terça-feira, 6 de novembro de 2012

Várzeas de Sousa, Paraíba: Nem produção familiar, nem empresas; Especulação fundiária ?




Catão e as Várzeas de Sousa

Rubens Nóbrega

Sob o título ‘Patrimônio abandonado’, com base em informações e análise do engenheiro agrônomo José Antunes de Oliveira publiquei em 2 de fevereiro deste ano um alerta em forma de artigo sobre o abandono desestruturante em que encontrava o Projeto de Irrigação Várzeas de Sousa.

Oito meses depois, a situação continuaria a mesma ou pior, a julgar pela avaliação e constatações do engenheiro Fernando Rodrigues Catão, que esteve nas Várzeas de Sousa em setembro passado, integrando comitiva da Assembleia que inspecionou obras da transposição do São Francisco na Paraíba. 




Tanto quanto o Doutor Antunes fez no começo do ano, há pouco mais de um mês o Doutor Catão também escreveu suas impressões sobre o que viu por lá, manifestando-se particularmente preocupado com as invasões, obstruções, captações clandestinas e desvios ilegais da água do Canal da Redenção ao longo dos seus 37 km de extensão, da tomada d’água no açude de Coremas à barragem de compensação.

Do escrito do Doutor Antunes, intitulado ‘Projeto de Irrigação Várzeas de Sousa – Uma análise crítica construtiva’, inferia-se claramente que a incompetência gerencial do Governo do Estado comprometia não apenas o futuro do projeto como todo o investimento lá realizado, tanto pelo Governo Federal como pelos irrigantes legalmente estabelecidos.

Já do escrito do Doutor Catão, intitulado ‘Várzeas de Sousa (na Paraíba) e Transposição do Rio São Francisco’, extrai-se que por falta de ou mau gerenciamento os problemas do canal e de todo o projeto não apenas se acumulam como vêm se agravando, aumentando o “risco da destruição parcial do perímetro com prejuízos imensos e sem o retorno social pretendido para um projeto em que são investidos milhões e milhões de reais”.

Com a experiência de quem foi gerente executivo de Irrigação das Várzeas de Sousa por 16 anos (de 1996 a julho de 2011), Doutor Antunes atribuiu a desestruturação do projeto à falta de compromisso, de apoio e de pessoal da Secretaria de Estado de Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca (Sedap) sob o Ricardus I.

Descaso e inércia

Por sua vez, com a experiência de quem foi secretário de Estado e secretário nacional de Integração com status de ministro no FHC I, mas com a parcimônia que lhe exige o cargo atual, de presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Doutor Catão refere-se genericamente ao ‘Poder Público’ ao identificar o culpado pelo descaso e inércia que penalizam e ameaçam destruir a irrigação nas Várzeas de Sousa.

No seu artigo, o Doutor Catão manifesta-se particularmente preocupado com o impacto que a transposição do Velho Chico terá na área do Projeto Várzeas de Sousa. “É preciso verificar, com a máxima antecedência, se a calha do Rio Piranhas comportará a vazão máxima prevista para a cessão dessas águas”, recomenda.

Além disso, vale muito a pena dar repique às observações de Fernando Catão sobre o que ele viu nas Várzeas de Sousa, mediante reprodução de trechos (leia no tópico a seguir) do seu artigo, que se agrega ao relatório da visita da comitiva da Assembleia, liderada pelo deputado Fernando Quintans, às obras da transposição.

Diga aí, Doutor

A concepção desse projeto contempla dois princípios que não estão sendo observados. O primeiro diz respeito ao uso da água. Ela não vem suprindo as necessidades de todo o perímetro.

A segunda questão prende-se à distribuição de grandes e pequenos lotes para, respectivamente, grandes e pequenas empresas, de modo a que as maiores cuidassem de transferir inovações tecnológicas e conhecimentos de mercado às menores, providência de que resultariam – se posta em prática – a comercialização de produtos de boa qualidade e grande valor agregado e, assim também, a sustentabilidade econômica de todo o projeto. Não é, porém, o que se vê ali.
(...)
Estabeleceu-se, ali, o conflito indecente e autofágico pelo uso da água. A exemplificar: para o salvamento de ovelhas no período de estiagem foram escavados, absurdamente, dois grandes poços artesianos num dos lotes

Como explicar a escassez hídrica de um perímetro irrigado que dispõe de uma estação de bombeamento e estoque de água potencialmente capaz de abastecer toda a Paraíba e, além disso, disponível a poucos quilômetros, na Barragem de Coremas, a que já se interliga por canal?


Merece registro, também, o descaso do Poder Público com a destinação de grande parte dos lotes disponíveis e ainda não licitados. Observe-se, além do mais, que a área ali reservada a assentados (invasores) carece, há mais de dois anos, de projeto cuja elaboração está reservada a um Incra omisso até a presente data.

O que se tem, portanto, em relação às Várzeas de Sousa, é o acúmulo de problemas que se perpetuam e agravam. A começar pelo fato indecoroso de um perímetro irrigado não funcionar a contento não pela falta d’água, mas pela má operação do sistema alimentado por um dos maiores mananciais do interior nordestino.

Debite-se a isso a indiscutível inércia do Poder Público, mal do qual decorre, inclusive, a prevalência de forte conflito quanto à destinação desse projeto: não se sabe se será voltado para uma agricultura orgânica sustentável e com produção de alto valor agregado, ou se destinado a produzir ração para rebanhos a custos enormes para o Estado. Se for este o caso, o que se terá é um projeto de eficácia, eficiência e efetividade extremamente duvidosas.


Jornal da Paraíba

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