terça-feira, 22 de junho de 2010

O desafio dos rumos do Ministério da Agricultura



A “moda” da UDR pode ter passado, mas o setor ruralista sempre foi politicamente forte e organizado. Os ruralistas se mantiveram, em maioria, na oposição declarada a Lula, abrigados no DEM ou em legendas menores. Na base de apoio governista apareceram, sobretudo, no PP e no PMDB.

Maurício Thuswohl

Continuidade da mudança. O conceito elaborado pela campanha de Dilma Rousseff leva todos aqueles que apostaram no governo Lula a imaginar onde um eventual governo Dilma pode ser ainda melhor que o segundo mandato de Lula que, por sua vez, foi melhor do que o primeiro mandato. Onde avançar? Os espaços para isso são conhecidos, pois a direita e o conservadorismo souberam guardar lugar dentro do governo nesses oito anos. Um desses lugares foi o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), vetor do setor ruralista e foco de oposição interna a diversas políticas sugeridas por outros ministérios, como, por exemplo, o do Meio Ambiente (MMA) e o do Desenvolvimento Agrário (MDA).

No governo Lula, o Mapa foi comandado primeiramente pelo expoente político do agronegócio Roberto Rodrigues (PP) e, em seguida, pelo parlamentar paranaense Reinhold Stephanes (PMDB), que sempre participou, ainda que discretamente, da chamada bancada ruralista. Em muitas vezes, o ministério atuou como uma espécie de central sindical para pressionar o Planalto em favor das reivindicações do agronegócio, respeitando os estilos elegante (Rodrigues) ou mais estabanado (Stephanes) de seus comandantes.

Mas, a essência do Mapa se manteve nesses oito anos: defender os interesses do agronegócio e lutar por mais e mais verbas para o setor. Isso implicou, em determinados momentos, numa clara política de sabotagem às posições do governo Lula levadas pelo MMA e pelo MDA a encontros internacionais como os de biodiversidade e mudanças climáticas, para ficar apenas em dois exemplos onde, atuando como repórter, assisti a isso pessoalmente.

Não nos iludamos. A “moda” da UDR pode ter passado, mas o setor ruralista sempre foi politicamente forte e organizado. Os ruralistas se mantiveram, em maioria, na oposição declarada a Lula, abrigados no DEM ou em legendas menores. Na base de apoio governista apareceram, sobretudo, no PP e no PMDB. A aliança com esses partidos se manterá e, no caso do PMDB, se aprofundará num eventual terceiro mandato do PT, mas é fundamental que o governo Dilma avance à esquerda no trato com os ruralistas. Num possível terceiro governo consecutivo de esquerda, é preciso transformar o Mapa em aliado das diversas políticas progressistas desenvolvidas em áreas fundamentais ao futuro de um país mais justo, como sustentabilidade ambiental e agricultura familiar. Até hoje, o ministério atuou como um freio para essas políticas.

O vigor político dos ruralistas pode ser medido na atual discussão sobre a reforma do Código Florestal. Além de dominar amplamente a comissão especial criada na Câmara dos Deputados para estudar a questão, a bancada ruralista tem no relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP, triste figura) um fiel aliado na tentativa de desfigurar o Código e atender a anseios como o perdão para os desmatadores e a diminuição das reservas legais, entre outros. Não conseguirão aprovar nada antes das eleições, mas essa votação já é um problema assegurado para o futuro presidente em 2011.

O aparente espaço de que desfrutam faz os ruralistas avançarem em outras frentes, como, por exemplo, na forte oposição ao Plano Nacional de Direitos Humanos, sobretudo à parte referente ao direito de propriedade. Em maio, um evento organizado pela Associação Nacionais de Criadores de Zebu (ABCZ) com as presenças de Dilma e do candidato do PSDB, José Serra, se transformou em ato pela criminalização dos movimentos sociais, tendo como alvo principal o MST. Presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) entregou aos candidatos as reivindicações dos produtores “pelo fim das invasões e da insegurança jurídica no campo”.

Serra mostrou-se solidário ao lamento dos ruralistas: “A agricultura precisa de segurança para seus investimentos”, disse o tucano que, vale lembrar, tem em Kátia Abreu um dos nomes do DEM que pode aparecer como vice em sua chapa. Dilma saiu pela tangente: “Com os movimentos sociais, a gente precisa ter diálogo. No entanto, não concordo com nenhuma atividade que implique em desrespeito à lei”, disse a candidata petista.

Dilma está em campanha e é compreensível que, considerando o público presente à 76ª edição da ExpoZebu, tenha evitado um choque frontal. No entanto, se eleita, é fundamental que aprofunde o processo de reforma agrária e mantenha o largo canal de diálogo com os movimentos sociais que marcou o governo Lula. Para isso, terá que conter o ímpeto da “vanguarda do atraso” representada pelos ruralistas e suas propostas.

Antes ou depois do PT, o problema do agronegócio nunca foi falta de apoio do governo. Além dos sucessivos perdões e rolagens de créditos agrícolas não devolvidos, o governo Lula promoveu investimentos consideráveis no setor. Na semana passada, o Planalto anunciou a liberação de R$ 100 bilhões para a safra agrícola de grãos 2010/2011, o que representa um recorde histórico. Para a agricultura familiar, verdadeira responsável pela segurança alimentar dos brasileiros, esse investimento, ainda que maior do que o do governo passado, será de “apenas” R$ 16 bilhões. Por quê não inverter ou, ao menos, equilibrar mais essa balança? É preciso dar continuidade às mudanças.

Boletim Carta Maior

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