domingo, 20 de dezembro de 2015

Sou visto, logo existo: Bauman e a Cegueira Moral


Erick Morais

“A participação na sociedade confessional é convidativamente aberta a todos, mas há uma grave penalidade para quem fica de fora. Os que relutam em ingressar são ensinados (em geral do modo mais duro) que a versão atualizada do cogito de descartes é “sou visto, logo sou” – e quanto mais pessoas me veem, mais eu sou...”

Pascal já dizia que o encontro mais doloroso da vida é entre o eu e o mim. Passados mais de trezentos anos, o homem moderno com toda sua inteligência e exuberância, ainda teme esse encontro, pois sabe que enxergar-se sem uma máscara pode não ser uma experiência das mais entusiásticas.


Essa teatralidade da vida encontra na mídia e nas redes sociais o seu principal refúgio, uma vez que estas criam uma atmosfera fantasiosa da realidade, a qual os indivíduos mecanicamente domesticados acreditam. Mas, não é uma fantasia no sentido lúdico-poético, que é necessário à vida, e sim, uma fantasia que distorce a realidade e cria escravos do sistema.

Pouco a pouco, nós somos despersonalizados e convertidos em peças iguais de um mesmo tabuleiro. Ou seja, todas nossas características são suplantadas, a fim de que haja uma padronização social. Mais que isso, essa padronização social deve ser exposta nas redes sociais, de modo que todos vejam o resultado de um sistema que cria um exército de pessoas “felizes”.

Há, dessa forma, o que Zygmunt Bauman chama de “erosão do anonimato”, pois nós, enquanto indivíduos com características próprias, deixamos de ser, para pertencer a um grupo homogêneo e, necessariamente, público. Assim, toda a vida é convertida em um reality show, em que todos veem o que faço ou deixo de fazer, como se houvesse alguma diferença, já que nesse modelo “integrativo”, todos falam e se comportam do mesmo modo.

“Tudo o que é privado agora é feito, potencialmente, em público – e está potencialmente disponível para consumo público.”

Entretanto, não há integração alguma, pelo contrário, há uma alienação, em grande parte, voluntária a um sistema que cria autômatos convergentes nos mesmos sonhos, desejos e sentimentos. O problema agrava-se ainda mais com a necessidade de exposição, uma vez que nessa sociedade confessional, o cogito cartesiano ganha novo sentido, convertendo-se em um – “Sou visto, logo existo”.

Assim sendo, todos aqueles que de algum modo buscam fugir dessas amarras, acabam sofrendo constantemente punições de uma sociedade que tem como pedra angular a “liberdade”. Em outras palavras,

“A participação na sociedade confessional é convidativamente aberta a todos, mas há uma grave penalidade para quem fica de fora. Os que relutam em ingressar são ensinados (em geral do modo mais duro) que a versão atualizada do cogito de descartes é “sou visto, logo sou” – e quanto mais pessoas me veem, mais eu sou...”

Ser um indivíduo com personalidade e ideias próprias está fora de questão, assim como se negar a fazer da sua vida um reality show, preservando a sua intimidade para quem é íntimo. A modernidade líquida, o admirável mundo novo ou como queiram chamar, descaracteriza, despersonaliza e desindividualiza as pessoas, como se estas fossem produzidas em série e não possuíssem idiossincrasias que as diferenciem de qualquer outra.

Aplaudimos ao desencantamento da vida, acumulando likes em pontos comum. Padronizamos o comportamento e escondemos a individualidade em um quarto escuro. Talvez seja por medo de sentir-se sozinho que nos tornamos marujos de um barco que caminha sempre na mesma direção. Talvez seja pela vontade de fazer o mundo lembrar-se da nossa existência. Mas, em um barco onde todos são iguais, talvez nem você saiba quem é.


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