domingo, 27 de junho de 2010

Governismo disfarçado




Resposta às afirmações da entrevista concedida por Ricardo Gebrim, da Consulta Popular, sobre a conjuntura política

Plínio Arruda Sampaio

Ricardo Gebrim é um homem inteligente e, como tal, capaz de malabarismo verbais extraordinários, na defesa do indefensável. O indefensável que Gebrim defende (em entrevista ao Brasil de Fato, edição 379 – de 3 a 9 de junho) é a posição oficial da Consulta Popular diante da conjuntura política do país.

A verdade é que Gebrim e parte da direção da Consulta Popular apoiam Dilma. Mas por razões desconhecidas não querem declarar esse apoio explicitamente. Daí surgem os sofismas, que não resistem à mais perfunctória análise .

Primeiro sofisma. Segundo Gebrim, até 2002 o apoio a Lula centralizava a tática da esquerda. O rebaixamento do Programa Democrático Popular de Lula provocou um remanejo tático na esquerda: um grupo decidiu sustentar Lula de qualquer jeito, outro preferiu fazer oposição eleitoral a ele.

A Consulta Popular preferiu um terceiro caminho: Lula não é inimigo, mas deve ser enfrentado nas questões agrárias, econômicas, energéticas, e nas ações impopulares, e deve ser apoiado na sua política no Irã.

Ora, se Lula está errado na questão agrária, na política econômica, na política energética, obviamente, sua política não pode deixar de ser prejudicial ao povo. E o que faz uma organização de esquerda definir um governante inimigo do povo senão suas políticas?

Ainda mais que, além dessas políticas “enfrentáveis”, existem as “ações impopulares”, que também merecem enfrentamento. Quais são elas? (transposição do São Francisco? Reforma da Previdência? Sucateamento da educação e da saúde? Acobertamento do Mensalão?).

Quanto ao elogio da aventura iraniana, é preciso esclarecer que a mediação de Lula serve como luva ao propósito do imperialismo, pois consiste em convencer Amadinejad a enriquecer urânio na Turquia. O pior é que não foi nem um serviço gratuito, pois respondeu a uma sugestão do próprio Obama, como acabou sendo esclarecido. A bronca posterior foi porque a sugestão de Obama não corresponde ao desejo dos Clinton – senhores do departamento diplomático do governo norte americano.

No elogio da política externa, Gebrim esqueceu-se de mencionar o papel servil que as tropas brasileiras estão cumprindo no Haiti.

Segundo sofisma. Lula não é o inimigo. O inimigo é o capital. Mas que política Lula executa senão a da defesa do capital? O capital não é um conceito abstrato. Só existe encarnado. Combater o capital, sem encarná-lo, é como combater a imoralidade e a injustiça, sem dizer quem é imoral, injusto. E nem me venha com a balela de que combater o inimigo é combater agronegócio. O agronegócio é parte de um todo. A quem interessa ocultar essa realidade? Combater o capital é combater a ordem capitalista que Lula defende.

Terceiro sofisma. Discordando das duas táticas, por responderem à lógica de governo ou de luta eleitoral, a Consulta Popular preferiu centralizar o trabalho de unificação das forças populares, de formação de militantes, de agitação e luta popular. Por isso, no primeiro turno da próxima eleição, não apoia ninguém, libera seus militantes, mas irá denunciar Serra pelo risco do neoliberalismo e do imperialismo.

“Qui prodest?” ( a quem aproveita?)

Quanta incoerência! Qual é a via defendida pelo “atualíssimo Programa Democrático Popular”, senão a via eleitoral? Quer dizer que se Lula estivesse cumprindo o Programa Democrático Popular, o processo eleitoral seria válido?

Quarto sofisma. Nos termos de Gebrim, o Programa Democrático Popular continua extremamente atual. Isto significa dizer que o sistema capitalista tem condições de resolver os problemas fundamentais da população brasileira – hipótese negada pela nossa história e pela história da América Latina há oito décadas que reforça o discurso da direita a respeito da inviabilidade de alternativas ao seu domínio.

Quanto ao “rebaixamento” desse Programa, a lógica exige que se diga para qual patamar inferior (o neoliberal ou o populista?). Em ambos casos fere os interesses populares.

Quinto sofisma. A eleição presidencial deste ano é plebiscitária, afirma Gebrim. O povo escolherá entre o projeto rebaixado e o retrocesso. Retrocesso quer dizer: vitória do Serra. A insinuação do voto é evidente, porque a conclusão que o militante desavisado tirará dessa afirmação será naturalmente: “Gente! Que perigo! Votar na Dilma já”. Trata-se de uma versão envergonhada de voto útil, que mal esconde o governismo.

Esse malabarismo todo clama por uma explicação. Em 2010 não há engano possível: são três candidaturas da ordem contra uma candidatura anti-sistema com condições de expressar as reivindicações concretas do povo. Tenho sérias duvidas de que essa posição expresse sentimento majoritários dos companheiros que militam nessa organização. Pelo menos, não coincidem com as manifestações dos militantes quem têm comparecido nos encontros que tenho realizado nos Estados.


Plínio Arruda Sampaio
Correio da Cidadania.

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