quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Walter Benjamin: o marxismo da melancolia


Antônio Cândido 

 
Este livro de Leandro Konder é a introdução ideal ao conhecimento de um dos intelectuais mais atraentes da primeira metade do século [passado]. Claro e preciso, sem vislumbre de pretensão, ele vai desdobrando, conforme um plano bem traçado, os diferentes níveis que é preciso levar em conta: o quadro social, a formação, as relações decisivas, a aquisição das ideias, os escritos, a força do destino que desfecha em tragédia. Graças a isso, podemos encontrar um Walter Benjamin expressivo em sua delicada complexidade, tornado acessível mas nunca simplificado.


A visão resultante pode ser chamada de simpática em sentido profundo, porque resulta de certa harmonia entre o pensamento estudado e a posição de Leandro Konder, interessado em abordar o marxismo como filosofia em movimento, capaz de iluminar objetivamente a compreensão da sociedade e a partir daí orientar os rumos da política, evitando a tendência perigosa de transformá-lo em dogma. O exemplo do livre Benjamin mostra que isso além de possível é correto. Só deste modo são evitadas as distorções que podem levar, por exemplo, a transformar o político em repetidor de palavras de ordem, ou encarar a arte e a literatura como instrumentos de tarefas pragmáticas.

A inquietude de Benjamin e a sua capacidade de compreender e questionar, inclusive focalizando as coisas pelo aspecto inesperado, fazem dele um estímulo para renovar posições, não petrificá-las. Isso, sem prejuízo, como foi o seu caso, da firmeza necessária nas convicções, que o mantiveram ao lado das tendências que podem ser chamadas, para simplificar, do progresso social. A sua figura de pensador firme e sutil, aberto e determinado, engenhoso e reto, se desprende com limpidez das páginas deste livro.

Uma das qualidades de Leandro Konder é a fluência com que circula entre a vida, a obra e o tempo, esclarecendo progressivamente o perfil de Walter Benjamin através das ideias, e mostrando a força atuante destas pela referência à personalidade. De maneira discreta e segura ele vai iluminando essas correlações e fazendo sentir todo o patético de uma existência difícil, pautada pela retidão intelectual e o esforço de harmonizar as convecções com o senso da qualidade, em arte e literatura. É empresa árdua para quem como Leandro Konder, quer preservar o respeito por uma filosofia exigente como o marxismo sem rejeitar o senso dos matizes, indispensável quando se quer focalizar a riqueza da experiência estética e os meandros do pensamento. Igualmente difícil é pensar a revolução social (que absorve e quase sidera os seus partidários) preservando certa disponibilidade sem a qual o mundo do espírito arrisca deslizar para as receitas. Esses dilemas devem ter agitado a mente e a sensibilidade de Walter Benjamin, dando-lhes uma variada riqueza que refuga os esquemas, e Leandro Konder soube, simpaticamente, sugerir tão bem.

Antônio Cândido de Mello e Souza (Rio de Janeiro, 24 de julho de 1918), sociólogo, literato e professor universitário, é um estudioso da literatura que possui uma extensa obra crítica respeitada nas principais universidades do país. À atividade de crítico literário soma-se a atividade acadêmica, como professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É professor-emérito da USP e da UNESP, e doutor honoris causa da Unicamp.

Lauro Campos.org


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