quarta-feira, 22 de junho de 2011

Código Florestal: A produção em várzeas é sustentável?


Eron Bezerra 


Tenho, recorrentemente, procurado demonstrar que toda polêmica em torno da questão ambiental é de difícil conciliação porque não se dar por razões de natureza técnica e sim em torno de concepções ideológicas antagônicas: produtivistas, santuaristas e sustentabilistas.

A radicalização dessas concepções sempre esteve presente, as vezes surdas, outras vezes estridente e até mesmo explosivas, como agora ocorre em decorrência da votação do novo código florestal pelo congresso nacional.

Superada a batalha da Câmara dos Deputados, ela se volta para o Senado. Na batalha da Câmara ficou evidente a repulsa dos produtivistas por qualquer regra que restrinja ou limite o acesso aos recursos naturais, enquanto os santuaristas se batiam para deixar o "cipoal" legal como se encontra ou torna-lo ainda mais inaplicável.

A motivação é distinta. Os produtivistas não creem na finitude dos recursos naturais ou pouco se importam se tais recursos estão em vias de exaustão, desde que isso ocorra após a sua curta existência pessoal sobre esse planeta de terráqueos; e os santuaristas que sabem da finitude dos recursos naturais, elegeram a tática do bloqueio e da não utilização de recursos como estratégia final, apesar de saberem que o conhecimento científico e tecnológico disponível pode alongar consideravelmente o uso de tais recursos - se manejados com sustentabilidade - em benefício de todos, incluindo a espécie humana, para lhes assegurar um padrão de vida confortável e socialmente justo. Mesmo assim lutam para impedir o uso dos recursos naturais.

Mas essa tática, lamentavelmente, é seletiva. Volta-se fundamentalmente contra os países em desenvolvimento e a Amazônia em particular, sugerindo que o que eles se preocupam, na verdade, não é com o uso, mas quem usa tais recursos. Tudo indica que lutam para restringir o uso desses recursos naturais apenas aos ricos, razão pela qual alguns cientistas também os denominam de neomalthusianos.

Malthus, como se sabe, ficou conhecido pela sua defesa radical do controle da natalidade, sob o argumento de que no futuro próximo não haveria comida para todos. O que poucos sabem – ou não interessa destacar – é que Malthus também não defendia o controle da natalidade para todos. Sua pregação se voltava contra a procriação de pobres, revelando claramente o conteúdo reacionário de sua teoria, cujo objetivo é mais do que evidente: assegurar que não faltassem recursos aos ricos, cujo estoque – por sua lógica de escassez - estaria comprometido se mais pessoas tivessem acesso à comida e ao uso de recursos naturais. É preciso ser mais claro?

As duas concepções são anticientíficas, não dialéticas, tanto por negarem a interdependência dos fenômenos quanto por exacerbarem a prevalência de um desses fenômenos em detrimento de outro. Os recursos são finitos, já advertia Marx na Introdução a dialética da natureza, pois "nada pode originar-se do nada" (Epicuro) e "tudo que nasce deve morrer" (Mefistófeles, Goethe); mas, igualmente, podem ser manejados de forma sustentável com base nos recursos científicos e tecnológicos.

Por essa razão, a concepção sustentabilista é a única que pode responder adequadamente ao desafio contemporâneo de produzir com sustentabilidade, na medida em que preconiza o equilíbrio e a harmonia entre os fenômenos e tanto tem presente o caráter finito dos recursos naturais quanto a possibilidade de seu manejo prolongado, sem a ideia de catástrofe eminente e nem tampouco a ilusão da profusão vitalícia de recursos naturais.

No caso particular do debate do novo código florestal há, ainda, uma forte dose de ignorância associada com má fé em relação, por exemplo, ao uso das várzeas amazônicas, cuja exuberância é razoavelmente conhecida. Nas várzeas não há floresta. Todo ano a agua sobe e inunda uma grande área; em seguida desce e deixe um solo rico em nutrientes naturais, excepcionalmente adequado para culturas de ciclo curto.

Esse ecossistema, popularizado a partir do mitológico rio Nilo, no Egito, é abundante na Amazônia. Apenas no Amazonas, segundo dados do Pro Várzea, há 25 milhões de hectares dessa terra de alta fertilidade onde, tradicionalmente, os nossos ribeirinhos desenvolvem sua atividade agrícola, geralmente baseada em pequenos roçados voltados para a produção de alimentos e o cultivo de culturas tradicionais como juta e malva, destinada a indústria de sacaria especial.

Seria a solução para a produção de alimentos com reduzido impacto ambiental? Sim e não. Estas terras estão situadas às margens dos rios e, portanto, são APP (área de preservação permanente), as quais estão vedadas a qualquer uso, especialmente o destinado a agricultura, tanto no velho quanto no novo código florestal. E como ficam os milhares de amazônidas que para não agredirem a floresta usam as várzeas?

A proibição de uso dessas áreas sugere que se avance sobre a floresta para desmatar e abrir grandes clareiras em terra firme, cujos solos são pobres e exige grande quantidade de adubos e fertilizantes para se aproximar da fertilidade natural dos solos de várzea. Isso restringiria a atividade agrícola na Amazônia apenas a grandes produtores. Não creio que seja essa a pretensão de nossos santuaristas.

Esse é um exemplo acabado de irracionalidade, que persistirá, enquanto a ideologia substituir o debate científico e tecnológico.


Vermelho

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