Bruno Cirillo/ Daniel Popov
O próprio ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Wagner Rossi, reconhece que o potencial de aumento na produção agrícola brasileira é grande e não depende do desmatamento. "Temos à disposição cerca de 120 milhões de hectares de áreas degradadas, que hoje não produzem nada, mas que podem, com a aplicação de nutrientes no solo, produzir alimentos", afirmou, em entrevista ao DCI.
O ambientalista e produtor rural Paulo Nogueira Neto concorda com Rossi. Considerado o primeiro-ministro do Meio Ambiente brasileiro, ele lembra que "o País tem milhões de hectares de terras que não são aproveitadas pela agricultura porque perderam a produtividade. "Em vez de derrubarmos novas florestas, podemos adubar essas terras, tratar essas áreas que estão abandonadas e aumentar a produção", analisou.
Nogueira Neto, que foi secretário Especial de Meio Ambiente por 12 anos e meio entre as décadas de 1970 e 1980, e há mais de 40 anos possui fazenda
Código Florestal
Proteger o produtor rural e, consequentemente, a agropecuária. Esta foi a palavra de ordem dos ruralistas durante o recente debate acerca do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados. Os ambientalistas engrossaram esse coro, afirmando que a meta é o ser humano, segundo Nogueira Neto. "Não tem como dissociar o agronegócio da preservação ambiental. Afinal, o meio ambiente é o instrumento de trabalho do produtor, tanto que qualquer problema climático traz consequências concretas para a atividade no campo", analisou. "E o aquecimento global trará exatamente mudanças nos ciclos das chuvas, o que é profundamente prejudicial para a agricultura, visto que se chover demais no período da colheita uma safra inteira pode se perder. Ou a seca no período de plantio pode afetar a produção de alimentos", disse.
No âmbito desse debate, que agora acontece no Senado Federal, ambientalistas e produtores rurais ainda estão longe de um acordo, principalmente quanto ao tamanho da reserva legal -área de cobertura florestal que os agricultores, por lei, precisam deixar preservada em sua propriedade- e sobre a recomposição das terras degradadas pelo manejo incorreto. Um dos argumentos dos ruralistas é que, tanto o atual Código, criado em 1965 -portanto há 46 anos-, como as propostas de ambientalistas ao novo Código, podem tornar inviável a prática da agricultura brasileira.
As mudanças previstas na legislação do uso do solo rural (lei federal número 4.771/1965) resultarão em benefícios e obrigações aos proprietários rurais.
Dentre os bônus, a suspensão das sanções decorrentes de infrações cometidas antes de 22 julho de 2008, relativas ao desmate irregular em áreas de Reserva Legal, Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de uso restrito. Para se beneficiar, o proprietário tem de se cadastrar no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
"É preciso reconhecer que a sensibilidade e atitudes coerentes por parte das lideranças agrícolas, parlamentares e do próprio governo conduziram os debates e possibilitaram que o texto do novo Código Florestal reconhecesse e respeitasse a relevância do agronegócio e do desenvolvimento da economia brasileira", ressaltou o ministro Wagner Rossi.
Aprovado pelos deputados, o novo Código começou a tramitar no Senado, onde deverá passar por longa discussão em três comissões -de Constituição e Justiça, de Agricultura e de Meio Ambiente- antes de ir a votação em plenário.
Depois, ainda poderá ser vetado pela presidente Dilma Rousseff, que já prometeu não tolerar anistia aos desmatadores.
Produtividade crescente
A produção de arroz cresceu 55% no Brasil, entre 1986 e este ano, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No sentido contrário, a área total utilizada para o plantio diminuiu 45%. Para o presidente do Instituto Rio-Grandense do Arroz (Irga), Cláudio Pereira, essa é uma tendência motivada por orientação e tecnologia.
"Os produtores têm de ter cuidado para escolher as áreas mais produtivas, os solos mais férteis. Essa é uma recomendação constante para os arrozeiros", disse Pereira. "As tecnologias de hoje, para a produção de arroz, são 'de ponta' no mundo inteiro", afirmou.
O representante ainda disse que, no Rio Grande do Sul, as áreas mais utilizadas para o cultivo do arroz são de campo, e não de várzea. "As várzeas acabam nas mãos de pequenos produtores, que receberam com alívio a mudança no Código Florestal", afirmou Pereira. Apesar disso, se for regular, a produção desses agricultores fica distante das margens do rio.
No plantio de feijões, a tendência de a produção se concentrar em áreas menores se repete. "Não tenho nenhuma dúvida de que nos próximos anos haverá cada vez mais a migração para áreas menores e mais produtivas, com uso intensivo de alta tecnologia", afirmou o ex-presidente do Instituto Brasileiro de Feijão e Legumes (Ibrafe), Marcelo Luders. Atual diretor da corretora agrícola Correpar, de onde observa a evolução da produção no setor, Luders acredita que o uso da irrigação e as técnicas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tornam viável a combinação entre pequena área agrícola e a farta produção.
Plantio sobre palhada, melhor aproveitamento do solo, rotação de cultura são exemplos da orientação que a Embrapa dá aos produtores rurais, no intuito de economizar terreno. Mas para Luders, o crucial é aportar tecnologia aos pequenos produtores (responsáveis por boa parte da produção de feijão no Brasil) e investir no aprimoramento técnico dos mesmos. "É possível, dentro da área que existe hoje, sem desmatamento e com investimento em tecnologia, haver um grande desenvolvimento produtivo", disse Luders. A produção de feijão cresceu 165%, nos últimos 25 anos, enquanto a área utilizada para o cultivo teve redução de 36%, de acordo com a Conab.
Pesquisa
Mesmo com todo o desenvolvimento observado na agricultura desde 1986, os produtores brasileiros ainda se mostram pouco a vontade com o movimento de verticalização de suas produções. Entre os fatores que mais inibem os investimentos na produtividade estão os custos mais altos, pelo uso de tecnologias, e a falta de conhecimento sobre o manejo correto de suas áreas.
Para o diretor-geral da Syngenta no Brasil, Laércio Giampani, o País possui uma grande capacidade de expandir sua produtividade, e o agricultor já começa a perceber as vantagens de investir em tecnologias. "Hoje, o que muitos produtores estão percebendo é que para alcançar determinada performance é preciso investimentos em tecnologia. É muito mais vantajoso produzir mais em uma mesma área do que expandir", afirmou.
De acordo com ele, a discussão em torno do novo Código Florestal pode favorecer tanto a preservação do meio ambiente, quanto a ampliação das produções de alimentos, desde que o País invista tanto na revitalização de áreas já degradadas, quanto no uso de boas práticas de cultivo. "Tecnicamente falando temos o poder de fazer as duas coisas, nós conseguimos aumentar nossas áreas de produção de forma equilibrada, pois temos áreas para isso. E ao mesmo tempo podemos ser mais eficientes verticalmente, é só olhar nossa história", contou Giampani.
Um exemplo citado pelo executivo a respeito de como o uso de novas tecnologias pode ser aliado ao aumento de rentabilidade por hectare, foi a criação do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), que reúne pesquisadores, entidades e empresas do setor para desenvolver novas variedades e tecnologias para a sojicultura brasileira. "Nosso objetivo é desenvolver novas variedades de soja, considerando adaptabilidade e genética, qualidade da semeadura, adubação correta, entre outros. Nossa meta é produzir em três anos, quatro mil quilos do grão por hectare. Hoje a média brasileira é de 2,8 mil hectares. Em um ano temos mais de 20 produtores colhendo mais de 4 mil quilos, o que prova que isso é possível".
O movimento brasileiro em busca dos ganhos de produtividade ficou tão intenso que muitas empresas estrangeiras, inclusive a suíça Syngenta já desenvolvem tecnologias exclusivas para o País, e para as diversas regiões, solos e climas aqui encontrados. Nesse contexto a norte-americana Dow AgroSciences, que também possui unidades de pesquisa em território nacional, afirmou que é muito importante que se desenvolva as ferramentas corretas para regiões distintas, até para garantir ao produtor um ganho de produtividade superior .
Para o diretor de Registros, da Dow, Mario Von Zuben, a tendência é a diversificação de culturas. "O grande salto em relação à produtividade virá da adoção de novas tecnologias, e não do aumento de áreas", garantiu. Para ele, o argumento de que a agricultura brasileira não se desenvolverá bem se o novo Código inibir a ampliação de áreas é descabida. "Dizer que a agricultura sem mais áreas não cresce não se sustenta, porque sentimos que existe uma conscientização muito grande dos produtores rurais sobre a necessidade de aumentar a produtividade", finalizou o empresário.
Código moderno em 1965
O Código Florestal, elaborado em plena ditadura militar, foi extremamente inovador no sentido de declarar de interesse público áreas que protegem os bens necessários a toda a sociedade. A opinião é da ambientalista e escritora paranaense Teresa Urban, para quem "a cobertura necessária à proteção do bem comum do povo tem que ser assegurada, independentemente do interesse do proprietário". "O que os autores do Código vigente fizeram foi colocar o bem da sociedade, o direito difuso de todos acima do direito individual", acrescenta. "Depois na Constituição de 1988 houve alguns avanços em cima do que já era inovador."
Teresa lembra que o País já possuía um código florestal, de 1934. E em 1961, o então presidente Jânio Quadros convocou uma comissão de cientistas para elaborar uma nova versão, mais completa. O projeto foi para a Câmara dos Deputados em 1964 e passou no ano seguinte na base do "distraídos venceremos",
DCI
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