sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

É legítima e consequente a participação do PT nas Mesas da Câmara e Senado

PT entre o realismo e a soberba 
Tereza Cruvinel

“Traição”, “indignidade”, rendição ao “cretinismo parlamentar”. Tudo isso será dito contra o PT se confirmada a tendência de suas bancadas a legitimar as eleições para as Mesas da Câmara e do Senado, apoiando um dos candidatos do bloco golpista e garantindo ao partido participação na direção dos trabalhos do Parlamento. A decisão passará pelo Diretório Nacional. Ciro Gomes já falou em traição e perda do que resta de respeitabilidade. Outras críticas estão vindo pela esquerda. Não é mesmo fácil compreender o apoio petista a um Jovair Arantes, que foi relator da aprovação do impeachment na Câmara, ou a um Eunício Oliveira, que também votou pela deposição de Dilma. Não é fácil mas a escolha será entre o realismo político e soberba. Se a questão for não participar do jogo num parlamento dominado por golpistas, não restará ao PT e à esquerda outro caminho senão renunciar as seus mandatos. Seria bonito, choveriam aplausos, mas seria consequente?



Esta é um debate que a esquerda deve travar com argumentos e até com paixão, mas sem perder aquilo que a direita conseguiu subtrair da convivência democrática no Brasil, o respeito à divergência. Acredito que os críticos da participação do PT na Mesa confundem situações distintas e não compreendem como um valor democrático a observância da proporcionalidade entre os partidos na divisão do poder dentro do Parlamento. O PT perdeu o governo num golpe mas não perdeu a condição de segundo partido mais votado para a Câmara nas eleições de 2014. Abdicar desta condição, ausentando-se da direção parlamentar, também pode significar traição a seus eleitores, deixando de exercer o poder proporcional que lhe foi delegado. Um lugar na Mesa é importante não porque garanta cargos, empregos ou boquinhas – embora isso também mova os partidos - mas porque permite a cada um deles disputar influência, dentro do Congresso e na sociedade, especialmente numa correlação de forças tão desfavorável como a enfrentada pelo PT. Mas, para isso, terá que participar da disputa com os partidos golpistas. A alternativa será lançar um candidato próprio para perder e depois ficar fora da Mesa. E daí, em que isso contribuirá para a resistência ao governo golpista e sua agenda de retrocessos?



Há uma diferença crucial entre participar do jogo parlamentar formal, entre apoiar um candidato golpista, numa composição que leva em conta a proporcionalidade, e o alinhamento político ou ideológico. Traição inominável seria o PT apoiar a PEC 55, votar a favor da mudança na regra do pré-sal e demais medidas regressivas do governo Temer, ao lado dos que derrubaram Dilma e puseram fim ao ciclo de governos populares liderados pelo partido. Na primeira vice-presidência do Senado ou na primeira-secretaria da Câmara, por exemplo, terá o PT, ou o PC do B, parceiro no dilema, muito melhores condições de influenciar na agenda parlamentar e de organizar a resistência ao tropel do atraso que está em marcha. Estas devem ser as razões que levaram o líder Carlos Zarattini a comparecer ao ato de lançamento da candidatura a presidente de Jovair Arantes (PTB), gesto pelo qual vem sendo tão criticado.



Na Câmara, a tendência a apoiar Jovair Arantes tem razão tática. Ele é que encarna hoje a sublevação do baixo clero e do Centrão contra os caciques, podendo sua eleição representar para Temer o quebrar de uma perna, a fissura na unidade do bloco reacionário e majoritário na Câmara. Ademais, ele é mais reticente em relação a reformas como a previdenciária e a trabalhista, que exigirão um combate aguerrido das oposições. Rodrigo Maia teve votos no PT quando se elegeu para o mandato tampão, em substituição a Eduardo Cunha. Mas agora ele é o delfim de Temer, disposto a acionar o rolo compressor para aprovar as reformas neoliberais e antissociais. No Senado, não há escolha. Ali a proporcionalidade sempre foi melhor observada e a presidência cabe mesmo ao PMDB. O PT, apoiando Eunício, preservará o espaço que já tinha, apesar da forte oposição de Lindberg Farias e Gleisi Hoffmann ao acordo.



Assim me parece, depois de ter visto, nos últimos 30 anos, o PT cometer muitos erros no jogo das Mesas. Disputou a presidência quando era minoritário e acabou excluído. Majoritário em 2005, lançou dois candidatos e permitiu o desastre da eleição de Severino Cavalcanti. Peitou Eduardo Cunha em 2015, perdeu e ficou fora da Mesa numa conjuntura crucial, que terminou no golpe. Agora, está dividido entre o realismo que pode ajuda-lo a reunir seus cacos, e a soberba que lhe garante ficar bem na foto mas sem nenhum poder.



A propósito, a expressão “cretinismo parlamentar” cunhada por Marx, e depois utilizada também por Lênin, perdeu com o tempo seu sentido original. Foi cunhada em referência aos oportunistas que consideravam o Parlamento como espaço único e primordial da luta política, em detrimento das lutas populares, da ação política dos trabalhadores, dos movimentos sociais e de outras expressões da luta de classes. Para Marx, o “cretinismo parlamentar” era uma “forma de não dar expressão à vontade do povo, mas de bloqueá-la”, mantendo as camadas populares politicamente alienadas e frequentemente decepcionadas com seus supostos representantes. Sabe o PT que por este caminho, na atual conjuntura de triunfo conservador, estará morto. Terá que estar no parlamento, disputar espaço ali, mas sem afastar-se das lutas populares, que constituem o leito de sua história.


Brasil 247


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