terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Zaidan: A política e a amizade. A política da amizade?


Michel Zaidan Filho
 
Os gregos – que eram sábios – separaram como ninguém o espaço da pólis (política) do espaço do óikos (casa). Fizeram isso para não contaminar o espaço da política com os interesses comezinhos da luta pela sobrevivência. Como dizia o filósofo, um homem que precisa dedicar grande parte de seu dia ao trabalho, não era livre. Só os que podiam se dedicar inteiramente aos negócios públicos, desinteressadamente, podiam ser chamados de cidadãos. Essa desconfiança da mistura entre política e interesses se manifestou, mais tarde, no pensamento da Hannah Arendt que chamou os parlamentos modernos de praças de negócio, comandadas pelos simples interesses: e não pelo bem comum.




Daí pensar a dignidade da política, como uma ”vita contemplativa”, distanciada do vil interesse material. Seu primo, Walter Benjamin foi mais além: negou-se terminantemente a conceder à política moderna qualquer propósito sensato, concebendo-a como um mero discurso estratégico, submetido sempre à uma vontade de poder. Foi preciso recorrer à linguagem e aos atos retóricos para pensar a política como a arte do diálogo, da comunicação, do entendimento mútuo, a serviço da libertação (Habermas). Hoje, a inevitável judicialização da política acabou com as belas promessas do discurso político e entregou aos juízes a decisão sobre o certo e o errado do mundo político, deslocando a sua racionalidade para o interior das cortes.


É possível salvar a política, na concepção do “bom e justo governo da cidade”, como queria Aristóteles? Ou será que ela é uma atividade decididamente comprometida com meros imperativos de poder, sem pretensão de validade ética ou cognitiva? – É possível pensar uma política da amizade, da boa-fé, do entendimento ou do diálogo entre pessoas de boa vontade?


Aqui, sobressai o nome de Platão e de sua obra “O banquete”. Só é possível resgatar a dimensão da amizade, da boa vontade e da boa-fé entre os políticos, os as pessoas políticas (zoon politicom), se for possível pensar na reerotização das relações humanas, de um modo geral. Enquanto banirmos essa razão sensível dos nossos negócios, a política continuará a serviço de interesses estratégicos ou materiais, com muito pouco margem de manobra para a dimensão da amizade, do acordo, do diálogo e do entendimento. Nem só do pão e do dinheiro vive a criatura humana. Vive-se também, e sobretudo, de respeito, auto orgulho, de atenção. A política do interesse tem que permitir a política do reconhecimento, se quisermos reabilitar o discurso político e a nossa confiança nos políticos. Senão Thomas Hobbes, Maquiavel, Nietzsche e Foucault terão dado a sua última palavra sobre isso. E aí não teremos salvação.


Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador no Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

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