quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

As sobras de 2016 sobre a palidez de 2017

Aldo Fornazieri

Ao contrário do que se apregoa no senso comum, o ano de 2016 não é para ser esquecido. A imprudência humana faz com que as pessoas olhem muito mais para o presente e esqueçam o passado. As suas esperanças, sempre necessárias, fazem com que toda a poesia dos tempos seja buscada no futuro. Os líderes políticos, de modo geral, também caem nessas armadilhas. Somente alguns profetas e os republicanos estóicos projetaram esperanças a partir das advertências e das dores do passado. O positivismo, o liberalismo, o cientificismo e o marxismo contribuíram enormemente para o esquecimento do sentido trágico da vida e da história e para a perda da percepção acerca do caráter ruinoso do tempo. Mesmo sob o impacto de acontecimentos recorrentemente terríveis foi se firmando uma visão progressiva e otimista da história. O otimismo infundado faz com que as pessoas vejam as tragédias longínquas, as tragédias dos outros, mas não aquelas que estão diante delas próprias. Essa atitude amnésica perante a vida e a história recusa o aprendizado com as experiências e extração das lições dos acontecimentos. O esquecimento torna-se um bálsamo para os fracassos, as culpas e até mesmo para os crimes.


Os líderes, os partidos, os empresários, os trabalhadores, nos tempos de relativa tranquilidade, esquecem-se das artimanhas da Deusa Fortuna, da insubsistência das posições conquistadas e da mudança de rumo dos ventos e dos tempos. Não convocam a prudência, nem para antever os riscos do futuro, nem para construir os diques para conter os rios revoltosos e destrutivos animados pelo imprevisto, pelo acaso e pelo contingente.


Pois bem. O ano de 2016, foi prolífico em desmontar as certezas de várias “ciências”, a empáfia arrogante de poderosos, e arremessou não só o Brasil, mas o mundo, no redemoinho sísmico do imponderável e do imprevisível. Alcunhado por alguns como o “ano cataclísmico”, ele fez emergir com virulência o medo, a insegurança e a desesperança.


Cinzas sobre a democracia


Atendo-se apenas ao Brasil, não há como negar que o golpe do impeachment recobriu de cinzas a democracia. Os acontecimentos de 2016 governarão 2017 e outros anos vindouros. Quem quiser extrair alguma lição do que aconteceu deve aprender que não se pode brincar de ser democrata. Em nome do combate à corrupção elevou-se ao governo a quadrilha mais corrupta da política brasileira. Muitos avalistas do golpe aceitaram a tese de que não havia motivo constitucional para tirar Dilma do poder, mas que era preciso fazê-lo, pois ela tinha perdido a condição de governar. É verdade que havia um alto grau de ingovernabilidade. Mas o que se vê agora é um governo ilegítimo que é avaliado como pior do que o governo que se foi, mas que era legítimo. É preciso aprender que não se pode assaltar a soberania popular em nome do incerto e de interesses escusos. O país foi mergulhado numa crise institucional que se agrava, com um governo e com um Congresso que atacam a Constituição fruto de uma Constituinte, e com um Judiciário acovardado, para dizer o mínimo.


O que se vê agora é a maioria das população brasileira assustada com o seu futuro, desalentada com a perspectiva do advento da velhice, desassistida em direitos, violentada com a proposta de reforma da Previdência. Esta enorme nuvem lançada no final de 2016 por políticos e tecnocratas criminosos desconsidera o que significa levar a vida de um pequeno camponês, que chega aos 55 anos estropiado. Não leva em conta o que significa trabalhar até os 55 ou 60 anos numa fábrica, quando as articulações dos membros doem e mal respondem. O Brasil não é a França e o grau de desenvolvimento tecnológico da França proporciona aos trabalhadores daquele país condições bem diferentes daquelas dos trabalhadores brasileiros. Os políticos e tecnocratas usurpadores não levam em conta esta brutal realidade, pois eles têm seu futuro garantido pelos privilégios do poder pagos pelo povo.


As sombras cinzentas de 2016 já levaram mais de 12 milhões de trabalhadores ao olho da rua. Este número irá crescer. Bolsões de pobreza e de fome estão se reconstituindo e ampliando. Os instrumentos de produção de ciência e tecnologia estão sendo arrasados. As verbas para a saúde, educação e habitação estão minguando. O país está entregue ao mais voraz capitalismo predador. O peso do ajuste está sendo jogado com brutalidade e sem piedade sobre os ombros dos mais pobres.

A vergonhosa mudez dos políticos

O que mais espanta, nesse momento, é o silêncio oportunista e vergonhoso dos políticos acerca de saídas para a crise. Os líderes partidários e os parlamentares, além promoverem os tradicionais privilégios, se resumem a proclamar as platitudes e redundâncias de sempre, as escaramuças da baixa política, as declarações de princípios vazios, os formalismos farsescos, e assim por diante.

Não há uma voz para ser ouvida. Não há um caminho indicado para ser seguido. Não se ouvem palavras frutíferas. Não se entoam hinos enérgicos e mobilizadores. Não há um passado glorioso a restaurar. Não se lêem programas e estratégias empolgantes. Líderes acuados apresentam fisionomias cansadas. Toda sorte de velhacos em Brasília promovem todo tipo de conspiração. Altos funcionários do Estado se elevaram à condição de justiceiros ao arrepio da lei. Os partidos estão mortos. A política está morta, rejeitada como algo abjeto pela maioria da população.

À esquerda, em que pese o ânimo de luta de muitos ativistas e movimentos sociais, o que se vê é uma exaustão com os partidos e com os políticos que estão ali. As bases desconfiam dos líderes. A juventude que luta está órfã de esperança. As necessárias lutas localizadas, territorializadas, específicas, carecem de capacidades de universalização, pois não há nenhuma agenda ou plataforma unificadora. As periferias, com uma exceção aqui outra acolá, abandonadas e solitárias em relação aos partidos, buscam empreender seus próprios caminhos, quando e onde é possível.

Diante do agravamento da crise voltou-se a falar em diálogo, em acordo nacional. O problema é “diálogo” entre quem e para quê. Não é possível validar um diálogo somente entre as cúpulas partidárias que produziram essa crise. Um diálogo sem uma posição de centralidade da sociedade civil e dos movimentos sociais não deve ser validado. No Brasil, os diálogos e os acordos sempre resultaram em frustração e em engano para o povo. Qualquer diálogo que se pretenda legítimo precisa partir do seguinte pressuposto: 1) retirada da proposta de reforma da Previdência; 2) retirada da proposta de reforma trabalhista; 3) suspensão da PEC do tetos dos gastos; 4) investigação de todos os partidos e políticos envolvidos em corrupção, incluindo o PSDB. Se os movimentos sociais e os ativistas progressistas derem seu aval que não contenha esse pressuposto estarão caminhando para o auto-engano. Somente a partir da aceitação desse pressuposto poder-se-ia buscar uma saída para a crise de governo”.


GGN


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