terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Judiciário em revolta


Dalmo de Abreu Dallari

Neste momento está ocorrendo uma intensa mobilização de magistrados no Brasil e na França, para protestar contra o tratamento injusto de que são vítimas e para apresentar reivindicações. É importante registrar que, embora os respectivos sistemas judiciários apresentem muitas diferenças, em ambos os casos a revolta é motivada pela destinação de recursos insuficientes e por falhas na organização do sistema judiciário e na legislação processual. Essas deficiências acarretam efeitos negativos, que são frequentemente considerados culpa de seus integrantes, omitindo-se o fato de que a responsabilidade por essas falhas deve ser atribuída, sobretudo, ao Legislativo e ao Executivo.

Para ilustração do que vem ocorrendo no Brasil, basta assinalar que acaba de ser julgada procedente, em última instância, uma ação movida contra vereadores do município de São Paulo, por uso indevido de recursos públicos. A ação teve início há 17 anos e somente agora o Judiciário proferiu a decisão final, com a condenação dos beneficiários da irregularidade à devolução das quantias recebidas.

Outro fato merecedor de atenção, ligado ao Judiciário e a suas deficiências, é a notícia de que juízes federais pretendem iniciar uma greve para denunciar a grave deficiência de meios para o bom desempenho de suas funções, havendo grande número de vagas não preenchidas, além do bloqueio imposto pelo Executivo com a colaboração do Legislativo, para a criação de mais cargos, o que é absolutamente necessário, em consequência do aumento considerável do trabalho. Esse problema foi agravado com a lei demagogicamente denominada «de responsabilidade fiscal», reduzindo o orçamento público à custa da sonegação de recursos para a prestação de serviços públicos essenciais, como as atividades judiciárias. Ficam no orçamento os recursos destinados à clientela eleitoral dos parlamentares, e sofre tremenda redução a proposta orçamentária do Judiciário.

Na França vem ocorrendo agora um fato inédito, que é a mobilização do Judiciário, em âmbito nacional, para denunciar o menosprezo do Executivo com relação às necessidades básicas decorrentes do volume de trabalho dos órgãos judiciários. O fato que desencadeou a reação indignada dos juízes foi o assassinato de uma jovem, sendo suspeito da autoria um jovem que tem antecedentes criminais e estava numa situação que corresponde à liberdade vigiada. Procurando eximir-se de responsabilidade, em vista da grande comoção popular decorrente desse crime, o presidente da República afirmou, num pronunciamento público, que o crime ocorreu por culpa dos juízes, que não exerceram a vigilância do suposto assassino, e investiu violentamente contra eles, acusando-os de negligência. Foi iniciado, então, um procedimento administrativo para a punição de três juízas de Nantes, que seriam as negligentes. Isso provocou a reação de toda a magistratura francesa. Falou-se, no início, da hipótese de uma greve simbólica, de um dia, mas o que se decidiu, afinal, foi a realização de uma grande manifestação e o início de uma campanha de âmbito nacional, denunciando a falta de recursos e exigindo que se dê ao Judiciário a atenção e o apoio necessários para que ele possa desempenhar bem suas relevantes atribuições.

Por sua extraordinária importância, para todas as pessoas, para os grupos sociais e para a sociedade como um todo, a prestação jurisdicional deve ser reconhecida e tratada como um serviço público essencial. É necessário e urgente dar-se prioridade ao atendimento das necessidades do Judiciário, tanto em termos de destinação de recursos materiais quanto no que diz respeito ao aperfeiçoamento da legislação processual. O Judiciário deve procurar sensibilizar a população em geral e, de modo especial, os que podem influir para que sejam tomadas as medidas necessárias para o aperfeiçoamento da organização e dos procedimentos, destinando-se ao Judiciário os recursos orçamentários suficientes para atendimento de suas necessidades. O apoio da imprensa, das organizações sociais e de todas as pessoas desejosas do respeito aos direitos e da solução pacífica dos conflitos é fundamental. Evidentemente, por se tratar de serviço público de natureza essencial, não deve ser cogitada a hipótese de uma greve dos juízes, que seria tremendamente prejudicial a toda a sociedade.

O povo mobilizado conseguiu a redemocratização do Brasil, pondo fim à ditadura implantada em 1964. E certamente conseguirá fazer vigorar no Brasil as disposições constitucionais que definem o Poder Judiciário como independente, verdadeiramente independente e igual ao Legislativo e ao Judiciário.


Jornal do Brasil

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