sábado, 7 de agosto de 2010

Sistema penitenciário: Punir x Humanizar



Everaldo Jesus de Carvalho - Lauro de Freitas(BA)

Considerações sobre o embate entre campos opostos

Dentre os assuntos elencados no cardápio de discussão nacional a segurança pública tem sido o prato predileto, e, de sobremesa, temos, para nosso deleite, a questão penitenciária dentro da seguinte polêmica:

I – O Presídio por conta dos aspectos da pena relacionados à reintegração social, deve se manter na esfera de Direitos Humanos?
II – Os Presídios, no sentido de preservar o caráter punitivo da pena privativa de liberdade deverá compor, formalmente, a estrutura da Segurança Pública?

Onde está o desacordo? Para o filósofo Heráclito, não há nada de errado nos embates, segundo ele “Os homens não sabem como o que está em desacordo concorda consigo mesmo. É uma afinação de tensões opostas, como as do arco e da lira”, assim, diríamos, que das tensões entre arco e flecha e madeira e corda serão produzidas a estabilidade (necessária para lançar a flecha) e a boa música, respectivamente.

Eis que, para Heráclito a luta é o motivo principal que mantém vivo o mundo. O mundo real está relacionado a disputas entre tendências opostas. Traduzindo isto para a esfera da Execução da Pena teremos os órgãos de Assuntos Penais, responsáveis pela administração dos presídios, no meio de uma polêmica que a coloca tensionada entre campos divergentes: De um lado os organismos que militam em prol dos direitos humanos e, de outro, os que vêem os presídios como sustentáculo da estabilidade da “boa ordem pública”.

Passaremos, pois, em linhas gerais, a traçar os elementos conceituais que norteiam a execução da pena sem abdicar de dar vazão a polêmica, senão para desmistificá-la, ao menos colocar cada pingo em seu respectivo i.

Do ponto de vista abstrato todos os cidadãos de uma dada sociedade assinaram um “contrato social”, espécie de estatuto que baliza a conduta dos indivíduos na sociedade. Neste caso em questão, a Constituição Federal, as Constituições Estaduais, o Código Penal e a Lei de Execução Penal constituem os ordenamentos jurídicos, que cumprem, em maior ou menor grau, o papel de balizamento da boa ordem pública. Por exemplo, o Código Penal é o estatuto jurídico legítimo que trata daquilo que é entendido como transgressão penal, bem como das penalidades cabíveis para o transgressor.

Isto posto, ao cometer um crime, ou violar determinados artigos do código penal, o indivíduo será enquadrado como nocivo à “boa ordem social”. Isto significa dizer que, após os devidos encaminhamentos burocráticos/ administrativo-policial, o transgressor será encaminhado a uma Unidade Prisional para aguardar condenação ou efetivamente sofrer a execução da pena privativa de liberdade. Vê-se, portanto que os presídios são efetivamente um organismo de segurança pública, já que as Unidades Prisionais têm o dever legal de proteger a sociedade (que cumpre e respeita o “contrato social”) daqueles que a ameaçam.

Entretanto, tal abordagem não pretende reduzir o sistema penitenciário à esfera da segurança pública, já que compreendemos que a execução da pena em países democráticos deve ser pautada no respeito à integridade da pessoa humana e em programas de reinserção social, conforme as Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos assinadas pelo Brasil e firmadas pela ONU em Tratado Internacional (1948).

Ademais, o crime no Brasil tem uma forte vinculação com a pobreza, já que somos o 8º país no ranking da economia mundial e, em contrapartida, amarguramos um dos piores índices de acesso à cidadania do mundo, estando na 72º posição no quesito IDH (índice de desenvolvimento humano). Este paradoxo irá repercutir nos cárceres brasileiros. Na Bahia, por exemplo, o perfil delituoso majoritário da população carcerária é o do transgressor do artigo 155 – furto - do Código Penal (SJDH, 2006); jovens entre 19 a 23 anos cujo perfil fenotípico é do afro-descendente.

Estamos trancafiando em nossas masmorras modernas uma juventude vítima de um processo histórico de exclusão social, cujo crime está fortemente relacionado à falta de oportunidades. Este quadro é o reflexo inconteste do passado, ainda não superado, do escravismo brasileiro. Ora, se as galerias e pátios dos presídios baianos denotam um flagrante apartheid étnico-racial, o Estado brasileiro, por todo um processo cruel de escravidão, por ter sido decisivo na determinação desta parcela da sociedade sobre a qual recai com mais vigor o chicote punitivo da execução penal, tem a obrigação de construir ações vigorosas para a superação destas desigualdades.

Por outro lado, há nos cárceres uma “elite carcerária” formada por ladrões de banco, seqüestradores e traficantes de drogas, que se mantém no topo da pirâmide hierárquica intramuros. Tais xerifes, mesmo em minoria, controlam em moldes de crime organizado o submundo carcerário e vêm desestabilizando o sistema penitenciário do Sudeste do país desde a década de 80 do século passado e no Nordeste já começam a fincar as suas raízes.

Em última análise, a concepção de Segurança Pública no Brasil deve ser compreendida por uma tríade, englobando as estruturas das Policias Civil, Polícia Militar e o Sistema Penitenciário. A estes três setores cabe atuar de forma cooperativa, autônoma e articulada. É imprescindível que tais organismos que compõem o Aparelho ideológico do Estado estejam em condições de garantir, cada um dentro de suas prerrogativas, as funções de manter a paz, a ordem pública, sem abdicar da preservação dos direitos das minorias.

Hegel, herdeiro do pensamento de Heráclito, irá balizar seu esquema dialético resumido no embate entre tese x antítese para a construção da síntese. A síntese, neste caso seria o consenso. Nesta ótica, o sistema penitenciário brasileiro deve ser encarado como problema de ordem pública, sem negligenciar os referenciais sócio-históricos da formação de nossa identidade nacional, no sentido de consolidar um entendimento sustentável sobre aqueles considerados inimigos internos e os parâmetros de encarceramento para não comprometer a aura de justiça que permeia as nossas instituições públicas.

Enfim, a questão de em qual estrutura irão repousar os presídios parece não mais ser o foco de nossa preocupação, mas, efetivamente, se eles terão a capacidade de contemplar as lídimas exigências dos campos opostos. O nosso grande desafio é manter o tensionamento dialético necessário para a harmonia e o equilíbrio. O arco deve estar sempre pronto para disparar flechas ágeis, capazes de viabilizar a ordem e a tranqüilidade pública e, não obstante, preservar uma lira que, com sua leveza, entoe a sublime música da justiça e dignidade humana.


http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed118/sistema_penitenciario.asp e em www.abcpolitiko.com.br

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