terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sofrimentos e avanços de gênero... masculino



Marcela Valente

Compelidos pelo desenvolvimento da mulher, cada vez mais homens latino-americanos se comprometem com a criação dos filhos.


Quando masculinidade é compartilhar.


Ainda é difícil assumirem um papel mais equitativo nas tarefas domésticas e também ainda carregam a exigência de serem os principais provedores econômicos.

“Existe um modelo hegemônico que exige do homem que tenha sucesso econômico, seja forte, ostente inteligência racional, tenha poder e seja heterossexual”, disse à IPS o argentino Hugo Huberman, psicólogo social e coordenador de paineis sobre masculinidade em diferentes países da América Latina.

Este estereótipo muito arraigado “é um fator de risco para a saúde física e mental dos homens porque implica sedentarismo e uma couraça que esconde seus sentimentos”, ressaltou. Porém, no momento não existe um movimento de homens decididos a mudar, como houve em seu momento um das mulheres.

“Continua a ser dito que o homem que chora é maricas e que ser homem é ser forte”, recordou o psicólogo. Essa imposição, ainda vigente, se traduz em menor expectativa de vida para eles. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, na região o homem vive, em média, cinco anos menos do que as mulheres.

“Espera-se que eles sejam mais arriscados e então dirigem bêbados, assumem trabalhos de maior exposição como subir em um andaime sem capacete”, acrescentou Hugo. Por essas condutas, muitos sofrem acidentes, infartos, depressões e disfunções sexuais, identificadas pelo psicólogo como “custos do modelo hegemônico”.

Um estudo feito por pesquisadores do Boston College, divulgado este ano, revela que, em muitos lares de classe média dos Estados Unidos, acontece uma “revolução silenciosa” de homens lutando por maior espaço dentro de casa, onde a mulher está há algum tempo inserida no âmbito trabalhista.

Assim como nos últimos 30 anos elas ganharam esse espaço fora de casa, eles vão em busca de trabalhos com horários mais flexíveis e estão se envolvendo mais com a criação dos filhos e as tarefas domésticas, revela o trabalho intitulado “O novo pai”, da universidade norte-americana.

Mesmo assim, o papel de ser quem ganha o pão não desaparece. Continua sendo parte da nova identidade dos homens dentro da família. O modelo é similar ao observado nos setores de classe média de países latino-americanos, segundo um estudo divulgado na Argentina em julho.

A pesquisa regional “Pais de hoje, homens de ontem?” confirmou que, embora exista uma maior integração deles nas tarefas da casa e na criação, um novo modelo ainda está muito longe.

“São pequenas mudanças, não silenciosas, porque se vê muitos homens nas praças ou nas escolas, mas não uma revolução”, disse à IPS a socióloga Liliana Findling, do Instituto de Pesquisas Gino Germani, co-autora do trabalho junto com uma equipe de pesquisadoras.

O estudo, baseado em 20 entrevistas com pais entre 30 e 40 anos de setores médios de Buenos Aires, conclui que os homens dão hoje em dia grande importância à paternidade, mas que persistem iniquidades no lar. Eles se envolvem menos do que elas no âmbito doméstico e continua carregando o peso de serem os provedores.

Em geral, disse Liliana, os novos pais “gozam da paternidade” e “ajudam” nas tarefas domésticas, mas elas continuam carregando maior responsabilidade em relação à criança e aos trabalhos de limpeza.

“Sinto que faço um monte de coisas e ela sente que o que faço não é suficiente, seguramente não, mas creio que para um homem é bastante”, disse à pesquisa Álvaro, de 33 anos, casado com uma mulher que trabalha e dois filhos.

Martín Marotta adiou a decisão de formar um casal estável até que se uniu a uma mulher profissional, ambos com carreira garantida. Agora, com 40 anos, têm dois filhos, de dois anos e uma recém-nascida.

Este designer gráfico contou à IPS que durante sua primeira juventude aproveitou para viajar e se divertir, depois concentrou-se em seu desenvolvimento profissional e agora se dedica a trocar fraldas e coisas que tais.

“Com a Internet posso trabalhar à distância, sem restrições de horário nem de dias fixos de trabalho, e isso me permite ficar muito tempo em casa, levar ou buscar meu filho na escola, almoçar com ele”, disse, referindo-se ao mais velho.

No entanto, segundo a pesquisa de Liliana, nenhum escapa totalmente da tradicional responsabilidade de ser o sustento econômico, derivada do modelo hegemônico, mesmo quando as mulheres trabalham fora e têm bons salários.

“O papel do pai provedor apresenta-se como uma categoria central no discurso dos entrevistados. Este mandato cultural, profundamente arraigado, aparece como uma exigência inadiável entre alguns homens entrevistados”, diz o estudo.

Em conversa informal com a IPS, uma mulher de 42 anos, que acaba de regressar ao mundo profissional após ter se dedicado exclusivamente ao lar e a ser mãe, queixava-se porque o marido queria que o dinheiro que ela começou a ganhar contribuísse para o aluguel.

“Agora que tenho dinheiro quero comprar coisas para mim, para a casa, ou dar presentes às crianças, não quero usá-lo para pagar aluguel, se o dele não é suficiente que trabalhe mais”, protestava, apesar de contente por seu marido agora colaborar mais com a limpeza e as refeições. Para Hugo, isto mostra que as mudanças para uma maior igualdade de gênero ainda não são profundas. “Embora os homens se envolvam mais, não o fazem por um desejo de mudança, mas por imposição da convivência”, destacou.

“Aconteceu uma mudança em relação à figura autoritária e distante do pai de outras épocas, e muito mais homens que trocam fraldas, mas creio que é por não terem alternativa, senão se acomodar às mudanças obtidas pela mulher”, alertou o psicólogo.

Nesse cenário geral, disse Hugo, existem “pequenos núcleos”, onde se procura romper o estereótipo, mas no momento são apenas quebras do modelo hegemônico e não um desejo genuíno de mudança como o que as mulheres promoveram há décadas. Envolverde/IPS (FIN/2010)

Tierramerica

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