que tem conhecimento, que cuida das crianças, é a “dona Maria” que tem uma oração poderosa, por exemplo, e com isso não tem como competir, não tem instituição nenhuma que possa o fazer.



Os evangélicos são os mais pobres. As pessoas pensam que os evangélicos são homens, brancos e ricos, mas os que são evangélicos são os não-brancos, os pobres e as mulheres. Mais de 60% da igreja são mulheres e negras. As crianças são atraídas porque tem lugar onde elas são amadas, recebidas, há uma programação para elas, tem música, enfim, é a ideia do Cristo de acolhimento.



A maioria das igrejas evangélicas está na periferia, ou seja, na base pegou. Faltava a esse grupo uma teologia mais elaborada que conseguisse perceber a face progressista da fé cristã. Por isso cresce tanto, independente da pessoa ter ou não um encontro com o Cristo, porque ela tem um encontro com o ser humano, que é uma coisa que muito dos intelectuais custaram a perceber.



Na igrejinha da periferia, a proposta é que a pessoa tenha um encontro com Jesus, com Deus e com o Espírito Santo e a trindade. Mas se não tiver esse encontro, vai ter um encontro com o ser humano, e dessa forma recupera sua noção de humanidade. Isso faz muita diferença em um povo alijado de seus direitos, oprimido, sem perspectiva em uma nação em que a lei não é séria e os acessos são negados.



Quando chega na comunidade, tem acesso e conta com a força mais poderosa que é Deus, pode orar, pedir por justiça, misericórdia e ter uma esperança. Se você pega uma mulher negra não evangelica, jogada na periferia, e pergunta sua fonte de esperança, o que ela vai dizer? Que ela espera do estado? Dos homens? Da elite branca? Mas se você a encontrar e ela tiver se convertido, vai dizer: “Eu espero em Deus, espero em Cristo, tenho meus irmãos e eles oram por mim, eles cuidam de mim”, e esse é um elemento na fé cristã que ninguém se dá conta, principalmente os intelectuais e a esquerda.

Ninja 

P.S.: outros trechos da entrevista nas postagens seguintes.


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