sábado, 9 de novembro de 2013

O Setor da Construção no Banco dos Réus


Uma cidade sob suspeita. E o setor da construção no banco dos réus

As denúncias desta semana sobre corrupção nas aprovações de grandes obras na gestão Kassab colocaram todo e qualquer empreendimento de grande porte na cidade, recém construído ou em obras, sob suspeita. Junto com eles, afunda-se em um limbo suspeitoso todo o mercado imobiliário (para o desespero dos empresários honestos do setor que, sim existem), já que não há corrupção sem corruptores.

João Sette Whitaker

A corrupção nas aprovações de imóveis em São Paulo é endêmica, existe há décadas, e começa nas fiscalizações de pequenas obras nos bairros. O famoso Aref, diretor geral de aprovações na gestão Kassab e peça central do esquema de corrupção naquela gestão, aliás, começou como fiscal em Pinheiros. Mesmo gestões sabidamente honestas tiveram dificuldades para enfrentar uma máquina cuja teia se capilarizava - para o desespero dos servidores honestos - por toda a máquina pública. Conheço gente que teve que vender seu imóvel ainda em obras por ter ousado montar um flagrante contra os corruptos. Nunca mais teve paz para acabar sua obra,

Agora, é fato que, dependendo da gestão, o nível de corrupção é mais ou menos intenso. Os escândalos que vieram à tona esta semana, em investigação do Ministério Público com participação da Prefeitura - registre-se portanto que esta gestão faz parte das que querem erradicar o problema -, mostram que a gestão Kassab era daquelas que deixaram a coisa se generalizar. A tal ponto que, a cada nova denúncia, parece ficar mais difícil o ex-prefeito alegar que de nada sabia. Aref era do segundo escalão, e agora, prenderam seu ex-secretário, de primeiro escalão. Se nada sabia, o prefeito então está dando provas de que não controlava seu próprio governo, o que não é muito melhor. A ele resta o argumento de que se tratava, de fato, de uma máfia. Sabe-se, vendo o exemplo da Itália, o quanto é difícil expurgar essas redes, que sobrevivem aos políticos de plantão, da máquina pública.

As denúncias desta semana permitem montar um quebra-cabeças que vai mostrando um gigantesco sistema de corrupção na cidade, girando com mais afinco em torno das aprovações de grandes obras.

A primeira peça veio já na reeleição de Kassab, quando se soube, e se comprovou, que a sua campanha e a de praticamente toda a base governista da Câmara Municipal - assim como de boa parte da oposição - havia recebido diretamente financiamento de uma associação-fachada do mercado imobiliário. (leia aqui para relembrar). A justiça, aliás, chegou a cassar o mandato do prefeito e dos vereadores (que obtiveram entretanto um efeito suspensivo até o fim da ação).

A segunda peça foi o caso Aref que, aliás, gerou consequências muito inferiores ao tamanho do escândalo. Para relembrar: na maior cidade da América do Sul e uma das maiores do mundo (imaginem então o quanto representa em volume de negócios imobiliários), as aprovações de edifícios e de obras de grande porte passavam pelo crivo direto do diretor geral de aprovações, que, como se comprovou, recebia propinas para aprová-las. Sei de arquitetos que foram à prefeitura para discutir seus projetos e receberam o recado de nem adiantava conversar, que ali só seria recebido o empreendedor, para reunião direta com o diretor. Foi pego com mais de uma centena de imóveis em seu nome e milhões no banco. Foi exonerado, mas o caso parou ai. Não gerou o pente-fino que qualquer governante deveria fazer em um caso desses, o que aumenta a suspeição sobre o então prefeito Kassab. Em sua defesa, pode argumentar, entretanto, que mesmo sabendo de alguma coisa não tinha forças para enfrentar a máquina criminosa instalada em sua prefeitura, sob risco de sua vida, o que também não é de todo impossível.

O fato é que o esquema, na época, matou os pequenos construtores, permitindo a sobrevida apenas de quem tivesse cacife para pagar. Lembrem-se das declarações corajosas à imprensa de uma diretora da incorporadora Brookfield - que neste novo escândalo novamente declara ter pago 4 milhões de propina (clique aqui) - que disse ter pago altas somas para liberação de um shopping-center (clique aqui para relembrar). Eu mesmo ouvi declarações dos diretores de aprovação da época, na imprensa, que a "demora" nas aprovações era normal, e que quem não quisesse esperar para começar a construir tinha direito, após 30 dias sem resposta da prefeitura, a começar a obra. O recado era claro: para começar uma obra sem a aprovação, da qual dependem por exemplo os financiamentos bancários, só quem tem cacife para isso. Uma vez começada, imagina-se o processo de negociação intensa para a aprovação. Os pequenos construtores, sem fundos para encarar o jogo imposto pela turma do Aref (ou pela prefeitura?), ficaram paralisados.

Agora, vem à tona a terceira peça (à espera da quarta, da quinta, porque pelo jeito a coisa é grande). O ex-Secretário de Finanças de Kassab, também diretor geral de arrecadação da prefeitura naquela gestão, foi preso com outros três servidores por um esquema - aparentemente complementar ao do Aref - ligado às aprovações de grandes empreendimentos.

A coisa funcionava assim: uma vez a obra pronta, era necessário pagar o ISS Municipal para conseguir o "Habite-se", que é o alvará final para utilização do imóvel. As empresas do setor imobiliário pagavam um valor menor diretamente a esses sujeitos, que liberavam a o comprovante de quitação e o alvará. Simples e eficaz, os servidores puderam comprar lanchas e carros milionários, além de inúmeros imóveis.

A questão que se coloca agora, ainda mais com as declarações feitas pela Brookfield, e que parece ser o novo foco da investigação do Ministério Público, é o de responsabilizar as empresas que participaram do esquema. Pois, como disse, nada disso funcionaria se não existisse quem pagasse. O problema é ver se restará alguém, dentre os atores de grande porte, já que aparentemente essa era a regra do jogo, e que eu saiba nas gestões Kassab a atividade imobiliária não congelou mas, ao contrário explodiu. Sinal, portanto, que não eram poucos os que aceitaram a jogatina e...pagaram. Sei que o telefone do Aref circulava facilmente entre empreendedores. Estes terão sempre o argumento de quem, sem isso, iam à falência, e a cidade pararia. Ou seja, reinava em São Paulo, como regra geral, a ideia de que os fins justificam os meios. Triste cidade.

O que mais espanta é que nada disso parece ter sequer alterado o ritmo alucinante com que se constroem novos empreendimentos de grande porte na cidade, sem que se tenha qualquer informações sobre o controle efetivo da prefeitura sobre eles. Todos lembram do Shopping JK que chegou a ser interditado antes da abertura por conta de exigências de trânsito não cumpridas. Até onde sei, o Shopping Matarazzo funcionou (ainda funciona?) por um bom tempo à base de multas, sem ter alvará. A Brookfield agora anuncia que pagou mais de 4 milhões para os Shoppings Higienópolis e Paulista. E, ainda assim, anuncia-se mais um na Paulista, novos condomínios com dezenas de torres em vários cantos da cidade. Alguns alegam que estão fazendo obras fora das normas obtiveram a aprovação antes da "nova lei", que data de 2004!! Esperaram dez anos para começar a construir? Será?

Sou da opinião que estão todos sob suspeita. E que a prefeitura deveria, a título preventivo, paralisar temporariamente todas as grandes obras, para auditoria. Acho que o Prefeito Haddad ainda não se deu conta da impopularidade generalizada, na cidade, do setor imobiliário. São vistos como vilões, e tudo indica que não seja sem razão. Uma "operações mãos limpas" viria em boa hora, para dar minimamente ordem à coisa. Uma cidade como São Paulo não pode funcionar como um vilarejo do velho oeste, em que ganha quem atira mais rápido. Em tempos em que se negocia na Câmara o novo Plano Diretor, e com ele as regras que nortearão o mercado imobiliário (que, diga-se, vem sendo bem presenteado na proposta, com o adensamento dos corredores de ônibus), a medida seria ainda mais prudente.

Quem me lê achará que o dito "mercado imobiliário" deve ficar raivoso com uma proposta assim. A verdade é que não. Se parte dele, a que aceitava os esquemas, certamente ficará, há um enorme contingente de empreendedores e profissionais da construção - conheço alguns muito bem intencionados - que ficariam muito felizes com isso, porque querem trabalhar à luz da lei e da transparência, sabendo que esse é o único caminho para sua própria sobrevivência.

Controvérsia

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