terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Para reconstruir a responsabilidade fiscal


Marcos Lisboa e Ana Paula Vescovi

Nos últimos anos, assistiu-se à expansão acelerada das despesas correntes nos estados, em geral na folha de pagamentos, sem a contrapartida de melhora dos serviços públicos.

Diversas regras implicam o aumento dos gastos públicos nos momentos de crescimento da economia, sem instrumentos para ajuste nos períodos de queda das receitas. Na atual crise fiscal, quase a totalidade dos gastos estaduais é obrigatória ou vinculada por lei, e com regras que ainda resultam na sua expansão.


O gasto público tem crescido acima da receita, sobretudo pelas regras da previdência que permitem aposentadorias precoces. Esse crescimento foi agravado com: (i) a correção automática do piso nacional do magistério; (ii) a equiparação de carreiras do Executivo às do Judiciário; (iii) os gastos vinculados crescentes na saúde, simultâneos à redução da participação do governo federal no seu financiamento; (iv) a incorporação obrigatória de servidores terceirizados no quadro permanente; e (v) os aumentos dos salários nas carreiras da segurança.

Outras medidas vieram como incentivo ao endividamento: (i) a criação de linhas de crédito especiais para estados no BNDES, para fazer frente aos projetos do PAC; (ii) o relaxamento do cálculo do comprometimento das receitas com encargos da dívida; (iii) a exclusão dos financiamentos ao PAC e à Copa do Mundo do cálculo dos limites de endividamento da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

A revisão dos Programas de Ajuste Fiscal (PAF) expandiu o limite para o endividamento dos governos estaduais. E portaria do Ministério da Fazenda (306/2012) refez o critério de risco para concessão de avais da União, substituindo o limite previsto dos recursos esperados (primário estimado dez anos à frente) pelo critério do retrovisor (média de oito indicadores nos três anos anteriores) e, ainda assim, editou em escala inédita a aprovação de avais mediante decisão discricionária do Ministro. Por fim, aprovou-se no Congresso a mudança dos indexadores das dívidas estaduais com a União, com retroatividade, o que tem severo impacto distributivo, por beneficiar justamente os estados mais endividados.

O desequilíbrio das contas públicas foi agravado pelos incentivos fiscais concedidos a empresas selecionadas, que reduziram a arrecadação. Ao invés de enfrentar o grave desequilíbrio das contas públicas, o governo optou por ajustar os critérios, o que altera a denominação dos problemas, mas não os fatos.

O resultado é o grave desequilíbrio das contas públicas.

A criatividade destrutiva dos últimos anos exige árduo caminho para a reconstrução da responsabilidade fiscal. Além de instrumentos para o ajuste fiscal, essa agenda inclui compromissos: (i) contabilização uniforme e integral dos gastos com pessoal, dívida e operações de crédito; (ii) despesas correntes crescendo até o limite da variação das receitas correntes (sendo excluídas do cálculo as receitas transitórias, como as rendas petrolíferas), com cálculo suavizado pelos ciclos econômicos; (iii) gastos tributários e desonerações apresentados, com transparência, na demonstração anual de resultados; (iv) cada instância do setor público assegurando poupança necessária para pagar encargos da dívida e realizar investimentos sem a dependência crescente do endividamento; (v) equilíbrio atuarial das previdências públicas.

Esses compromissos deveriam ser normatizados pelo Conselho de Gestão Fiscal, previsto pela LRF. A desorganização das contas públicas apenas beneficia os grupos de interesse e o corporativismo, prejudicando a eficiência e as políticas universais, como saúde e educação. O aumento do endividamento ameaça a solvência dos Estados. A retomada do crescimento econômico requer o resgate da responsabilidade fiscal.

Ana Paula Vescovi é secretária da Fazenda do Espírito Santo.

Marcos Lisboa é presidente do Insper, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia. Atuou como professor assistente no Departamento de Economia da Universidade de Stanford e da EPGE/FGV. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e presidente do Instituto de Resseguros do Brasil. Diretor executivo do Itaú-Unibanco, entre 2006 e 2009, e vice-presidente até 2013.

NEXO.


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