terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Caso Rodolpho Carlos: a ironia do justiçamento chega à casa grande

Abuso: presos sem denúncia ou sentença  
Na noite do último sábado (21/1), o playboy Rodolpho Carlos, neto do ex-senador e ex-vice governador da Paraíba Zé Carlos Canjiquinha, dono das TVs Paraíba e Cabo Branco, afiliadas da Globo no estado, atropelou e matou o agente de trânsito Diogo Nascimento, que teria determinado, em blitz da lei seca, a parada do atropelador, que conduzia o Porsche da família, carro que, aliás, se vendido, pagaria sozinho o salário dos servidores de toda uma comarca do Judiciário Paraibano. Por alguns meses.




Rodolpho teve prisão temporária decretada pela juíza plantonista da capital naquele fim de semana, a qual acatou representação da autoridade policial corroborada pelo parecer do promotor de justiça em serviço. Horas depois, o recentemente eleito próximo presidente do Tribunal de Justiça paraibano, desembargador Joás de Brito (oriundo da vaga da OAB, nomeado, à época – mesmo sem ter sido o mais votado pela classe – pelo então governador Cássio Cunha Lima, cujo pai, Ronaldo Cunha Lima, foi o senador de quem Zé Carlos foi suplente), também plantonista naquele sábado, concedeu ordem de Habeas Corpus preventivo em favor do acusado que, portanto, nunca chegou a ser preso.



Leia a notícia do Justificando sobre o caso.



Nesta quinta-feira (26), em João Pessoa, o delegado responsável pela apuração de crimes dolosos contra a vida representou pela prisão preventiva de Rodolpho, tendo parecer do Ministério Público favorável ao seu requerimento. Até agora, tarde de sexta, o juiz da vara do Tribunal do Júri responsável pela análise do referido petitório, não se manifestou acerca do mesmo.



A fundamentação do pedido de prisão preventiva é a mesma de sempre, da maioria: “garantia da ordem pública”. Fragilíssimo. Assim como são os pedidos de prisão preventiva para aqueles que não são ricos como Rodolpho e, invariavelmente, acabam tendo sua segregação cautelar decretada, mesmo que não representem ameaça para a instrução processual acontecer normalmente.



Ora, pergunta-se, que garantia de ordem pública é essa? O que pode acontecer? O acusado fugir? Se for isso, absolutamente todos indiciados deveriam estar presos, pois todos também podem escapar da Justiça. Provas serem destruídas? Não, pois o tal Porsche está apreendido e há filmagens que atestam a velocidade com que Rodolpho conduzia o veículo.



No caso em questão, o que se tem de buscar é o devido processo legal e a celeridade processual, com fulcro no princípio constitucional da duração razoável do processo, frequentemente esquecido pelo Poder Judiciário, para que se condene o acusado a cumprir, depois dos recursos cabíveis, a pena que lhe for cominada via sentença judicial.



Isto, obviamente, é o que deveria acontecer em todos os casos que tais, tenham eles réus ricos ou pobres, parentes de ex-senadores ou parentes de trabalhadores braçais, condutores de Porsche ou de Fusca, com familiares que possam receber favores de desembargadores ou não.



O clamor social pelo justiçamento, pela vingança privada, pelo olho por olho, dente por dente, não pode ser tomado como régua para aplicação da lei penal. Nas lições preliminares de Direito, aprende-se que esse tipo de autotutela é proibida; ilegal, portanto.



Mesmo que, na Paraíba, tenhamos forte histórico de incentivo à tal prática (vide a famosa grita da paraibana Rachel Sheherazade, jornalista favorável à sevícia de supostos infratores amarrados em postes, ou o célebre caso do governador Ronaldo, já citado, que, em 1993, em pleno exercício do cargo, contrariado pelas críticas que sofria, tentou assassinar o adversário Tarcísio Burity, ex-governador, com um tiro no rosto (e jamais foi sequer julgado por isso), é francamente necessário que se repise: a prisão processual de Rodolpho Carlos, sem condenação, é absolutamente desnecessária nesse momento, assim como são desnecessárias a maioria absoluta das prisões dos desbastados que praticam crimes como o que praticou o neto de Canjiquinha. Essas segregações só servem para lotar cada vez mais nossas unidades prisionais e, nem de longe, ressocializam quem quer que seja.



A nível nacional, inclusive, essas frequentes campanhas pelo justiçamento ilegal são amplamente influenciadas e incentivadas pela seletividade de operações policiais atabalhoadas como a Lava Jato, que ferem de morte uma série de garantias constitucionais dos investigados, em nome de um falso sentimento de justiça fomentado pela mídia mainstream, principalmente pela Rede Globo que, na Paraíba, ironicamente, é representada pela família de Rodolpho Carlos.



Prender agora o boyzinho, como dizemos por aqui, sem sequer uma denúncia recebida e menos ainda com uma sentença prolatada, é demagogia pura sem espeque no Direito. É comer a corda dos justiceiros de plantão de olho na audiência dos urubus.



Que ele pague pelo que fez, mas em acordo com a Constituição, tão duramente aviltada nos últimos tempos nesse país.



Olímpio Rocha é Mestrando em Direito Econômico pela UFPB, especialista em Direito Público pela UNIDERP, Professor de Direitos Humanos e Direito Processual Civil na União de Ensino Superior de Campina Grande (UNESC), Membro da Renap, Membro do Comitê Estadual de Prevenção à Tortura na Paraíba, Advogado do MST e do MTST na Paraíba.



Justificando

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