domingo, 24 de novembro de 2013

Jack London e os humildes: O Povo do Abismo

Miséria desde o berço do Capitalismo

Jack London e os humildes

'O povo do abismo - Fome e miséria no coração do império britânico: uma reportagem do início do século',  Jack London, da Fundação Perseu Abramo.

Renato Pompeu

Neste livro de 1903, o famoso escritor Jack London (1876-1916), célebre autor dos romances “Caninos Brancos” e “O tacão de ferro”, descreve os meses de 1902 em que viveu, em cortiços, dormindo em galpões ou na rua, nas mesmas condições dos pobres mais miseráveis da Londres de então, calculados em cerca de 500 mil destituídos na cidade mais rica do mundo daquela época.

Assim ele descreve as pessoas com quem conviveu como uma delas: “Os rejeitados e os inúteis! Os miseráveis, os humilhados, os esquecidos, todos morrendo no matadouro social. Os frutos da prostituição – prostituição de homens, mulheres e crianças, de carne e osso, e fulgor e espírito; enfim, os frutos da prostituição do trabalho. Se isso é o melhor que a civilização pode fazer pelos humanos, então nos deem a selvageria nua e crua. Bem melhor ser um povo das vastidões e do deserto, das tocas e cavernas, do que ser um povo da máquina e do Abismo”. Cumpre notar que, naquele tempo, em Londres, Abismo era o nome dado à região do East End, setor da cidade em que vivia a metade mais pobre de sua população.

Outro trecho: “Não vou lhe dizer o endereço de Johnny Upright (o nome se traduz por Joãozinho Correto). Basta dizer que ele mora na rua mais respeitável do East End – uma rua que, na América, seria considerada muito miserável, mas que no deserto do leste de Londres é um verdadeiro oásis. Cercada de todos os lados pela imundície e por vielas apinhadas por uma geração de gente jovem, desprezível e suja, suas calçadas estão relativamente desimpedidas de crianças que não têm outro lugar para brincar, o que contribui para o ar de abandono, tão poucas são as pessoas que circulam por ali.”

Mais um texto, sobre um casal maltrapilho de sem-teto que, em meio à multidão de bem-nascidos que comemorava a coroação do novo rei, tentava dormir a um banco, mas que escorregavam e caíam de cara no chão, ferindo-se e tentando voltar a dormir: “O mais surpreendente é que a crueldade era geral. Uma coisa óbvia: os sem-teto eram gente pobre, miserável e inofensiva e, portanto, podiam ser provocados à vontade. Cinquenta mil pessoas devem ter passado por ali enquanto eu observava e nenhuma pessoa, numa ocasião tão alegre quanto a coroação do rei, sentiu vibrar as cordas do coração nem teve a coragem de ir lá e dizer: ‘Tome aqui esta moeda; arrume uma cama para dormir’. As mulheres, principalmente as mais jovens, faziam comentários jocosos sobre a mulher que cabeceava de sono e invariavelmente arrancavam risadas”.

Quando escreveu este livro, London já era consagrado por sua coletânea “O filho do lobo”, histórias inspiradas por sua estada no Alasca durante a corrida ao ouro, lançada em 1900. Embora então já dotado de posses, já tinha larga experiência com os humildes. Na verdade, nasceu pobre: sua mãe, grávida dele, tentou suicidar-se porque o pai queria o aborto; salva, entregou o bebê a uma mãe preta, uma ex-escrava. Antes da maioridade, London foi entregador de jornais, pescador de pérolas e coletor clandestino de ostras, operário de fábrica, marujo. Essa experiência de vida lhe proporcionou sensibilidade para sentir na pele as desgraças do povo miúdo de Londres, tão semelhantes às que ocorrem ainda hoje no Brasil, na Índia... e na Grécia da União Europeia.

Carta Maior

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