sábado, 19 de fevereiro de 2011

O lulismo “odeia a participação popular”.

Entrevista: professor Rudá Ricci, da PUC de Minas, ataca o lulismo – pela esquerda

por Rodrigo Vianna

O professor Rudá Ricci, da PUC-MG, dá uma entrevista polêmica na “Caros Amigos” que chega às bancas nesse fim-de-semana. Ele diz que o lulismo “odeia a participação popular”.

Há certamente uma dose de exagero na afirmação. Não concordo com muitas das críticas de Rudá. A frase entre aspas, no parágrafo acima, dá a impressão de um ataque raso. Mas quando se lê a entrevista completa, percebe-se uma crítica consistente ao lulismo, pela esquerda. Vale a pena conferir.

Não gostei muito – digo logo – da comparação que ele faz entre “lulismo” no Brasil e “fordismo” nos EUA. Ora, pelo pouco que sei, “fordismo” é um conceito para explicar um modelo de organização econômica (e fabril, principalmente). O lulismo é um fenômeno político. Sera mais consistente comparar o lulismo com o papel de Roosevelt, talvez. Mas, enfim…

Também acho um erro resumir o papel de Vargas nessa expressão: “modernização conservadora”. O segundo governo Vargas, nos anos 50, sofreu ataques violentos da direita brasileira (UDN) e dos EUA. Por que EUA e UDN atacariam um governo “conservador”? Lula, muito menos, parece-me vestir o figurino da modernização conservadora. Fez um governo moderado, social-democrata. O que é bem diferente.

De todo jeito, a entrevista é forte, corajosa e certamente vai suscitar muita polêmica. Gostaria de saber a opinião dos nossos leitores sobre a análise de Rudá. Acho que é um bom debate!

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por Tatiana Merlino, na “Caros Amigos”

Caros Amigos – O que é o lulismo e como ele se manifestou durante o governo Lula?

Rudá Ricci – O lulismo é um sistema de gerenciamento do Estado e de políticas públicas. Portanto, não é uma ideologia, não é um movimento. Ele moderniza economicamente, mas é conservador do ponto de vista político, o que a gente chama em ciência política de modernização conservadora. E ele se montou como nos EUA o fordismo se montou no século passado. Aliás, os dados de ascensão social no Brasil são muito parecidos com os dados da ascensão social dos Estados Unidos desse período.

Eu acho que é um fordismo tupiniquim, com um Estado muito forte e centralizador. 65% do orçamento público está concentrado na execução da União. Os municípios brasileiros dependem, em sua maioria, de convênios estabelecidos com ministérios. Ele usou como mecanismo de suporte social e desenvolvimento os recursos do BNDES, o PAC e as obras públicas e, com isso, conquistou o grande empresariado nacional. Todos os grandes conglomerados têm financiamento com o BNDES. E, na outra ponta, há, principalmente no aumento real do salário mínimo, a grande política de ascensão social no Brasil.

Depois dela, vem o crédito consignado e, depois, o Bolsa-Família, que tirou da pobreza mas não gerou uma grande ascensão social, principalmente para os pobres se tornarem classe média, classe C. E aí vem a base do lulismo. E aí tem o suporte político. De um lado, a coalizão presidencialista, que é algo inédito no Brasil. O Getúlio Vargas até tentou montar algo, mas o Estado Novo acabou destruindo o que ele tentava forjar. Nós não tivemos na história republicana nenhuma situação parecida com a atual. O Brasil desmontou o sistema partidário, criou uma coalizão de tipo parlamentarista e jogou a política do Brasil entre governistas e não governistas, mas não é qualquer governismo, é lulista ou não lulista. E os partidos de oposição estão completamente em frangalhos, tanto PSTU quanto Psol de um lado, que não conseguem em somar com todos os partidos de esquerda 1% da intenção de voto nacional, e de outro, direita, o PSDB e o DEM; o primeiro num de mus momentos de maior tensão interna, a ponto e muitas lideranças falarem em refundação, e o segundo praticamente destruído com a saída do Gilberto Kassab. A última ponta é a do financiamento pelo Estado das organizações populares no país, principalmente as centrais sindicais.

Caros Amigos – O senhor afirma que o Lula finalizou a modernização conservadora iniciada pelo Getúlio Vargas. Como isso aconteceu?

RR – O conceito de modernização conservadora é da sociologia e foi elaborado por um autor chamado Barrington Moore. Atualizando isso para o caso brasileiro, significa que se faz uma modernização econômica sem mudar de maneira alguma a estrutura de poder, ela é conservadora nesse sentido do poder. O Lula articulou todas as lideranças clientelistas do Brasil, assim como Getúlio fez isso. A impressão que se dava do Getúlio era que ele estava atacando toda a base clientelista, dos coronéis, mas muitos deles foram recriados através do getulismo. O Lula recriou a mesma estrutura de poder.

A marca do getulismo e do lulismo é a conciliação de interesses e não o enfrentamento. Um exemplo é que se tem o Ministério da Agricultura de um lado, tem o do Desenvolvimento Agrário do outro. Isso não é por acaso. Se o Getúlio criou a base da industrialização do país com um Estado organizado a partir de uma estratégia desenvolvimentista e gerou a urbanização acelerada do país, o Lula deu o passo final, que é a emergência de um mercado consumidor de massa, da organização do investimento dos empresários através do PAC.

CA - O lulismo é um neogetulismo?

RR - É um neogetulismo sem o autoritarismo do Getúlio. É uma espécie de síntese didática. O lulismo completa o getulismo. Por isso que o Lula é o líder da classe C. Ele é a expressão do sucesso dos pobres. E ele soube usar isso.

CA - Na sua perspectiva, o governo Dilma será mais conservador que o Lula?

RR – Na política, sim, não sei na economia. Até agora a Dilma está sendo a expressão da história dela, uma pessoa que veio da Polop, que era, nos anos de chumbo, talvez a organização mais intelectualizada. Depois, ela vai para organizações de luta armada que tinham alta centralização e disciplina política, e depois ela foi para o PDT. Ela junta essas coisas. A Dilma não é uma pessoa da rua, ela é muito técnica, não tem a história e o discurso do PT. Isso está muito evidente, ela tem objetivos, é muito centralizadora, adota mecanismos de gestão que vem do alto empresariado brasileiro, e isso é uma ruptura com o lulismo. E eu não acho que o Lula está achando isso ruim, pois ele volta com tudo depois.

CA – Qual é o seu balanço do governo Lula? O que houve de positivo e negativo?

RR – O grande mérito do governo Lula é que ele fez o país se reencontrar consigo mesmo. A ideia de que o gigante estava adormecido… não está mais. O Brasil é uma potência, está cada vez mais evidente para todo mundo. Já somos o segundo da América, somos mais ricos que o Canadá e o México.

O Lula conseguiu criar uma política de estabilidade, que está assentada numa forte profissionalização da ação do Estado na economia. Houve um aumento da capacidade e a confiança nos agentes econômicos, como o Banco Central, o Ministério da Fazenda, do Planejamento, eles sabem operar com as técnicas de mercado e controlam mesmo a economia. Com todos os ataques aos BNDES, ele foi um fomento ao desenvolvimento. A segunda grande vantagem do governo Lula foi articular uma intenção social de inclusão de massa com desenvolvimento, algo que a gente não via há muito tempo no Brasil.

Talvez a última vez que a gente ouviu isso foi antes do golpe de 1964. Efetivamente, quem juntou as duas coisas foram João Goulart e Lula. E, finalmente, a política externa. A política entrou como centro da diplomacia brasileira para valer, e não como habilidade para fazer negócio. Pela primeira vez, a política não foi só para abrir mercado, mas para inserir o país como potência. Acho que o Brasil disputou a América inteira e ganhou.

Com o Irã foi uma vitória, a história da negociação Brasil, Turquia e Irã foi uma “vitória de Pirro” ao contrário. Ou seja, parecia uma derrota de Pirro, a comunidade e o G7 ficaram muito irritados, mas o Brasil entrou na história agora, sabe negociar.

E é um país da América Latina que entrou no Oriente Médio. Eu acho que são três campos muito importantes, que mudaram completamente o país. O que foi ruim? É que parece que para se governar esse país não se pode ser de esquerda. Na gestão participativa de controle social, nós demos um passo atrás. Começamos o governo Lula discutindo o plano plurianual, e nunca mais voltou. O governo Lula deliberadamente rachou o movimento social nas conferências que são cantadas em prosa e versos. Só duas das 60 ou 70 que foram feitas viraram lei.

Obs. – Reproduzi acima pequenos trechos da entrevista, que ocupa três páginas na nova edição da revista. Vale a pena conferir, nas bancas. Também há uma ótima entrevista com Tom Zé, além de artigos sobre Cuba, Egito… Enfim, muita coisa boa.

O Escrevinhador

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