quarta-feira, 30 de abril de 2014

Conflitos no campo recuam. Crescem despejos na Amazônia e violência contra índios

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As Novas Vitimas: índios, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, em grande parte mulheres.

O número de conflitos no campo brasileiro recuou no último período, conforme atesta o relatório Conflitos no Campo Brasil 2013, divulgado pela CPT.

Fabio Rodrigues Pozzebom

Brasília - O número de conflitos no campo brasileiro recuou no último período, conforme atesta o relatório Conflitos no Campo Brasil 2013, divulgado nesta segunda (28), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Brasília. Foram 1.266 em 2013, contra 1.364 no ano anterior. Os crimes de pistolagem contra a pessoa, também diminuíram: os assassinatos caíram de 36 para 34, as tentativas de homicídio, de 77 para 15, e o número de ameaçados de morte, de 241 para 195.


Para o presidente da CPT, Dom Enemésio Lazzaris, a queda se deve à forte vigilância social, materializada no acompanhamento e denúncia sistemática dos crimes, tanto por agentes das pastorais ligadas à comissão como de outras organizações diversas da sociedade civil. “Quanto mais olhos abertos, menos situações de conflitos nós teremos”, afirmou.


O bispo avalia que preocupa, sobretudo, o aumento exponencial do número de expulsões e despejos na Amazônia Legal, a grande fronteira em disputa pelo capital e principal palco dos projetos desenvolvimentistas do governo. As expulsões praticadas por particulares, em especial grandes latifundiários e seus agentes, cresceram 11%, deixando 525 famílias sem ter onde viver. Em 2012, haviam sido 472.


Os despejos judicias provocaram efeitos ainda mais devastadores: explodiram em 76% e geraram 3.167 novos sem-terra em 2013, contra 1.795 no ano anterior. Acre, Tocantins e Amapá, que não registraram nenhum despejo judicial em 2012, identificaram, respectivamente, 676, 625 e 118 em 2013. No Pará, o número saltou de 193 para 710, um aumento de 274%.


“O modelo de desenvolvimento aplicado não preserva o direito das famílias que vivem nas áreas que abrigam os grandes projetos”, afirmou o secretário da Coordenação Nacional da CPT, Antônio Canuto, lembrando que 45 conflitos ocorreram em áreas com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.


A Amazônia concentra também a maioria dos demais crimes computados: 20 dos 34 assassinatos ocorreram na região, assim como é lá que residem 174 das 241 pessoas ameaçadas, 63 das 143 presas e 129 das 243 agredidas. O número de famílias com casas destruídas aumentou 126%, passando de 503 para 1.186. No Acre, o número de casas destruídas mais do que dobrou, registrando um aumento de 1.038%. Foram 26, em 2012, e 296, em 2013.


Mudança no perfil das vítimas

A geopolítica do desenvolvimentismo, com a forte pressão do capital para ter acesso a novas áreas agrícolas e de mineração, é o que ajuda a explicar a mudança no perfil das vítimas dos conflitos, registrada pelo documento. Se antes eles eram tradicionalmente camponeses e homens, hoje surpreende o número de índios, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, em grande parte mulheres.


Dos 1.226 conflitos registrados no país, 205 estão relacionados aos povos indígenas: 154 referem-se a conflitos por terra ou retomada de territórios e 11 a conflitos pela água. Das 829 vítimas de violências, 238 são indígenas. Dos 34 assassinados, 15 eram índios, assim como o são 10 das 15 vítimas de tentativa de homicídio.


Para o coordenador do Centro Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Bruzatto, os dados da CPT reafirmam e comprovam a dura realidade vivida pelos indígenas brasileiros, sob forte ataque dos setores ligados ao latifúndio e ao agronegócio, incluindo os agentes políticos que os representam. “Há um ataque ao direito constitucional dos povos aos seus territórios tradicionais, que limitam o avanço do capital”, afirmou.


O número de mulheres envolvidas nos conflitos também aumentou. Em 2013, três foram assassinadas, um sofreu tentativa de homicídio e 40 foram ameaçadas.


Entre essas últimas, está Raimunda Pereira dos Santos, posseira da Gleba Tauá, em Barra do Ouro, no Tocantins, que despontou como liderança da comunidade contra os grandes fazendeiros que tentam se apropriar da área em que ela vive há décadas.


Guerra pela água


O relatório da CPT registra, pela primeira vez desde 2012, o aumento do número de conflitos pela água. Foram 79 ocorrências em 2012, contra 104 em 2013, um aumento de 32%, que resultou, inclusive, na morte de dois ribeirinhos. Um deles foi o pescador o pescador Clayton Luiz dos anjos Medeiros, 41 anos, executado com quatro tiros na cabeça, no Rio de Janeiro. A família acredita que o crime está relacionado às disputados por pontos de pesca na Baía de Guanabara.


O outro foi José Ribeiro dos Santos, 74 anos, que morreu eletrocutado em um manguezal de Maragogipe, na Bahia. O empresário conhecido como João Amazonas, o “Coscoba”, havia mandado instalar uma cerca elétrica na área, reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Palmares, da qual tentava se apropriar.


Apesar dos dois casos extremos apontarem situações diversas, o relatório sustenta que o maior número de conflitos pela água está relacionado com a construção de hidrelétricas (43 ocorrências) e com a exploração da mineração (28). A maioria deles ocorre no nordeste (43,26%), seguido pelo norte (25%) e sudeste (18,26%).


Impunidade para os grandes


De 1985 a 2013, a CPT computou 1.678 pessoas assassinadas em 1.268 conflitos. Mas a mesma Justiça que despeja milhares de brasileiros, só levou 106 a julgamento. Do total, 26 mandates e 85 executores foram condenados e 14 mandantes e 58 executores, absolvidos. Nenhum mandante está preso. “A impunidade é o que alimenta constantemente a violência no campo”, acrescentou Canuto.


Carta Maior

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